segunda-feira, 16 de abril de 2018

Homilia do III Domingo da Páscoa Ano B

Este é o terceiro domingo da Páscoa e continuamos por isso a celebrar o grande mistério da ressurreição de Jesus, um mistério que não podemos considerar como algo do passado, um mistério que não nos diz respeito. Bem pelo contrário, o mistério da ressurreição de Jesus diz respeito a cada um de nós, envolve-nos e desafia-nos na nossa vida, no que vamos realizando e vivendo em cada dia, em cada instante.
Este desafio passa pela forma como vivemos o mistério, o mistério que nos assume integralmente, pois era mais fácil para cada um de nós pensar que Jesus ressuscitado é um espirito, um fantasma, como os próprios discípulos começaram por supor. Um espirito, um fantasma, pode amedrontar-nos, fazer-nos temer, mas não nos implica, nem se compromete connosco, não partilha a nossa realidade. Um fantasma é sempre um estranho, algo exterior a nós próprios, e o ressuscitado é alguém que conhecemos, alguém para nós, um dos nossos.
Por outro lado, podemos pensar a ressurreição como também uma ausência, um silêncio, um grande silêncio. Depois da experiência humana, Deus retira-se para o seu silêncio, para a sua eternidade, e deixa-nos a governar a nossa vida, entregues a nós próprios. E ainda que esta ideia nos possa também intimidar, é por vezes muito agradável, pois Deus é um outro, um totalmente outro, que já deixou de ter alguma coisa a ver connosco. Podemos viver assim na nossa total autonomia e liberdade.
Contudo, as experiências que os discípulos fazem do ressuscitado, e de modo particular a que nos é hoje apresentada pelo Evangelista São Lucas, é bem diferente, coloca Jesus ressuscitado no meio de nós, interagindo com cada um de nós, continuando pessoa com quem podemos conversar, partilhar, que podemos amar, porque nos continua a amar.
Este é afinal o grande desafio da ressurreição, da nossa vida de ressuscitados em Cristo e com Cristo, fazer a descoberta da sua presença na banalidade da nossa vida, nos pequenos momentos e gestos do nosso quotidiano. Essa foi a experiência que os próprios discípulos tiveram que fazer, e por isso Jesus lhes pede que o toquem, que se recordem das suas palavras, que o alimentem com uma posta de peixe.
Jesus ressuscitado está presente na memória que fazemos da sua vida entre nós, nas palavras que escutamos e nos foram transmitidas pelos Apóstolos, no pão e no vinho que se transformam no seu Corpo e Sangue pela acção do Espirito Santo, mas está também presente quando nos levantamos pela manhã e nos é oferecido um novo dia de vida, está presente quando nos sentamos à mesa e partilhamos o pão de um pequeno-almoço, no abraço de despedida do filho que deixamos à porta do colégio, no pedido do colega que espera que o ajudemos numa tarefa do serviço.
Jesus ressuscitado está presente e dialoga connosco na brisa fresca do final da tarde numa caminhada no parque, no cheiro da terra húmida, na água que nos cai sobre o corpo e cola a roupa à pele, recordando-nos o calor de um abraço, a dimensão da nossa pele que nos protege e envolve. Jesus ressuscitado está presente ao final do dia, quando o cansaço nos alcança e o corpo nos diz que necessita de repouso, quando reentramos em casa e com um abraço do filho vem o pedido de ajuda nos exercícios de matemática. Esse esforço suplementar, esse sacrifício é partilhar a vida em ressurreição, morrer para nós para o outro poder ser.
Jesus ressuscitado continua a pedir-nos uma posta de peixe, continua a pedir-nos que o alimentemos, com a nossa vida bem vivida, com a nossa fidelidade, com a nossa disponibilidade, com o nosso testemunho de vida, com o nosso amor. À samaritana Jesus pediu que lhe desse de beber, aos discípulos pediu-lhes uma posta de peixe, a nós pede-nos o testemunho, a disponibilidade para acolher o outro, para reconhecer a sua presença no outro que é carne e osso, que se alimenta e respira como nós, que ama e deseja ser amado como nós.
Muitas vezes somos tentados e pensamos que para testemunhar Jesus temos que ir para longe, fazer algo de extraordinário, ser super-homens ou supermulheres. É uma ilusão, porque mesmo aí, na radicalidade de vida e de opções, são os pequenos desafios e esforços do quotidiano que fazem a diferença. A ressurreição, que é o mesmo que dizer a santidade, faz-se de pequenas obras, de pequenas gotas de amor, que dizem ao mundo em quem acreditamos, em quem colocámos a nossa esperança, desenvolvendo em simultâneo e para a plenitude a perfeição do amor em cada um de nós.  
Que nesta terceira semana do tempo pascal estejamos atentos à presença constante de Deus nos detalhes de cada dia e saibamos ser agradecidos por tão grande dom com que fomos abençoados.

