domingo, 30 de abril de 2017

Homilia do III Domingo da Páscoa

Ao iniciar o seu Evangelho, São Lucas diz a Teófilo, aquele para quem escreve, que procurou informar-se de tudo para que a sua doutrina, o conhecimento de Jesus que tinha recebido, fosse sólido.
É nesta busca de solidez da doutrina que encontramos o episódio dos discípulos de Emaús, um acontecimento que podemos considerar histórico, e que nos revela muito do que foi o dia da ressurreição de Jesus para os discípulos. As circunstâncias do encontro, o diálogo, o desenlace final, mostram-nos a diversidade de experiências, mas igualmente o mistério único de que foram participantes.
Ao afastarem-se de Jerusalém os discípulos manifestam a desilusão que os tinha alcançado, a frustração das expectativas, eles que tinham vivido com Jesus durante três anos e tinham acalentado expectativas de libertação. Eles que tinham testemunhado palavras e obras grandes diante de Deus e dos homens esperavam outro fim.
Nesta frustração podemos rever-nos cada um de nós, podemos considerar que somos irmãos dos discípulos de Emaús, que caminhamos com eles, pois também algumas vezes nos afastamos de Deus quando ele não responde ou corresponde às nossas expectativas, aos nossos planos e projectos.
Há em cada um de nós um pouco de Tomé, que fica junto do grupo, na expectativa, e apesar das suas interrogações e desejos de ver e tocar, e um pouco de Cléofas e do companheiro, que se afastam, apesar do conhecimento, das notícias e testemunhos dos outros, que os deveria fazer permanecer.
Mas em cada uma das situações há algo maravilhoso da parte de Deus, de Jesus ressuscitado, que não se impõe, nem condena, que não apressa a fé, bem pelo contrário faz-se presente suavemente e deixa que o tempo e a sua presença revolvam as dúvidas e as frustrações. Jesus deixa tempo aos seus discípulos para que apreendam o mistério, para que compreendam, para que se possam situar face aos acontecimentos.
A explicação que Jesus dá aos discípulos enquanto caminham é sintomática desta, poderíamos dizer, paciência e pedagogia de Jesus. Ele não força nada, não se impõe, mas deixa a liberdade a cada um para na sua circunstância, na sua história, fazer a descoberta do seu mistério e da sua presença. Desta forma a alegria do encontro da presença é muito maior, poderíamos dizer, concede algum mérito àquele que descobre.
A liberdade que Jesus nos concede no caminhar ao encontro da sua presença está no entanto vinculada a uma disposição, a uma outra atitude, patente no convite dos discípulos a que Jesus fique com eles. Para um verdadeiro e pleno encontro com Jesus ressuscitado não podemos deixar de ter o coração aberto, essa disposição para o acolher, mesmo quando parece que ele quer ir mais além. Necessitamos dizer-lhe que fique connosco, que venha habitar no nosso coração, fazer de nós habitação tua. Por diversas vezes e em textos bíblicos diferentes há referência a essa necessidade do acolhimento, da disposição para Deus para que ele venha ao nosso encontro.
E paradoxalmente, no relato dos discípulos de Emaús, é quando Jesus desaparece depois de abençoar e partir o pão que os discípulos o reconhecem e percebem o ardor que sentiam no coração enquanto o escutavam no caminho. Este paradoxo visa mostrar a Teófilo, para quem São Lucas escreve, que não podia ter a pretensão do conhecimento total de Jesus, da apropriação da sua pessoa e da sua história.
Jesus ressuscitado é um mistério de presença e ausência, uma presença na palavra e no pão, no acolhimento e no encontro, mas igualmente uma ausência porque está para além da materialidade das realidades de que se serve para manifestar a sua presença. É nesta tensão que os discípulos são convidados a viver, a dar o seu testemunho.
Também hoje nos é possibilitado fazer a mesma experiência dos discípulos de Emaús, também hoje temos à nossa disposição a Palavra, as Sagradas Escrituras, também hoje o mesmo pão continua a ser abençoado e partido na Eucaristia, e também hoje nos reunimos e acolhemos na expectativa da presença do Senhor nesta celebração dominical.
Necessitamos assim colocar a questão do ardor do nosso coração, da alegria que vivemos, dos passos que damos para ir ao encontro dos nossos irmãos para lhes comunicar que afinal é verdade que Jesus ressuscitou. Apesar das nossas fraquezas estamos de facto convictos da experiência que vivemos da presença de Jesus? Acreditamos e esperamos em Deus por Jesus ressuscitado?
Como nos recorda a leitura da Carta de São Pedro, não foi por coisas corruptíveis que fomos resgatados da vã maneira de viver, mas pelo sangue de Cristo, e se tal aconteceu foi para que acreditássemos, para que a nossa fé e a nossa esperança fossem alicerçadas verdadeiramente em Deus.
Procuremos pois viver com alegria e confiança o mistério da presença de Jesus ressuscitado, e com ardor e esperança testemunhá-lo aos nossos irmãos pela caridade e a fraternidade que nos devemos.

 
Ilustração:
1 – “Encontro na estrada de Emaús”, de Altobello Melone, National Gallery, Londres.
2 – “Ceia em Emaús”, de Andrey Mironov.

1 comentário:

  1. Grata,pela maravilhosa partilha da Homilia do III Domingo da Páscoa,profunda e rica de sentido para todos nós.Beleza de Meditação,gostei muito.Obrigada,Frei José Carlos pela sua generosidade,em nos ajudar a reflectir mais profundamente o Mistério da Ressurreição do Senhor,bem-haja.Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja.Desejo-lhe uma boa semana deste tempo pascal.
    Um abraço fraterno.
    AD

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