domingo, 7 de maio de 2017

Homilia do IV Domingo da Páscoa

Estamos a celebrar o domingo do Bom Pastor. Jesus apresenta-se no Evangelho de São João, que escutámos, como o Pastor que abre a porta às ovelhas, que chama cada uma pelo seu nome, e que depois de as ter feito passar pela porta segue à frente delas até às pastagens abundantes.
Ao comentar o Evangelho deste domingo prestamos uma especial atenção a dois pormenores, que encontramos igualmente presentes em outros contextos e circunstâncias do mesmo Evangelho de São João.
O primeiro deles prende-se com o chamar pelo nome; Jesus, o Bom Pastor, chama cada uma das ovelhas pelo seu nome. Facto importante, porque não somos mais um número, mais um elemento na anonimato da massa, mas uma pessoa, alguém com o qual se estabelece uma relação.
Podemos ver a importância deste chamar pelo nome no episódio de Zaqueu, que Jesus desconhecia, mas que interpela pelo seu nome ao convidar a descer da árvore porque desejava ficar em sua casa. A nossa busca de Deus, o nosso desejo de ver Jesus, é já uma porta aberta para escutarmos o nosso nome, para o estabelecimento de uma relação pessoal e única com Jesus que vem ao nosso encontro.
Outro momento importante para o chamar do nome é o encontro de Maria Madalena com Jesus ressuscitado. É o pronunciar do nome que desperta para a realidade, para a nova presença e a nova relação que é necessário estabelecer. Quando aquele que parece um jardineiro pronuncia o nome de Maria há toda uma realidade relacional que se reaviva, que podemos dizer ressuscita. Maria Madalena reconhece Jesus pelo seu nome pronunciado.
Assim, e nas circunstâncias em que nos encontramos, na nossa busca de fidelidade, de conhecimento de Jesus, não podemos deixar de estar atentos ao apelo que Jesus nos lança, ao nome por que nos chama para o seguir, para o acolhermos e para o reconhecermos na nova realidade da sua ressurreição.
Ainda neste sentido, não podemos esquecer que o Apocalipse nos apresenta um livro onde estão inscritos todos os nomes, os nomes daqueles que seguiram o cordeiro, no contexto desta leitura do Evangelho o Pastor, que foram capazes de perceber o apelo ao seguimento. A cada um é dado um nome novo, um nome que deriva dessa relação pessoal e única com o Pastor e que apenas cada um conhece. Procuremos pois escrever o nome novo com Jesus.
O segundo pormenor, a que necessitamos dar atenção neste contexto do Bom Pastor, é a realidade abundante a que o pastor nos conduz. Por várias vezes e em circunstâncias diversas a abundância da graça e da vida é-nos apresentada pelo Evangelho.
Podemos vê-la nas bodas de Caná, não só no transbordar das talhas de onde sai o vinho novo, mas também na qualidade excelente desse mesmo vinho. Podemos vê-la na conversa com a Samaritana junto ao poço de Jacob e à qual é prometida e oferecida uma água viva, uma fonte que jorra para a vida eterna, que como sabemos provoca um grande equívoco na pobre mulher. Podemos vê-la no milagre da multiplicação dos pães, quando no final e depois de todos saciados ainda sobram doze cestos de pedaços.
Inquestionavelmente o Bom Pastor conduz-nos às pastagens verdejantes, às águas cristalinas, à abundância da vida e por isso não nos podemos distrair com as outras ofertas, com os salteadores e ladrões que nos prometem oásis de delícias mas que depois experimentamos serem puras miragens.
A confiança e a fé de que a promessa não é publicidade enganosa assentam nas palavras de São Pedro, entre outras, que escutámos na Segunda Leitura. Nós fomos curados pelas suas chagas, ele suportou os nossos pecados no madeiro da cruz para que vivamos para a justiça, para que não mais tivéssemos que nos perder pelo deserto em busca de alimento, porque ele se fez nosso alimento, nosso guarda e protector.
Assim sendo, temos que estar atentos às diversas ofertas de felicidade que se nos apresentam a cada esquina, a cada paraíso que nos é oferecido nas imagens e slogans da publicidade. É verdade que estamos destinados à felicidade, que a devemos buscar, mas também devemos estar conscientes que ela é exigente, que não se alcança por um passo de mágica, que exige esforço e aplicação, uma disposição para a verdade e para a iluminação do espirito. A felicidade é uma conquista.
Neste sentido, e nesta busca de felicidade a que todos aspiramos, não podemos deixar de recordar que hoje se celebra também o dia mundial de oração pelas vocações. Aquele e aquela que descobrem a sua vocação encontram-se com a felicidade, com um processo de esforço e aplicação que desde o primeiro momento tem por horizonte a realização plena. Assim, tudo o que faz e que até pode custar e implicar sofrimento é relativo face ao fim a que se destina.
Todos sabemos como passamos por dificuldades a nível das vocações sacerdotais e religiosas, não há sacerdotes para celebrar os sacramentos, nem religiosos para testemunhar a alegria do Reino construído na fraternidade. Contudo, e como nos recordava ainda há tempos o Papa Francisco a falta de vocações consagradas deve-se antes de mais à falta de vocações para a família.
Faltam hoje no mundo homens e mulheres que assumam a vida familiar, a constituição de uma família como uma vocação divina, como um processo para a realização e a felicidade do casal, mas igualmente como uma manifestação da vida divina, da presença e da história de Deus com os homens. São Paulo recorda-nos isso quando nos diz que o amor entre o homem e a mulher é uma manifestação do amor de Cristo pela sua Igreja. Um amor pessoal, um amor com nomes e apelos sinceros, um amor de entrega total, um amor para a vida em abundância.
Celebramos também hoje o dia da Mãe, e por isso não posso deixar de lançar este apelo às mães e pais aqui presentes. A vocação a que Deus vos chamou foi a de ser pais e mães, procurai sê-lo com sentido divino, formando os vossos filhos para enfrentar os desafios do mundo, mas formando-os também na escuta e na relação com Deus. Que o vosso amor conjugal e o amor pelos vossos filhos sejam testemunhos da transfiguração operada pela passagem de Jesus Cristo nas vossas vidas.
Jesus é a porta por onde devemos passar. Ele é a nossa salvação. Que o vosso amor, e o amor de cada um de nós, estejam marcados indelevelmente pela santidade desta passagem.

 
Ilustração:
1 – “Parábola de Jesus Bom Pastor”, de Marten van Valckenborch, Kunsthistorisches Museum, Viena de Áustria.  
2 – “O Bom Pastor”, de Bartolomé Esteban Murillo, Museu do Prado, Madrid.

1 comentário:

  1. Ser chamado pelo nome é algo a que muitas vezes não damos atenção e que, no entanto,devia marcar a nossa vida e a nossa actuação.É que nós não fazemos parte duma multidão anónima. A cada um de nós Deus conhece com as suas qualidades e defeitos, potencialidades e fraquezas. E é em face de tudo isso que Ele nos chama, nos perdoa e nos acolhe.O nome porque Deus nos conhece é o conjunto de dons que recebemos e a que temos que corresponder. Não podemos esquecer esta grande realidade: Deus chama cada um pelo seu nome. Inter pars

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