O Evangelho deste
quinto domingo da Quaresma apresenta-nos uma das histórias mais sublimes dos
Evangelhos, uma das cenas mais marcantes da vida de Jesus, uma história de amor
que só alguém verdadeiramente enamorado podia registar.
Todos sabemos como o
Evangelho de São João é uma peça única, um texto complexo e ricamente
elaborado, mas também sabemos como em muitas situações é um relato vivo de
alguém que testemunhou os acontecimentos em primeira mão.
A riqueza deste texto e
de certa maneira a sua especificidade resulta da experiência amorosa vivida
pelo seu autor, esse jovem que é apelidado do discípulo amado e que sem
qualquer receio repousa a sua cabeça sobre o peito de Jesus no momento da
última ceia.
É essa experiência do
amor do Mestre que o leva a notar os gestos amorosos que o mesmo Mestre dirige
aos outros; e, no caso de hoje, a esta mulher que é trazida à sua presença acusada
de um crime que apenas tem como objectivo incriminar o próprio Mestre Jesus. Aqueles
escribas e fariseus sabiam muito bem ao que vinham e a mulher era apenas um
pretexto, um alibi para o crime que desejavam perpetrar.
Tal como nos diz o
texto, é uma armadilha para incriminar Jesus, que tal como a mulher se vê colocado
no centro das atenções, no centro da roda da violência. Se Jesus responde que
se atirem as pedras à mulher, que seja condenada pelo adultério, infringe não
só as leis dos romanos mas contradiz também toda a sua palavra de amor e
misericórdia. Pelo contrário se a deixa sem condenação está a negar a Lei de
Moisés e igualmente a negar a sua palavra quando afirma que não tinha vindo
revogar a Lei mas aperfeiçoá-la.
Jesus está
encurralado, encostado à parede, e sem outra saída partilha a sorte da mulher,
desce até ela e à sua sorte quando se abaixa e começa a escrever no pó do chão do
templo. É o amor que desce até ao pecado, é a misericórdia que desce até à
infidelidade e partilha a sua condição. E com o dedo que lavrou as pedras da
Lei entregues a Moisés começa a escrever no pó da terra as faltas dos homens.
Podemos imaginar a surpresa
daqueles homens, dos discípulos que expectantes esperavam uma resposta do
Mestre, da própria mulher que naquele impasse continuava sem saber o seu
futuro. E como insistiam com Jesus e nada do que escrevia no chão os vergava à
verdade, Jesus ergue-se com autoridade e sem medo lança-lhes o maior desafio:
quem não tiver pecado que atire a primeira pedra.
É a resposta inesperada,
é a prova da partilha da condição do pecado da mulher, é o confronto com o
pecado que afinal todos tinham cometido ao trazer aquela mulher para o tentarem
incriminar a ele. Só Jesus podia proclamar este desafio, ele que não tinha
conhecido o pecado e se fez pecado para salvar todos os homens. Ele que
conhecia o pecado de todos podia de caras confrontar-se com os pecados daqueles
homens. E perante tal desafio foram saindo um a um a começar pelos mais velhos.
Diz-nos São João, o
jovem discípulo amado, que ficaram apenas a mulher e Jesus e que este depois de
lhe ter perguntado pelos acusadores também a enviou para casa sem a condenar
mas com a recomendação de não voltar a pecar. A mulher faz a experiência do
perdão e João testemunha o amor de Jesus, que não veio para condenar mas para
salvar, que não veio para aprisionar os homens na culpa mas libertá-los de modo
a poderem ter uma vida nova.
Jesus ao dizer àquela
mulher apanhada em flagrante que também ele não a condena está a libertá-la da
sua falta, do seu pecado, está a ir ao encontro de uma ideia que trespassa as três
leituras que escutámos e converge nessa necessidade de deixar o passado para
trás, de perdoar e deixar-se perdoar para poder prosseguir com a vida.
E esta tentação de ficarmos
presos ao passado, a uma qualquer falta que possamos ter cometido, é bastante frequente
e devido a ela não somos capazes de dar um passo em frente, não temos a coragem
de acreditar que o futuro ainda está por viver e pode ser muito diferente.
A história da mulher
apanhada em adultério que São João testemunhou e nos conta tem esse mérito de
nos colocar diante do perdão de Jesus, do seu amor extremo e solidário com o
homem vítima do pecado, assim como tem o mérito de nos dizer que Deus não nos
quer aprisionados à culpa do mal cometido mas que nos liberta dela para
podermos viver uma nova oportunidade de plenitude e fidelidade.
Nesta Quaresma e neste
Ano da Misericórdia devemos estar assim atentos à oferta que o Senhor Jesus nos
faz através da Igreja e do sacramento da Reconciliação para fazermos essa
experiência de amor, para nos darmos uma nova oportunidade de vida.
Que o medo não nos
tolha os passos nem as nossas faltas nos desencorajem, porque o Senhor espera
de braços abertos cada um de nós para nos dizer, vai e não tornes a pecar, para
nos oferecer um novo futuro, a sua graça para vivermos como Filhos da Luz e da
Verdade.
1 – “Cristo e a pecadora”, de Andrey Mironov.
2 – “Cristo e a mulher adúltera”, de Polidoro Da Lanciano, Museu Belas Artes Budapeste.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAo ler a Homilia do V Domingo da Quaresma,maravilhosamente bela e profunda que nos ajuda a nossa reflexão com maior profundidade,nesta caminhada quaresmal, para a Páscoa da Ressurreição do Senhor.Como nos dizia o Frei José Carlos,nesta Quaresma e neste Ano da Misericórdia devemos estar assim atentos à oferta que o Senhor Jesus nos faz através da Igreja e do Sacramento da Reconciliação para fazermos essa experiência de amor,porque o Senhor espera de braços abertos cada um de nós para nos dizer,vai e não tornes a pecar,para nos oferecer um novo futuro,a sua graça para vivermos como Filhos da Luz e da Verdade.
Obrigada,Frei José Carlos,por ter partilhado connosco esta excelente reflexão e pela beleza da ilustração.
Que o Senhor o ilumine o ajude e o proteja.Bem-haja.Continuação de boa semana com alegria e paz.
Um abraço fraterno.
AD