Queridos irmãos
Uma vez mais encontramos
Jesus a norte do território de Israel, uma zona de confluência de povos,
culturas e religiões; e uma vez mais em caminho, como se não tivesse um lugar
onde reclinar a cabeça e o procurasse.
E é neste caminho, neste
processo constante de mudança, que Jesus coloca a questão sobre a sua pessoa, do
reconhecimento da sua identidade, porque afinal é num processo em
desenvolvimento, é sempre a caminho, que se colocam as questões fundamentais e
se encontram as respostas.
Esta itinerância da vida
de Jesus é para nós um exemplo e um incentivo a não perder de vista esta
necessidade de nos pormos e nos encontrarmos em caminho, porque o sedentarismo
e o fixismo acarretam consigo algo de mortal. Sabemos pela medicina como o
sedentarismo físico conduz a doenças graves e mortais. O sedentarismo espiritual
provoca o mesmo. E se para combater o sedentarismo necessitamos mover-nos,
praticar desporto, para o sedentarismo espiritual necessitamos dispor-nos à dinâmica
da conversão.
E é desta dinâmica que a
leitura do Evangelho de hoje de São Marcos nos dá um bom exemplo, na medida em
que apresenta algumas ideias que são populares sobre a pessoa de Jesus, a noção
que Pedro tem e apresenta mais ou menos como porta-voz do grupo dos apóstolos,
e a verdade que Jesus revela e entra em confronto com o que foi apresentado.
Quando Jesus pergunta aos
apóstolos o que a multidão diz dele, não está interessado num resultado de uma
sondagem de popularidade, mas podemos dizer que procura definir a base a partir
da qual pode avançar para a revelação da sua verdadeira identidade.
Quando pergunta a Pedro e
este responde que Jesus é o Messias, dá um passo mais no sentido da verdade
dessa identidade, mas porque a afirmação de Pedro pode conduzir a compromissos ambíguos,
Jesus imediatamente proíbe que seja revelado a outros o que tinha sido proclamado
pela boca de Pedro. Este cuidado de Jesus prende-se com a imagem e expectativas
gerais do Messias, uma imagem monárquica, revolucionária, uma espécie de
substituto de César.
Quantas vezes tal não acontece
connosco e na nossa relação com Deus; procuramos um Deus, um Jesus que nos
satisfaça, que responda às nossas expectativas, que nos conforte nas nossas
frustrações e desaires, como um analgésico ou um multivitamínico que nos alivia
as dores ou colmata as carências vitamínicas.
Mas a verdade da
identidade de Jesus, da sua condição de ungido e enviado por Deus Pai, é bastante
diferente, uma identidade que se manifesta em processo, em caminho, em encontro
e despojamento, e que apenas se revelará na sua total verdade em Jerusalém. E Jesus
anuncia e prepara os discípulos para tal, ainda que seja um estrangeiro, um
pagão centurião romano que irá proclamar que aquele supliciado na cruz é “verdadeiramente
filho de Deus”.
É no desastre total, no
aniquilamento total, que acontece a revelação plena da pessoa e identidade de
Jesus, quando entrega a sua vida por amor, porque não são os outros que lha
tiram, mas é ele que a dá, de forma soberana e plena.
Face a este mistério da
revelação da pessoa de Jesus, da sua verdade, também nós somos confrontados com
os espaços e os modos de revelação da verdade de nós próprios e das nossas
vidas e compromissos. É no despojamento das expectativas, das falsas imagens e
das máscaras, que nos encontramos verdadeiramente uns com os outros no que
verdadeiramente somos. A verdade da nossa identidade e pessoa passa
inevitavelmente pela cruz na qual nos encontramos uns com os outros.
Quanto nos falta
descobrir e desvelar de nós próprios e dos nossos irmãos nos encontros e
desencontros da vida, e quanto nos falta encontrar da pessoa de Jesus nos
nossos irmãos para podermos dizer por nós próprios quem ele é para nós.
E neste sentido não
podemos passar ao lado das palavras de São Tiago, que nos confrontam com a
necessidade de equilibrarmos a nossa fé com as obras e as nossas obras com a
fé. Uma e outras estão profundamente ligadas, na medida em que a fé nos faz
descobrir a presença de Cristo nos irmãos, com as suas misérias e fragilidades,
que tantas vezes são espelhos das nossas, e com os irmãos descobrimos a
presença amorosa de Deus que vem ao encontro das nossas mesmas fragilidades e
misérias com a sua misericórdia.
É neste acolhimento mútuo,
num caminhar conjunto de descoberta e desvelamento, que somos capazes de dizer
quem é o ungido de Deus, o nosso Messias Jesus, numa resposta pessoal e única,
numa resposta que não deixa de estar em construção e desenvolvimento constante
até vermos Deus face a face.
Ilustração:
Jesus conversa com os
seus discípulos, de James Tissot, Brooklyn Museum, Nova York.
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