domingo, 6 de maio de 2018

Homilia do VI Domingo da Páscoa Ano B

Todos sabemos como a palavra de Jesus e a sua missão representam uma boa nova, uma novidade, uma revolução, e o texto do Evangelho de São João que hoje escutámos é bastante representativo desta novidade e revolução. As palavras de Jesus são uma revolução na forma como concebemos a religião e como podemos conceber as relações entre nós.
Antes de mais, Jesus revela-nos que a religião não é uma escravatura, uma submissão cega a alguns preceitos e formulários éticos e rituais, bem pelo contrário a nossa relação com o divino é e deve ser pautada pela liberdade e pela amizade. De servos passámos a amigos, de subjugados passámos a homens livres.
Por outro lado, e numa tentativa de superar os nossos instintos mais selvagens, de supremacia para a sobrevivência, Jesus diz-nos que nos devemos amar uns aos outros, que não nos devemos reger pela lei da concorrência desenfreada mas pelo espirito da fraternidade que nasce do amor que Deus coloca no nosso coração.
Contudo, e por incrível que pareça, nós somos bastante refractários a esta novidade, a esta liberdade e amizade, preferimos que os outros pensem por nós, nos apresentem propostas e soluções, preferimos ser servos a ser homens livres, ou então colocamo-nos como donos da verdade e queremos que todos sigam as nossas ideias e propostas, passamos a ditadores sem respeito pelo outro e a sua singularidade.
A liberdade e a correspondente responsabilidade intimidam-nos uma vez que as respostas e soluções, os nossos actos passam a ser exclusivamente nossos, da nossa tutela e autonomia. E como muitas vezes cometemos erros, falhamos, é inquestionável na experiência da liberdade, e o nosso orgulho não está disposto a assumi-los, vamos vacilando e acolhendo a sujeição a outros sem maiores dramas ou questões.
Paralelamente, como o mandamento do amor também não é fácil, temos que assumir que é bastante difícil, vamos sobrevivendo através de simulações, de aproximações, que não nos satisfazem totalmente, mas nos libertam do peso de consciência da insatisfação, pois afinal fizemos alguma coisa, ou pelo menos tentámos.
Jesus colocou a fasquia muito alta, mas ao fazê-lo sabia que podíamos atingir o nível que nos estava a pedir, ou melhor, a oferecer, pois fomos criados por Deus para viver em liberdade e fraternidade, para ser colaboradores da obra divina, uma vez criados à sua imagem e semelhança. A liberdade e o amor, podemos dizer, são marcas divinas colocadas no nosso coração e às quais não podemos deixar de dar resposta, às quais somos atraídos para que se possam desenvolver de modo a atingirem a sua plenitude e perfeita integração na nossa felicidade.
Para um eficaz desenvolvimento deste processo temos que partir da expressão de São Pedro na casa de Cornélio, e que escutávamos na primeira leitura dos Acos dos Apóstolos, “também eu sou um simples homem”. É esta consciência de igualdade, nas fraquezas e limitações, nas graças e potencialidades de realização, que nos permite estar uns com os outros como amigos, em verdadeira e profunda fraternidade, em completa liberdade. Sabemos que não somos superiores, nem o outro é superior, e se alguma qualidade ou algum dom temos em particular é para ser colocado ao serviço do outro, para o seu crescimento. Os dons encerrados em nós próprios e para nossa auto-satisfação esgotam-se e morrem.  
Esta experiência da igualdade, que parte da igualdade aos olhos de Deus e do amor de Deus por cada um em particular, leva-nos a amar sem preconceitos ou expectativas, de forma gratuita e pelo gozo do próprio dom do amor. A expressão mais próxima de nós desta realidade amorosa é o amor materno, um amor único que é capaz de permitir perder-se para que o outro seja alguém na sua individualidade.
É inquestionável, pela nossa própria experiência, que esta novidade proposta por Jesus exige esforço, aplicação, um recomeçar constante. No entanto, face aos desaires, nos momentos de dúvida sobre a validade de tal esforço, não podemos deixar de ter presente aquilo que nos dizia São João na leitura da sua Carta, Deus amou-nos antes que nós o amássemos, ele precede-nos no amor, e o amor colocado no nosso coração é um dom maravilhoso da sua pessoa.
Assim, na humildade e na esperança somos convidados a viver o amor, amando-nos uns aos outros e amando a Deus, que é a fonte de todo o amor. Este amor e a busca da sua fidelidade, impede-nos de idolatrar o que quer que seja, de vivermos como escravos de quem quer que seja, deuses, ideologias, modas, pessoas. O amor torna-nos livres e leva à libertação do outro, e por isso onde não há liberdade não há amor.
Jesus revelou-nos que o nosso Deus ama-nos de tal modo que nos concede a liberdade até de o negarmos, de o abandonarmos, mas ele é fiel no seu amor e nunca nos abandona, porque a sua maior glória, poderíamos dizer o seu maior gozo, é o homem livre, vivo, pleno diante de si, espelho do seu amor e da sua liberalidade.
Saibamos com a luz do Espirito Santo sê-lo cada dia e em cada circunstância.

 
Ilustrações:
1 – “A idolatria de Salomão”, de Sebastiano Conca, Museus do Prado Madrid.
2 – “São Pedro e o Centurião Cornélio”, de Bernardo Cavallino, Galleria Nazionale d’ Arte Antica, Roma.

 

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