domingo, 6 de março de 2016

Homilia do IV Domingo da Quaresma

O quarto domingo da Quaresma é conhecido pelo domingo “laetare”, o domingo da alegria, um domingo que no meio da caminhada quaresmal nos convida a levantar os olhos, a renovar a alegria, a restabelecer a nossa confiança e esperança no Senhor que vem ao nosso encontro.
A nossa caminhada até este momento pode ter sido mais ou menos dura, mais ou menos difícil, podemos ter apontado uns objectivos ou propósitos para vivermos este tempo de preparação para a Páscoa e ainda estarmos muito longe de os vermos concretizados apesar da nossa luta e esforço.
Em outros casos podemos não ter estabelecido propósito algum, podemos não ter entrado ainda na Quaresma e estarmos a viver este tempo liturgicamente forte e transformador como habitualmente vivemos o resto do ano, rotineiramente nos nossos processos de adaptação ou camuflagem, deixando passar ao lado a oportunidade de uma conversão, de uma mudança de vida.
E é desta mudança que nos falam as leituras de hoje, de uma reconciliação que não está na nossa mão controlar, manipular, mas que nos é oferecida gratuitamente, e portanto apenas pode ser acolhida como um dom, com uma disposição à liberdade e à liberalidade de quem o oferece.
É também desta liberdade e liberalidade que trata a parábola que escutámos no Evangelho de São Lucas, parábola conhecida como parábola do filho pródigo ou do pai misericordioso, mas que também pode ser apresentada como parábola do egoísmo quando centramos a nossa atenção no filho mais novo que pede os seus bens ao pai, ou parábola do orgulho e da inveja quando nos detemos nas palavras e atitudes do filho mais velho.
E entre um e outro filho o pai misericordioso não deixa de manifestar o seu grande amor, o seu coração aberto aos filhos, a disposição para não se centrar em si próprio, nas suas dores e mágoas, mas para sair sempre ao encontro de cada um, quer esteja de regresso ou quer se recuse a entrar em casa.
É o pai que age, é o pai que entrega os bens ao filho mais novo, assumindo a vergonha da afronta, é o pai que o espera e se lança ao seu encontro, é o pai que não lhe permite a humilhação de uma desculpa, é o pai que o reintroduz em casa e lhe restabelece a dignidade.
E quando o filho mais velho, ofendido pelo amor do pai para com o irmão, se recusa a entrar em casa e a partilhar a festa, é novamente o mesmo pai que sai ao seu encontro, que o vem desafiar no seu orgulho, que o convida a alegrar-se com o irmão que voltava vivo.
O pai é o eixo em que se move o desafio do amor, amor em relação a si próprio por parte dos filhos e amor entre os irmãos. Não importa o que fizeram e como o fizeram, ou o que deixaram de fazer, o verdadeiramente importante é a disposição para entrar no amor do pai, para acolher com total liberdade a liberalidade amorosa do pai.
Como nos diz São Paulo na Carta aos Coríntios que escutámos, Deus reconciliou-nos consigo em Jesus Cristo e confiou aos seus discípulos o ministério da reconciliação, ou seja, esta mesma liberdade de oferecer aos outros com liberalidade uma nova oportunidade, o acolhimento que buscam nas suas angústias.
Conscientes deste ministério temos que assumir que muitas vezes somos o filho mais novo, que parte para longe da casa do pai, que esbanja a sua herança nas incoerências e infidelidades, que procura desculpas para tentar uma reaproximação ao pai que é Deus. Também nós fomos longe e desejamos voltar a casa. Que o saibamos fazer sem medo e sem desculpas, apenas confiantes que o Pai nos ama e que nos convida a amar e a conceder uma oportunidade a todos os seus filhos.
Outras vezes, e temos que o assumir, também conscientemente, somos o filho mais velho que permanece, que fica em casa e não esbanja nada, mas por medo e orgulho é incapaz de conhecer o pai e a liberalidade do seu amor. Integrados no sistema e na rotina não sabemos o que é a liberdade, desconhecemos a alegria do dom sem retorno. Não fomos longe, mas também não conhecemos a casa do Pai em que habitamos. Que saibamos viver em liberdade, agradecidos pelo que somos e temos, sem inveja de qualquer dom ou graça dos outros nossos irmãos.
Conscientes do ministério da reconciliação, de como fomos reconciliados com Deus em Jesus Cristo, que assumamos determinadamente o papel do pai da parábola que sai ao encontro de cada um dos seus filhos; que sem medo nem inveja, com a profunda liberdade de Deus, saibamos acolher todos os nossos irmãos com todos os seus percursos e saibamos ver neles a presença de Deus que nos conduz à plenitude.

 
Ilustração:
1 – “O filho pródigo recolhe a sua herança”, de Bartolomé Esteban Murillo, Museu do Prado.
2 – “O regresso do filho pródigo”, de Salvator Rosa, National Gallery do Canada.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Ao ler e reler o quarto domingo da Quaresma,é conhecido pelo domingo "laetare",o domingo da alegria,que no meio da caminhada quaresmal nos convida a levantar os olhos, a renovar a alegria,a restabelecer a nossa confiança e esperança no Senhor que vem ao nosso encontro.
    Como nos diz o Frei José Carlos,nesta maravilhosa Homilia,muito profunda e tão rica de sentido.Obrigada,pela espectacular partilha da parábola do filho pródigo,gostei muito.Que saibamos viver em liberdade, agradecidos pelo que somos e temos,sem inveja de qualquer dom ou graça dos outros nossos irmãos!
    Conscientes do mistério da reconciliação,de como fomos reconciliados com Deus em Jesus Cristo,saibamos acolher todos os nossos irmãos e ver neles a presença de Deus que nos conduz à plenitude.
    Grata,Frei José Carlos,pelas maravilhosas palavras que partilhou connosco e pela beleza da ilustração. Bam-haja.Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja.
    Desejo-lhe uma boa semana no meio da caminhada quaresmal com paz e alegria.Um abraço fraterno.
    AD

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  2. Caro Frei José Carlos,

    No diálogo permanente com Jesus Cristo há em cada um de nós a busca incessante de um Pai misericordioso que vem ao nosso encontro, sem julgamemtos, disponível para o reencontro, para fazer morada em nós. Sabemos como a atitude de Jesus Cristo com cada um de nós é difícil de a assumirmos na relação que tentamos estabelecer com os outros.
    Grata, pela partilha do texto da Homilia, profunda, que nos ajuda a repensar os nossos comportamentos, por exortar-nos a que ...” sem medo nem inveja, com a profunda liberdade de Deus, saibamos acolher todos os nossos irmãos com todos os seus percursos e saibamos ver neles a presença de Deus que nos conduz à plenitude.”
    Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

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