É do conhecimento
comum que muitas pessoas ao aproximar-se o momento da morte redigem o seu
testamento, deixam expressas as suas últimas vontades, para que ao partirem
deste mundo os seus herdeiros as realizem e lhes dêem cumprimento.
Sabemos que muitas
pessoas deixam expressos desejos um tanto ou quanto bizarros, outras repartem
os seus bens para evitarem guerras familiares, outras ainda confiam que o seu
património será colocado ao serviço da humanidade e do bem comum.
O Evangelho que
escutámos neste sexto domingo do Tempo Pascal pode ser considerado como o
testamento de Jesus, ou pelo menos, uma cláusula do seu testamento, a forma
como Jesus nos confia o seu património, a herança que nos lega.
Para uma melhor
compreensão não podemos deixar de ter presente que Jesus profere estas
palavras, confia esta herança, no momento da última ceia, depois de ter lavado
os pés aos discípulos, de ter anunciado a traição de Judas e as negações de
Pedro, de ter prometido o Espirito Santo.
É na amálgama destas
diversas situações e realidades, em que Jesus se apresenta como aquele que tem
tudo para dar, enquanto os outros não sabem o que fazer com o que lhes está a
ser oferecido, que o mandamento do amor colhe toda a sua verdadeira dimensão,
pois não só se confia um património mas faz-se participante dele aqueles aos
quais é confiado.
Podíamos dizer que era
suficiente Deus amar o homem e entregar o seu Filho para a redenção, mas Deus
foi mais longe, exagerou no seu amor, porque confiou aos mesmos homens o amor
que lhes tinha, fê-los herdeiros e proprietários desse amor para que o
administrassem.
E como bem nos recorda
o texto do Evangelho, não foi por nosso mérito, pelo nosso poder, pelo facto de
fazermos as coisas bem feitas, as traições e negações dos discípulos
colocam-nos perante a nossa miséria, mas porque Deus nos escolheu e nos
destinou para que dessemos fruto, e por ele pudéssemos viver na alegria.
Neste sentido, quando
hoje nos queixamos da tristeza, de uma certa frustração na nossa vida, de um
desânimo que nos alcançou, devemos assumir que não estamos a fazer a
experiência do amor, que não estamos a viver o mandamento de amar o outro como
Jesus nos pediu e por isso não vivemos a alegria inerente a esta experiência.
O relato do encontro
de Pedro com o centurião Cornélio que escutámos na leitura dos Actos dos
Apóstolos ajuda-nos a contextualizar a experiência do mandamento do amor, e a
perceber como a alegria é possível mesmo quando insuspeitável.
Lemos apenas uma
pequena parte desta história de Pedro com o centurião Cornélio, e ficamos assim
sem conhecer os antecedentes, os momentos prévios em que cada um deles se sente
impulsionado pelo Espirito a um encontro. Cornélio tem uma visão em que lhe é
comunicado que peça a vinda de Pedro a sua casa e Pedro tem outra visão em que
lhe é anunciado a ida a casa de um pagão.
O encontro de Pedro e
Cornélio, apresentado por alguns autores como o “Pentecostes” pagão, é um
testemunho e um desafio da experiência do mandamento do amor, pois permite-nos
ver como Deus vai à nossa frente, tal como o próprio Pedro afirma, Deus não faz
acepção de pessoas, e portanto devemos estar abertos e disponíveis para acolher
o outro, mesmo na sua diferença.
A abertura de Pedro
permitiu-lhe ver a acção do Espirito Santo naquele homem pagão e na sua
família, permitiu-lhe viver e experimentar o mandamento do amor entre aqueles
que não tinham andado com Jesus. E esta experiência inevitavelmente
provocou-lhes a alegria, em Pedro que acolhia um pagão e naquele homem que se
sentia acolhido.
Desta forma, quando
hoje nos colocamos a questão do que fazer com a herança, para alguns de nós
apresenta-se com demasiados encargos e custos, não podemos esquecer que o
mandamento do amor a que Jesus nos interpela passa pelo acolhimento do outro, e
do outro na sua diferença, na sua alteridade, e até na sua oposição.
Escolhermos aqueles
que amamos é colocarmo-nos na fronteira da apropriação, da consideração do
outro como propriedade ou clone nosso, enquanto o acolhimento do outro,
totalmente outro e totalmente dom de Deus, nos coloca no trilho verdadeiro da
experiência do mandamento do amor.
Procuremos pois viver
o amor de uns para com os outros para honrarmos a herança em que fomos integrados
e gozarmos do seu rendimento imediato que é a alegria.
“A Última Ceia”, de Giorgio Vasari, Figline Valdarno, Itália.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarGrata,pela partilha da bela Homilia do VI Domingo do Tempo Pascal.Como nos diz no texto o Frei José Carlos,saibamos pois viver o amor uns para com os outros para honrarmos a herança em que fomos integrados e gozarmos do seu rendimento imediato que é a alegria.Obrigada,pela rica Meditação que gostei muito e, pela beleza da ilustração.Votos de uma boa semana,com paz e alegria.Que o Senhor o ilumine o guarde e o abençoe.Bem-haja.
Um abraço fraterno.
AD