Queridos Irmãos
Estamos a celebrar a Solenidade da
Epifania do Senhor, mais popularmente conhecida como Festa dos Reis, pois são
estes personagens as figuras em destaque nesta passagem do Evangelho de São Mateus
que acabámos de escutar.
Festa e mistério que não podemos deixar
de associar a uma outra, ao Pentecostes, pois ambas desenvolvem essa ideia dinâmica
de um acolhimento geral por parte de todos os povos da Boa Nova de Jesus, da
própria pessoa de Jesus. Os Magos vindos do oriente, à luz da profecia que
escutámos na leitura do profeta Isaías, representam os mais diversos povos que
buscam o Senhor e no grande acontecimento do Pentecostes vemos como os
apóstolos são capazes de ser entendidos em todas as línguas. Estamos assim
diante da dimensão católica da Igreja.
Contudo, quando olhamos para estes dois
mil anos de história do cristianismo, quando olhamos para os milhares de homens
e mulheres que entregaram a sua vida ao anúncio da Boa Nova de Jesus junto dos
povos pagãos, é inevitável que nos interroguemos sobre o que aconteceu e
acontece para que os mais diversos povos não tenham ainda acolhido esta Boa
Nova. E assim, da decepção face à expectativa quantitativa podemos ser tentados
por uma decepção qualitativa. A verdade de Jesus Cristo é afinal mais uma oferta,
existem em outros povos e outras culturas ofertas igualmente válidas.
E, porque esta tentação está à nossa
porta, o Segundo Concílio do Vaticano nos documentos que abordam a relação com
as outras religiões e com a missão da Igreja frisou com clareza a necessidade de
estar atentos ao que de bom existe nelas, mas de não deixarmos de apresentar a
verdade de Jesus Cristo. E porque o multiculturalismo cresceu nas últimas
décadas do século vinte, o Papa João Paulo II, ao abrir o novo milénio, voltou
a sublinhar com veemência a necessidade de não cairmos no relativismo, de não
abdicarmos da verdade da salvação que nos foi oferecida em Jesus Cristo.
Face a esta realidade, e múltipla oferta,
temos de assumir que os homens vivem sob o mesmo céu, buscam a mesma verdade,
mas cada um tem a sua busca própria, tem a sua visão do mesmo céu, e que nesta
busca muitas vezes os interesses mesquinhos, o orgulho, o egoísmo e o espírito
de superioridade enviesam a busca dessa verdade. Por isso a Igreja no Concilio
apela a que não se perca o que há de bom.
O relato do encontro dos Magos em
Jerusalém com o rei Herodes é mais um dos muitos relatos que podemos encontrar
na história da humanidade desse desencontro de buscas, dessa manipulação por
interesses mesquinhos, ou por medo. O rei de Jerusalém face à visita daqueles
homens vindos de longe em busca de um menino, promove a sua própria busca,
encontra-se e confronta-se com o que é anunciado nas escrituras e que os príncipes
dos sacerdotes e escribas do povo lhe apresentam, mas encerra-se na verdade do
seu poder e da sua segurança, impõe-se a negação do prosseguimento da busca e o
encontro da verdade, ou melhor, incentiva-a nos outros para poder apoderar-se
dela e destruí-la.
É interessante notar que, após este
encontro frustrante em Jerusalém, a estrela que tinha guiado os Magos desde o
oriente volta a aparecer e conduz a busca até ao local certo onde se encontra o
rei menino. É um sinal, um incentivo que também cada um de nós não pode
desistir da sua procura da verdade, que não nos podemos deixar distrair nem
intimidar por aqueles que não buscam a verdade como nós, que pelo medo ou pelo
orgulho também não querem que busquemos a verdade. Se nos deixarmos guiar pela
estrela, pela luz, pela sede como diz São João da Cruz, esta mesma sede e luz
nos conduzirão à sua fonte, à verdade plena.
No contexto actual em que vivemos, numa
cultura líquida, em que nos é dito que não existe uma verdade, na qual o valor
das palavras é cada vez mais difuso, menos claro, é importante esta busca, o sentido
de que devemos buscar responsavelmente a verdade. A dignidade da vida, o
cuidado e o respeito pelo corpo, a consciência da necessidade do outro, que
Jesus nos revelou no mistério da sua encarnação são demasiado importantes para abdicarmos
de continuar a colocá-los encima da mesa de trabalho da verdade a que todos
aspiramos.
E nesta busca, neste trabalho comum, é
de registar algo que nos pode iluminar, e que podemos encontrar nas
representações iconográficas dos Reis Magos, e que certamente nem notamos
quando os olhamos, de tão habituados que estamos. Se olharmos atentamente vemos
que os três reis têm idades diferentes, há um mais jovem, que habitualmente oferece
o incenso, o de média idade, que oferece o ouro, e o mais idoso que oferece a
mirra.
Sabemos que cada uma destas ofertas se
dirigem à natureza de Jesus Cristo, verdadeiro Deus, verdadeiro homem e
verdadeiro senhor e rei. Contudo, já nem todos sabemos que estas ofertas
representam também as diversas fases da vida do homem, o que cada um de nós
pode oferecer a Deus.
E se para o mais idoso é fácil
associarmos a mirra à experiência da vida, à sabedoria adquirida na experiência
da finitude e da fragilidade, já não é tão fácil assim com o Mago da média
idade que oferece o ouro e o jovem que oferece o incenso. O ouro da meia idade
representa as obras bem feitas, poderíamos dizer o brio do bem feito, os
tesouros que acumulamos no céu com as nossas obras de misericórdia. O incenso
do jovem Rei Mago representa a busca do sentido da vida, a busca da sabedoria,
o divino que existe em cada homem e que anseia a sua plenitude.
Os Reis Magos são assim a manifestação
dos diversos povos chamados a acolher o Filho de Deus, mas representam igualmente
as diversas fases da busca da verdade de cada homem, representam cada um de nós
no que desejamos oferecer a Deus de verdade, apesar das dificuldades e dos
contratempos da mentira, conscientes de que pertencemos ao mesmo corpo e somos
herdeiros da mesma herança divina como nos dizia São Paulo na leitura da Carta
aos Efésios.
Ilustração:
1 – A Adoração dos Reis Magos, de Luca Signorelli, Yale University Art Gallery.
Sem comentários:
Enviar um comentário