segunda-feira, 11 de junho de 2018

Homilia do X Domingo do Tempo Comum Ano B

As leituras que escutámos neste domingo, nomeadamente a leitura do Livro do Génesis e a leitura do Evangelho de São Marcos, são conhecidas de todos nós, as questões que abordam já de alguma maneira nos interpelaram e nos deixaram a pensar. Conhecemos e reconhecemos o encontro de Deus com o homem e a mulher depois de terem cometido o pecado, e conhecemos e reconhecemos igualmente a história em que Jesus parece dirigir-se de uma forma menos educada a sua mãe.
Contudo, não podemos deixar de explorar outros elementos presentes nestes textos, elementos e realidades que nos dizem respeito e que vamos experimentando mais ou menos frequentemente no nosso dia-a-dia, no nosso convívio humano.
Neste sentido é bom que olhemos para as circunstâncias em que Maria vem com o resto da família ao encontro de Jesus. Aos ouvidos da família tinham chegado um conjunto de notícias pouco abonatórias sobre Jesus, um conjunto de difamações, e por isso a família o procura para o tentar reconduzir à tranquilidade do seu meio original.
Estas difamações afectam a dignidade de Jesus, a verdade da sua missão, mas elas são fruto de uma outra realidade, de um outro pecado, que é a inveja. Um pecado tão grave que é o único que se apresenta expresso nos mandamentos da lei de Moisés, quando se proíbe cobiçar as coisas do outro, os bens e animais do outro, a mulher do outro.
A inveja é o pecado que nasce dos olhos, daquilo que se vê, e a inveja dos fariseus e escribas relativamente a Jesus nasce do que lhes é possibilitado ver, das multidões que acorrem para o ouvir, para serem curadas por ele, que buscam uma mudança de vida junto dele. Cegos pela sua paixão e pelo seu egoísmo, não são capazes de ver o bem que se produz; e a partir desta incapacidade geram a difamação, expõem o outro de um forma completamente estranha ao seu próprio ser e natureza.
Como veremos mais tarde, com o processo de condenação de Jesus, a satisfação da inveja destes escribas e homens da lei será a eliminação total do outro, não por qualquer mal que tenha feito, não porque lucrem alguma coisa com isso, mas apenas porque o outro os coloca em questão nas suas forças brutais e na sua fome de satisfação.
Este processo desenvolve-se no entanto em cada um de nós, desde o momento do nascimento, como nos diz a psicologia, mais ou menos acentuado, mais ou menos virulento de acordo com a satisfação que vamos tendo connosco próprios, poderíamos dizer na medida em que temos uma boa auto-estima, em que apreciamos e valorizamos o que somos e o que temos.
A inveja não nos permite apreciar verdadeiramente o que somos e temos, os dons que Deus nos concede, e por isso é um atentado à graça e amor divinos, uma injustiça e ingratidão face a Deus. Por outro lado, a inveja também não nos permite apreciar verdadeiramente o outro e as suas qualidades, não nos permite perceber como são para nós uma riqueza, um dom, que devemos valorizar e procurar usufruir. O outro enriquece-me e valoriza-me com o que tem e como é na sua individualidade. Seremos nós capazes de acolher e apreciar o outro?
São Tomás de Aquino apresenta como remédio para a inveja a caridade, pois só a caridade nos permite sair de nós próprios e ir ao encontro do outro, de valorizar o que temos, pois sabemos que só temos cinco pães e dois peixes, como aconteceu com os discípulos no milagre da multiplicação dos pães, mas é com esse pouco que Deus conta para nos saciar a todos, para aprendermos a valorizar o que temos e somos. É pouco, mas é importante, é único, é o necessário para fazer alguma coisa.
A caridade permite-nos também evitar o outro pecado que nos é apresentado na primeira leitura do Livro do Génesis, o pecado da desresponsabilização e da culpabilização do outro. Quando Adão atira as culpas do sucedido para Eva, está a fugir à sua responsabilidade, à capacidade que tinha de dizer não, de fazer de forma diferente, mas está a cometer um pecado muito mais grave na medida em que implica também Deus no sucedido. Foi a mulher que tu me destes que fez com que eu comesse.
Assim, quando não assumimos as nossas responsabilidades, e atiramos com as culpas para os outros, estamos a culpabilizar Deus, estamos a responsabilizar Deus pelo mal sucedido, reservando para nós uma superioridade e uma isenção que não nos pertence, uma vez que somos seres finitos, limitados e por esse mesmo facto passiveis de erro, de falha, de uma incapacidade de fazer bem feito.
A experiência da caridade permite-nos assumir as nossas fraquezas e falhas, os nossos erros, porque a caridade não oculta as debilidades, bem pelo contrário acolhe-as, porque é a partir dessas debilidades e limitações, dos erros cometidos, que se pode perceber a força da graça, a luz e a vida de Deus a actuar nas malhas da nossa existência limitada e finita.
Por esta razão, a leitura da Carta de São Paulo aos Coríntios nos apresentava a urgência e a necessidade de não olharmos para as coisas visíveis, mas de colocarmos os nossos olhos nas invisíveis, naquelas realidades que estão para além do nosso horizonte existencial. Porque se ficarmos apenas no que nos é visível soçobraremos nas nossas intenções, nos nossos projectos, na nossa finitude. O desânimo apoderar-se-á de nós, porque apenas fazemos a experiência da ruina e da tenda que se desfaz em pó da terra.
Assim, torna-se urgente olhar os outros com amor, falar dos outros com amor, olharmo-nos e reconhecermo-nos com amor, pois só devidamente amados e amantes seremos capazes de vencer o ciúme e a inveja, a maledicência e a calúnia, seremos capazes de nos responsabilizarmos pelos nossos erros e de não culparmos os outros, de acolhermos o outro na sua fragilidade e falha que é tanto dele como nossa. Só o amor nos permite a renovação diária, que nos aproxima da santidade.

 
Ilustração:
1 – Encontro de Jesus e sua mãe antes da paixão, de El Greco, Art Institut de Chicago.
2 – A Caridade, de Abbott Handerson Thayer, Smithsonian Institut?

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