 
Ilustração:
1 – “A paz esteja convosco”, aparição de Jesus aos discípulos, de Andrey Mironov.
2 – “Os discípulos de Emaús”, pintura de Arcabas, igreja de Saint Hugues le Chartreuse, Grenoble.

5 comentários:

  1. Viver a Ressurreição nos pequenos acontecimentos... é o grande desafio que temos que viver e testemunhar. Obrigado Frei José Carlos por nos tornar bem presente esta realidade que tantas vezes afastamos da nossa vida. Inter Pars

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  2. Caro Frei José Carlos Lopes Almeida,

    Estou a escrever um artigo onde refiro a tradução latina de "Os Lusíadas", da autoria de Frei Clemente de Oliveira. O.P. e precisava de saber a data de nascimento e falecimento do tradutor. No sítio da Biblioteca Nacional indicam 1905 e 1966, respectivamente, mas a data de falecimento, obviamente, está errada, como se deduz de uma nota preliminar de Frei Raul de Almeida, O.P. na primeira edição (1983), onde se lê o seguinte: «Tradutor e patrocinador, por sugestão minha, desejam enriquecer esta edição [...] com uma policromia do retrato de Camões, de Severo Portela Jr., pertença da Academia Portuguesa de História». Ou seja, o tradutor ainda estava vivo em 1983. Aliás, a fotografia do tradutor, inserida entre as páginas XXII e XXIII da primeira edição, mostra-o claramente com uma idade superior à que teria se tivesse falecido em 1966 (61 anos). Poderá ajudar-me a desfazer este equívoco? Desde já agradecido.

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    1. Caro Gonçalo Neves
      É com muito gosto que lhe faculto as informações que necessita.
      O Padre Frei Clemente de Oliveira nasceu a 17 de Julho de 1905, fez Profissão Religiosa nos Dominicanos a 4 de Novembro de 1922, foi ordenado de Presbítero em 29 de Julho de 1928 e faleceu a 13 de Agosto de 1997. De acordo com o Catálogo da Província, pois aquando da minha entrada na Ordem já ele tinha falecido e portanto não conheci.
      Com os meus cumprimentos, os votos de bom trabalho.
      Frei José Carlos Almeida, OP

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  3. Caro Frei José Carlos Lopes Almeida,
    Fico muito agradecido pela deferência. Caso não se importe, vou referir o seu nome no estudo, como fonte da informação. Vou também comunicar os dados à Biblioteca Nacional, para que procedam à devida correcção.
    Cumprimentos.
    Gonçalo Neves

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  4. Bom dia Gonçalo
    Não me importo que faça referência ao meu nome como fonte de informação. Tem a minha autorização, face a estas novas políticas de protecção de dados.
    E fico-lhe agradecido pela comunicação dos dados biográficos à Biblioteca Nacional, será certamente útil a outros utilizadores.
    Os melhores cumprimentos
    Frei José Carlos Almeida, OP

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