Queridos irmãos
Estamos a celebrar a Festa do Baptismo
do Senhor e com esta festa damos por encerrado o Tempo do Natal e iniciamos o
Tempo Comum. Após contemplarmos os acontecimentos centrais do mistério da Encarnação
do Filho de Deus entramos na contemplação dos acontecimentos da vida pública de
Jesus.
Ao celebrarmos a Festa do Baptismo de
Jesus é interessante notar que os quatro evangelistas fazem menção deste
acontecimento, manifestando assim a sua importância na narração da vida de
Jesus, a sua historicidade, que como em outros acontecimentos os Evangelhos não
têm pudor em apresentar.
E este pudor, que poderia tomar conta
dos evangelistas, prende-se com a necessidade que Jesus tinha do baptismo que
recebeu no rio Jordão das mãos de João. Olhando para o que nos é apresentado, para
o que os Evangelhos nos dizem de Jesus, temos de assumir que este baptismo era
perfeitamente dispensável. No entanto, e como Jesus responde a João, é necessário
que assim se cumpra para uma compreensão posterior.
O baptismo de João era um baptismo de
penitência, e podemos perguntar-nos que necessidade Jesus tinha de penitência,
ele que não tinha pecado. O baptismo de João era em ordem à conversão, e também
nos podemos perguntar que mudança podia Jesus viver. O baptismo de João era um
acto externo, um sinal, mas como nos diz o Evangelho o verdadeiro baptismo é o
realizado pelo Espírito, aquele que Jesus vai confiar aos seus discípulos. Por fim,
e ainda que se manifeste o amor do Pai pelo seu Filho, através da voz, podemos
questionar-nos se Jesus não tinha já essa consciência do amor do Pai, ele que
como Filho partilhava da sua intimidade.
Desta forma, o baptismo a que Jesus
se submete no rio Jordão e às mãos do seu primo João é um sinal, uma
manifestação da sua encarnação, da humildade com que assume a debilidade e a
fragilidade da natureza humana. O baptismo no próprio rio Jordão, um rio que
geograficamente se situa abaixo do nível do mar, manifesta essa kenose do Filho
de Deus, esse abaixamento à nossa mais miserável condição.
Mas o baptismo de Jesus não é apenas
essa manifestação pessoal, é igualmente um apelo e uma convocatória a
percebermos o nosso próprio baptismo, o baptismo que recebemos no Espírito
Santo, que nos mergulha na paixão e morte de Jesus e nos eleva na sua
ressurreição, que faz de nós filhos amados de Deus, e como Jesus chamados e
enviados a realizar uma missão, a partilhar a grande obra da criação e da nossa
redenção de que somos beneficiados e cooperantes.
E neste sentido, nesta missão a que
somos convocados, é importante no contexto em que nos encontramos de uma
pandemia, de uma grande incerteza face aos próximos tempos, olharmos duas
tarefas que são apontadas pelo profeta Isaías na primeira leitura.
A primeira delas é a de não sermos
daqueles que quebram a cana fendida ou apagam a torcida que ainda fumega, mas
bem pelo contrário, e como ainda nos recordava o Papa Francisco nas suas
mensagens de Natal e Ano Novo, a de sermos cuidadores uns dos outros e de modo
particular dos mais fracos, dos que estão quebrados, dos que já perderam o
alento. Como baptizados, e nestes tempos nossos tão estranhos, somos convocados
a ser homens e mulheres de esperança, de atenção, vigilantes, cuidadores com
ternura e sensibilidade, percebendo na fraqueza do outro uma oportunidade para partilharmos
o amor com que Deus nos ama.
A outra tarefa que o profeta Isaías
também nos apresenta, podemos dizer que ao contrário da primeira que se prende
com a caridade esta é uma tarefa de fé, é a tarefa de não desfalecer nem desistir,
de confiar e permanecer, e como nos dizia o profeta, até se estabelecer a
justiça. Face a tantas dificuldades, problemas, a tanta instabilidade e incerteza,
podemos cair na tentação de baixar os braços, de deixar de ir à luta, afinal
não sabemos para onde vamos, como podemos caminhar, para quê lutar?
Como baptizados, temos de assumir a
nossa fé e confiança que Deus caminha connosco, e mais, que Jesus Cristo vai à
nossa frente, que ele não nos abandona nem deixa de nos conceder a força e a
luz para podermos continuar em frente. Como aconteceu com ele, o caminho pode
às vezes ser sinuoso, tanto nos pode levar ao deserto, como nos pode obrigar a
ir mais ao largo para não cairmos das mãos dos inimigos, pode conduzir-nos a um
gesto de profunda humildade como confiar-nos nas mãos daqueles que se
reconhecem incapazes e indignos, mas se o fizermos em intima união com o Pai
certamente experimentaremos a manifestação da mesma luz e do mesmo amor que Jesus
experimentou no baptismo, “em ti ponho toda a minha complacência”, em ti me realizo
com alegria e glória.
Nesta semana que vamos iniciar, e que
nos vão trazer desafios duros, que vão exigir a nossa responsabilidade,
firmeza, perseverança, que os procuremos enfrentar com confiança, com lucidez,
sem temor, porque no baptismo do Espírito que recebemos fomos mergulhados na
morte e com Jesus dela saímos vitoriosos, e se acreditarmos e nos apoiarmos mutuamente
venceremos também esta batalha com a graça de Deus.
Que o Senhor seja a fortaleza do nosso refúgio e a força do nosso combate.
Ilustração:
1 – Baptismo de Jesus, de S. G. Rudl, fresco na igreja Svatého Vaclava, Praga.
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