domingo, 8 de janeiro de 2017

Homilia da Solenidade da Epifania do Senhor

Estamos a terminar o tempo do Natal, e a Solenidade da Epifania coloca-nos diante desse grande mistério da revelação de Deus aos homens no mistério da Encarnação. Deus faz-se carne da nossa carne e os magos vindos do oriente para adorar o Menino revelam-nos que esse mistério, que essa encarnação, se dirige a todos os homens e a todos os tempos.
Nesse sentido, é bom que tenhamos presente duas realidades que trespassam os textos da primeira leitura do Profeta Isaías e o Evangelho que escutámos, como são o desafio da superação da desilusão, e a grandeza divina da realidade quotidiana.
O texto do profeta Isaías que escutámos faz eco de um momento delicado da história do povo de Israel, pois assiste-se ao regresso do povo à sua terra depois do exílio na Babilónia. Foi um momento de grande euforia, de grandes esperanças e alegrias. Contudo, o choque com a realidade, com a pobreza, com a destruição do templo e a incapacidade imediata de o reconstruirem, gerou uma grande desilusão e frustração. As expectativas estavam longe de serem alcançadas.
É neste cenário, perante este espirito de um certo derrotismo, que o profeta vem lançar o seu grito de esperança, que desafia o povo a não perder a esperança, bem pelo contrário a reanimá-la e a reforçá-la pois algo maior ainda está para acontecer. Aqueles que acreditarem e perseverarem na esperança do cumprimento das promessas divinas não só reconstruirão o templo como verão afluir a ele todos os povos e os tesouros das nações.
A chegada dos magos a Jerusalém e a inexistência de qualquer recém-nascido no seio da família real deve ter provocado também uma desilusão, pelo menos num primeiro momento. Ter-se-iam equivocado na sua busca? Teria sido em vão todo o esforço da viagem? Inadvertidamente Herodes vai servir de reanimador da esperança, vai servir de ponte à frustração do desencontro, e vai reencaminhar a esperança daqueles homens para o que vinham buscar desde longe. Afinal as Escrituras confirmavam a busca em que se tinham envolvido.
Esta realidade da frustração, da desilusão face às expectativas que construímos, pode também acontecer connosco, com cada um de nós e nas mais diversas situações da vida, no nosso mundo profissional, nas nossas relações afectivas, na nossa própria relação e expectativa face à acção de Deus. Num primeiro momento podemos viver como se tudo se fosse realizar como idealizado, sonhado, e depois confrontarmo-nos com uma realidade bem diferente.
As leituras do profeta Isaías e do Evangelho de São Mateus dizem-nos que não podemos cruzar os braços, que não podemos perder a esperança. São naturais as expectativas, são luminosos e gratificantes os primeiros momentos, mas também existem os desafios que se lhes seguem, as dificuldades que necessitamos enfrentar e superar. E é quando continuamos a viver na esperança, a lutar por acreditar, que fazemos a experiência do extraordinário que estava ao virar da esquina. Para os magos foi a estrela que novamente se iluminou e os conduziu ao lugar onde se encontrava o menino. Continuar a acreditar, manter viva a esperança, faz-nos encontrar a luz que nos guia à realização plena.
Realização plena que não se encontra no alto dos céus, nem na profundidade dos mares, acessível apenas a alguns eleitos. A realização encontra-se presente no nosso dia-a-dia, na nossa casa, nessa casa a que os magos se dirigiram e onde encontraram o Menino Rei que procuravam. É no nosso quotidiano, nas nossas realidades mais simples e básicas, que nos podemos encontrar com Deus, que lhe podemos oferecer o que de melhor temos.
Seria certamente diminuto o sentido do mistério da encarnação, do Filho de Deus se fazer carne da nossa carne, homem como todos os homens excepto no pecado, se não fosse para nos mostrar que é na nossa condição humana que se encontra o caminho para a nossa realização plena, para a nossa felicidade, iniciada aqui e agora através do bem e do amor, da verdade e da justiça com que vivemos e que nos projecta na eternidade.
Deus manifesta-se na nossa humanidade para a divinizar, em todas as dimensões, em todos os tempos e em todos os lugares, e os magos que procuram o Menino representam-nos a todos neste processo de busca e encontro. Deus vem ao nosso encontro se partirmos também ao seu encontro. E quando tal encontro acontece, regressamos inevitavelmente como os magos por outro caminho, o caminho da nossa humanidade divinizada, o caminho da consciência da nossa identidade divina.
Procuremos pois manter acesa a nossa busca, assim como a esperança de a levar a bom termo, pois é essa esperança que nos conduz. Tal como diz o poema de São João da Cruz somente a sede nos ilumina na busca da fonte, “de noche iremos, de noche, que para encontrar la fuente, solo la sede nos alumbra”.

 
Ilustração:
“Adoração dos Magos”, de Andrey Mironov.

1 comentário:

  1. Obrigada,Frei José Carlos pela maravilhosa partilha desta Meditação.Gostei muito.Que o Senhor o ilumine e o proteja.Bem-haja.
    Um abraço fraterno.
    AD

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