A sobriedade da igreja
sem flores e decoração, a cor roxa dos paramentos, recordam-nos que estamos num
outro tempo litúrgico, numa outra sintonia, se assim podemos falar. É a
Quaresma, que iniciámos na quarta-feira passada com o rito da imposição das
cinzas, mas que para maior parte de nós apenas começa hoje, apenas hoje se
torna evidente nesta materialidade distinta dos despojamentos decorativos e da
cor.
Quaresma que nos
prepara para a celebração da Páscoa, do grande mistério da vitória de Jesus
Cristo sobre a morte; Quaresma que representa e nos desafia para um combate,
para uma viagem através do deserto.
A leitura do Evangelho
de São Marcos que escutámos mostra-nos de uma forma sóbria e sucinta como Jesus
fez também a sua experiência de deserto, como viveu o seu combate pela
fidelidade ao amor que o Pai lhe tinha manifestado após o baptismo no rio
Jordão.
Contrariamente aos
Evangelhos de São Lucas e Mateus, que nos relatam a experiência da tentação em
modo tripartido, o Evangelho de Marcos apenas nos relata que Jesus era tentado
por Satanás nos quarenta dias que permaneceu no deserto.
Esta simplicidade tem
como objectivo colocar-nos diante de uma outra realidade que está para além das
tentações na sua particularidade, dos desafios particulares que representam, e
que São Lucas e São Mateus descrevem em termos de idolatria, auto-suficiência e
poder.
No Evangelho de São
Marcos o que verdadeiramente importa é a participação de Jesus Cristo nessa
experiência profundamente humana da tentação, e por isso a referência do
deserto é compaginada com referências ao jardim do paraíso.
Tal como o primeiro
homem que vivia em paz com os animais e era servido pelos anjos, também Jesus
vive a mesma realidade, unindo-se dessa forma e de modo total à situação do
homem na sua condição de criatura livre para optar e decidir sobre quem servir.
Jesus e Adão
assemelham-se e distanciam-se nessa semelhança face à liberdade de optar pelo
amor que lhes é manifestado pelo Pai e de acolher o projecto que lhes é
proposto no sentido da construção de um mundo diferente
O mistério da
Encarnação do Filho de Deus alcança assim a totalidade da condição humana, quer
na experiência da tentação quer na experiência da morte. Jesus não foi uma
realidade virtual, nem um privilegiado que esteve isento das nossas
experiências mais radicais e potenciadoras de sofrimento; bem pelo contrário,
assumindo a nossa condição humana sofreu os desafios da sua liberdade e fez a
experiência da nossa finitude.
Face a esta realidade,
e que o texto do Evangelho nos apresenta, somos convidados a viver a Quaresma
como esse tempo oportuno e propício para a experiência da nossa liberdade, poderíamos
dizer, para a requalificação das nossas respostas e opções face à liberdade que
temos e nos é concedida por Deus.
Esta requalificação das
respostas não pode inevitavelmente deixar de ter presente a grande mensagem de confiança
que nos é dada pela leitura do Livro do Génesis. Deus estabeleceu uma aliança
com a humanidade, uma aliança que erradicou a destruição, a condenação total,
mas que exige de todos nós uma fraternidade e um compromisso de boa consciência
para com Deus, como nos recorda a Carta de São Pedro.
Procuremos pois
aproveitar este tempo propício que o Senhor nos concede e através de uma oração
mais intensa, de uma esmola mais diligente, e do jejum das realidades de
injustiça e mentira, se abra a porta do nosso coração e da nossa vida ao Verbo
que elevou a nossa condição humana à dignidade divina.
“A Tentação de Cristo”, de Ilya Repin, Bukowski Leilões, Estocolmo.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia do I Domingo da Quaresma é um convite à preparação para a celebração da Páscoa. Iniciámos a Caminhada Quaresmal com Cristo como um tempo especial no peregrinar da vida cristã, de compromisso e re(encontro) de cada um de nós como somos, com as nossas fragilidades, com Deus e de verdadeira fraternidade e solidariedade com os outros, e como salienta no texto … que ”representa e nos desafia para um combate, para uma viagem através do deserto”… que se prolonga pela vida.
É mais uma oportunidade de fazermos uma profunda introspecção, de vasculharmos os lugares menos agradáveis do nosso interior, dos pensamentos e sentimentos, com o olhar em Cristo e no Seu testemunho.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homília, profunda, que nos desafia e encoraja a abrir ...”a porta do nosso coração e da nossa vida ao Verbo que elevou a nossa condição humana à dignidade divina”. Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Votos de uma boa noite e de uma boa semana.
Um abraço mui fraterno,
Maria José Silva
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAo ler a Homilia do I Domingo da Quaresma,que maravilhosamente partilhou connosco,muito profunda,esclarecedora que nos convida a prosseguir o Caminho da Quaresma com mais profundidade.Como nos diz a leitura do Evangelho de São Marcos ,mostra-nos de uma forma sóbria e sucinta como Jesus fez também a sua experiência no deserto,como viveu o seu combate pela fidelidade ao amor que o Pai lhe tinha manifestado após o baptismo no rio Jordão.Saibamos nós também viver o nosso combate pela fidelidade ao amor que o Pai nos tem.Aproveitemos este tempo propício que o Senhor nos concede e através da nossa oração mais intensa,se abra a porta do nosso coração e da nossa vida ao Verbo que elevou a nossa condição humana à dignidade divina.Obrigada,Frei José Carlos,pela beleza da Meditação neste início da Quaresma e, pela bela ilustração.Gostei muito.Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja.Votos de uma boa semana de Quaresma.Bom descanso.Bem-haja.Uma boa tarde com muita paz.
Um abraço fraterno.
AD