O quarto domingo da
Quaresma é conhecido pelo domingo “laetare”, o domingo da alegria, um domingo
que no meio da caminhada quaresmal nos convida a levantar os olhos, a renovar a
alegria, a restabelecer a nossa confiança e esperança no Senhor que vem ao
nosso encontro.
A nossa caminhada até
este momento pode ter sido mais ou menos dura, mais ou menos difícil, podemos
ter apontado uns objectivos ou propósitos para vivermos este tempo de
preparação para a Páscoa e ainda estarmos muito longe de os vermos
concretizados apesar da nossa luta e esforço.
Em outros casos podemos
não ter estabelecido propósito algum, podemos não ter entrado ainda na Quaresma
e estarmos a viver este tempo liturgicamente forte e transformador como
habitualmente vivemos o resto do ano, rotineiramente nos nossos processos de
adaptação ou camuflagem, deixando passar ao lado a oportunidade de uma
conversão, de uma mudança de vida.
E é desta mudança que
nos falam as leituras de hoje, de uma reconciliação que não está na nossa mão controlar,
manipular, mas que nos é oferecida gratuitamente, e portanto apenas pode ser
acolhida como um dom, com uma disposição à liberdade e à liberalidade de quem o
oferece.
É também desta liberdade
e liberalidade que trata a parábola que escutámos no Evangelho de São Lucas,
parábola conhecida como parábola do filho pródigo ou do pai misericordioso, mas
que também pode ser apresentada como parábola do egoísmo quando centramos a
nossa atenção no filho mais novo que pede os seus bens ao pai, ou parábola do
orgulho e da inveja quando nos detemos nas palavras e atitudes do filho mais
velho.
E entre um e outro
filho o pai misericordioso não deixa de manifestar o seu grande amor, o seu
coração aberto aos filhos, a disposição para não se centrar em si próprio, nas
suas dores e mágoas, mas para sair sempre ao encontro de cada um, quer esteja
de regresso ou quer se recuse a entrar em casa.
É o pai que age, é o
pai que entrega os bens ao filho mais novo, assumindo a vergonha da afronta, é
o pai que o espera e se lança ao seu encontro, é o pai que não lhe permite a
humilhação de uma desculpa, é o pai que o reintroduz em casa e lhe restabelece
a dignidade.
E quando o filho mais
velho, ofendido pelo amor do pai para com o irmão, se recusa a entrar em casa e
a partilhar a festa, é novamente o mesmo pai que sai ao seu encontro, que o vem
desafiar no seu orgulho, que o convida a alegrar-se com o irmão que voltava
vivo.
O pai é o eixo em que
se move o desafio do amor, amor em relação a si próprio por parte dos filhos e
amor entre os irmãos. Não importa o que fizeram e como o fizeram, ou o que
deixaram de fazer, o verdadeiramente importante é a disposição para entrar no
amor do pai, para acolher com total liberdade a liberalidade amorosa do pai.
Como nos diz São Paulo
na Carta aos Coríntios que escutámos, Deus reconciliou-nos consigo em Jesus
Cristo e confiou aos seus discípulos o ministério da reconciliação, ou seja,
esta mesma liberdade de oferecer aos outros com liberalidade uma nova
oportunidade, o acolhimento que buscam nas suas angústias.
Conscientes deste ministério
temos que assumir que muitas vezes somos o filho mais novo, que parte para
longe da casa do pai, que esbanja a sua herança nas incoerências e
infidelidades, que procura desculpas para tentar uma reaproximação ao pai que é
Deus. Também nós fomos longe e desejamos voltar a casa. Que o saibamos fazer
sem medo e sem desculpas, apenas confiantes que o Pai nos ama e que nos convida
a amar e a conceder uma oportunidade a todos os seus filhos.
Outras vezes, e temos
que o assumir, também conscientemente, somos o filho mais velho que permanece,
que fica em casa e não esbanja nada, mas por medo e orgulho é incapaz de
conhecer o pai e a liberalidade do seu amor. Integrados no sistema e na rotina
não sabemos o que é a liberdade, desconhecemos a alegria do dom sem retorno. Não
fomos longe, mas também não conhecemos a casa do Pai em que habitamos. Que saibamos
viver em liberdade, agradecidos pelo que somos e temos, sem inveja de qualquer
dom ou graça dos outros nossos irmãos.
Conscientes do
ministério da reconciliação, de como fomos reconciliados com Deus em Jesus
Cristo, que assumamos determinadamente o papel do pai da parábola que sai ao
encontro de cada um dos seus filhos; que sem medo nem inveja, com a profunda
liberdade de Deus, saibamos acolher todos os nossos irmãos com todos os seus
percursos e saibamos ver neles a presença de Deus que nos conduz à plenitude.
1 – “O filho pródigo recolhe a sua herança”, de Bartolomé Esteban Murillo, Museu do Prado.
2 – “O regresso do filho pródigo”, de Salvator Rosa, National Gallery do Canada.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAo ler e reler o quarto domingo da Quaresma,é conhecido pelo domingo "laetare",o domingo da alegria,que no meio da caminhada quaresmal nos convida a levantar os olhos, a renovar a alegria,a restabelecer a nossa confiança e esperança no Senhor que vem ao nosso encontro.
Como nos diz o Frei José Carlos,nesta maravilhosa Homilia,muito profunda e tão rica de sentido.Obrigada,pela espectacular partilha da parábola do filho pródigo,gostei muito.Que saibamos viver em liberdade, agradecidos pelo que somos e temos,sem inveja de qualquer dom ou graça dos outros nossos irmãos!
Conscientes do mistério da reconciliação,de como fomos reconciliados com Deus em Jesus Cristo,saibamos acolher todos os nossos irmãos e ver neles a presença de Deus que nos conduz à plenitude.
Grata,Frei José Carlos,pelas maravilhosas palavras que partilhou connosco e pela beleza da ilustração. Bam-haja.Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja.
Desejo-lhe uma boa semana no meio da caminhada quaresmal com paz e alegria.Um abraço fraterno.
AD
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarNo diálogo permanente com Jesus Cristo há em cada um de nós a busca incessante de um Pai misericordioso que vem ao nosso encontro, sem julgamemtos, disponível para o reencontro, para fazer morada em nós. Sabemos como a atitude de Jesus Cristo com cada um de nós é difícil de a assumirmos na relação que tentamos estabelecer com os outros.
Grata, pela partilha do texto da Homilia, profunda, que nos ajuda a repensar os nossos comportamentos, por exortar-nos a que ...” sem medo nem inveja, com a profunda liberdade de Deus, saibamos acolher todos os nossos irmãos com todos os seus percursos e saibamos ver neles a presença de Deus que nos conduz à plenitude.”
Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Um abraço mui fraterno,
Maria José Silva