domingo, 10 de outubro de 2021

Homilia do XXVIII Domingo do Tempo Comum - Ano B

Caros irmãos

Há umas semanas atrás, alguns dos nossos irmãos sorriram, enquanto outros ficaram perplexos, quando falei do boxe e das suas técnicas ao comentar uma leitura do mesmo Evangelho de São Marcos que hoje escutámos. Certamente acontecerá o mesmo hoje, ao querer falar-vos de salto em altura e salto à vara, modalidades do atletismo, face a este trecho do Evangelho tantas vezes utilizado para o questionamento e discernimento vocacional.

Certamente já todos vimos e alguns até praticaram o salto em altura, em que corremos para ganhar impulso, elevamos o corpo numa determinada inclinação de modo a ultrapassar a fasquia. Contamos connosco próprios, com o nosso corpo, com o nosso esforço, a técnica aprendida e bem utilizada.

O homem que se apresenta diante de Jesus é um atleta, como dirá São Paulo, todos corremos para ganhar o prémio; e este homem atleta deseja saltar mais alto, ultrapassar uma fasquia que sabe bem elevada, a vida eterna, e para isso veio pedir ajuda, instrução junto de Jesus.

Surpreendentemente Jesus diz-lhe que tem que mudar de modalidade, de exercício, tem que deixar de saltar em altura e passar a saltar à vara e mais surpreendentemente diz-lhe que essa vara são os homens e mulheres seus irmãos, a vara que o impulsionará para ultrapassar a fasquia bem elevada.

No enunciado que Jesus apresenta ao homem desejoso de prémios encontram-se os mandamentos que dizem respeito ao cuidado do outro, à relação com o outro, como o não matar, não levantar falso testemunho, honrar pai e mãe, realidades tantas vezes frágeis e desafiantes.

O homem atleta pratica já estas técnicas, e desde bem cedo, desde a sua juventude e, no entanto, a fasquia continua alta e aparentemente inacessível. Verdadeiramente há algo que lhe falta, e que Jesus lhe vai apresentar como segredo para a realização do seu objectivo.

Acredito que já todos vimos alguma vez um atleta praticar o salto à vara, e acredito também que todos ficamos surpreendidos como a vara se verga ao peso do atleta e não quebra, e como o impulsiona para o salto final que o leva a ultrapassar a fasquia. É quando parece que a vara se vai partir que o atleta coloca a maior confiança, se deixa levar pelas forças que lhe são externas.

E é disto que Jesus fala ao homem rico que deseja a vida eterna ao dizer-lhe que venda tudo, dê aos pobres e o siga, ou seja, que mais que levar os outros consigo, que ter cumprido escrupulosamente os mandamentos, se deixe levar pelos outros num despojamento total, numa entrega confiante, no risco da fragilidade em que parece que o apoio se vai quebrar.

A este homem que deseja a vida eterna Jesus não apresenta preceitos ou mandamentos novos, mas apresenta os homens e as mulheres, com as sua fragilidades e virtudes e a confiança depositada em cada um deles, como o meio para alcançar os objectivos e ultrapassar a fasquia mais elevada.

Face à incompreensão da proposta por parte do homem rico, Jesus afirma a grande dificuldade de um rico entrar no reino de Deus, não como uma sentença fatalista contra a riqueza ou o património, mas como um alerta necessário e condutor ao despojamento, à liberalidade, à confiança em Deus e nos irmãos.  

Numa cultura em que a riqueza e os filhos eram considerados como bênção de Deus, Jesus inverte a relação de forças e diz que a bênção é verdadeiramente a liberdade de não possuir, de acolher as coisas como se não fossem suas, assumindo desta forma as palavras do livro da Sabedoria que escutámos na primeira leitura na qual nos é dito que todos os bens e riquezas nos chegam pela mão da sabedoria, por esse despojamento e esvaziamento para que Deus possa estar presente.

É um processo verdadeiramente difícil, mas que não podemos deixar de tentar praticar, como qualquer atleta que se sujeita aos treinos e disciplina, que procura superar-se a si mesmo, para alcançar os mais altos prémios. Nesta preparação e treino, a leitura e compreensão da Palavra de Deus é fundamental, pois como nos diz a Epístola aos Hebreus, a palavra é penetrante, viva e eficaz, capaz de ir até aos pontos mais íntimos para nos revelar a graça de Deus nas nossas vidas.

Então perceberemos as riquezas que nos são concedidas, os irmãos e pais que deixámos e nos foram devolvidos, as riquezas que possuímos sem que elas nos possuam, porque vivemos na liberdade da confiança em Deus. Deixámos tudo por Jesus, mas nele tudo nos foi devolvido com outra dimensão, numa relação de liberdade.

 

Ilustração:

Salto à vara de Théo Mancheron, Campeonato de Atletismo de França, Stade Charlety, Paris, 2013. Wikimedia Commons.

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