domingo, 14 de maio de 2017

Homilia do V Domingo da Páscoa

As palavras que escutámos hoje no Evangelho são proferidas por Jesus no momento da última ceia, depois de ter lavado os pés aos discípulos e de ter anunciado a traição de Judas e as negações de Pedro. Podemos por isso imaginar o sentimento de consternação e de tristeza que pairava sobre os discípulos. Tudo, o que tinham vivido juntos, parecia que se desmoronava ali, não só as expectativas criadas à volta de Jesus, mas igualmente as relações, a fidelidade fraternal que tinham desenvolvido.
Perante este sentimento, conhecendo o coração de cada um dos seus discípulos, Jesus vai em seu socorro, pedindo-lhes que não se deixem perturbar no coração, que não desistam de acreditar. Este pedido é contudo uma acha mais para a fogueira, pois Jesus pede-lhes que acreditem nele como acreditam em Deus. Homens habituados a acreditar num Deus único, reservado no santo dos santos do templo, como poderiam acreditar daquela maneira que lhes era pedida por Jesus?
Momento difícil para os discípulos assim como para Jesus; a desorientação é grande, e por isso a pergunta honesta e pungente de Tomé, “ se não sabemos para onde vais como podemos saber o caminho?” Que casa é essa que nos vais preparar, se tudo o que nos dissestes deitou por terra tudo o que esperávamos a acreditávamos, como é possível que nos peças que acreditemos, e acreditemos dessa forma tão violenta como é acreditar em Deus?
E é a este caos de sem sentido que Jesus responde com as palavras sobejamente conhecidas de todos nós, “ eu sou o caminho, a verdade e a vida”! Acreditai em mim, acreditai no que vivestes comigo, acreditai nas minhas obras, acreditai que eu sou a imagem e a presença do Pai na história de cada um de vós e de todos os homens. Eu Sou Aquele em que acreditais.
Este pedido de Jesus, esta oferta de um alicerce para a vida, continua a ser-nos feito e oferecido a cada um de nós; não temos outro caminho para nos encontrarmos com o rosto de Deus, para conhecer Deus. Tal como os discípulos também nós necessitamos esvaziar-nos das falsas imagens de Deus, das imagens e concepções idolátricas para nos encontrarmos com o verdadeiro Deus. Jesus continua a ser para todos os homens o verdadeiro caminho, a verdade e a vida para o encontro com Deus.
Tal como escutávamos na leitura da Epístola de São Pedro, Jesus é a pedra angular em que podemos assentar a nossa construção do conhecimento e da fidelidade à vida que Deus nos oferece. Uma vida que não é para ser vivida de uma forma angelical, num formato de amor platónico, mas é para ser vivida com tudo o que ela encerra de bom e menos bom, de graça e de pecado. Se não colocarmos a nossa vida assente na vida e na verdade de Jesus faremos mais tarde ou mais cedo a experiência do tropeço e do desmoronar, do escândalo da finitude da nossa vida.
É Jesus na sua humanidade e divinidade que nos revela a nossa mais profunda e verdadeira natureza e identidade. Nós somos a mais bela obra de Deus, e se só isso não nos bastasse já para o combate por uma vida digna, o mistério da encarnação veio revelar-nos que somos também presença e habitação de Deus, não somos apenas imagem e semelhança mas verdadeiramente presença de Deus.
A atenção de Jesus por esta realidade habitacional de Deus revela-se bastante precocemente, quando aos doze anos responde a Maria e a José que deveria estar na casa de seu Pai. Revela-se depois na sua vida pública quando frequenta as casas dos pecadores e publicanos, quando diz a Zaqueu que quer ficar em sua casa. O Filho de Deus vem habitar entre os homens, vem fazer morada nas suas casas e tendas, na sua fragilidade e na sua segurança. O Deus do segredo dos santos dos santos, da intocável arca da aliança, vem fazer habitação entre os homens, vem deleitar-se no convívio com eles como nos diz o Livro da Sabedoria.   
Esta habitação, cuja outra face da moeda é a habitação da nossa humanidade na glória divina depois da ascensão de Jesus aos céus, obriga-nos a um cuidado atento ao outro, à vida do outro. A habitação de Deus em cada homem e mulher não nos permite qualquer tipo de marginalização, de exclusão, como encontrávamos relatado nos Actos dos Apóstolos que escutámos na primeira leitura.
A habitação de Deus entre nós deve levar-nos ao acolhimento do outro, mesmo daquelas realidades que nos parecem estranhas, opostas à nossa concepção e ideias e valores. E se este acolhimento nos pode parecer difícil, exigente, temos que olhar para Jesus e com fé esforçarmo-nos, pois Ele prometeu àqueles que nele acreditassem que seriam capazes de não só fazer as suas obras mas outras ainda maiores porque Ele estava junto do Pai.
A fé em Jesus como Deus abre-nos um caminho de encontro com o outro, dispõe-nos para a verdade que o outro encerra, e faz-nos viver uma vida completamente nova, a vida divina que se encontra em cada um de nós. Nesta semana que agora iniciamos, procuremos pois estar atentos aos outros, nas suas necessidades e debilidades, mas procuremos também estar atentos à vida que vivemos, ao fundamento em que alicerçamos as nossas atitudes, prioridades, palavras e gestos.
Que procuremos verdadeiramente que Jesus seja a nossa pedra angular!
Que vivamos as nossas realidades quotidianas como um sacrifício espiritual que oferecemos a Deus pelo nosso sacerdócio santo recebido no baptismo!

 
Ilustração:
1 – “Jesus lava os pés aos discípulos”, de Palma il Giovan, San Giovanni in Bragora, Veneza.
2 – “Simão de Cirene ajuda Jesus a levar a cruz”, de Ticiano, Museu do Prado, Madrid.

1 comentário:

  1. Muito grata, pelas palavras tão profundas e ricas de sentido da Homilia do V Domingo da Páscoa.Meditação profunda,dá para toda a semana,gostei muito.Obrigada,Frei José Carlos pela sua partilha connosco.Bem-haja.
    Que o Senhor o ilumine e o proteja.Desejo-lhe uma boa semana.
    Um abraço fraterno.
    AD

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