A leitura do Evangelho
deste domingo coloca diante de nós uma realidade, poderíamos dizer um desafio
tentador, que nos cerca por todos os lados, e que à luz das palavras de Jesus
adquire uma dupla face, que muitas vezes nos deixa sem saber onde nos situarmos.
Freud nas suas reflexões
e investigações defendeu que é a pulsão sexual a paixão mais elementar do homem,
o motor que coloca o homem em movimento e o conduz quer às realizações mais
sublimes quer aos actos mais vis. Pelo contrário, o psicanalista Adler afirmou
que a grande paixão que move o homem é a paixão do poder, a vontade do domínio.
A passagem do
Evangelho que escutámos faz-se eco desta pulsão, desta vontade de poder e
domínio do homem, e por isso não nos pode estranhar nem escandalizar quer o
pedido de Tiago e João quer os ciúmes dos outros do grupo dos Apóstolos, que
diante de tal pedido se indignaram. Afinal uns e outros aspiravam ao mesmo
poder, ao mesmo domínio.
Também não nos pode
indignar, nem escandalizar, a vontade de poder e domínio que habita em cada um
de nós, afinal desde o primeiro momento da criação foi confiado ao homem por
Deus essa missão de domínio. Deus ordenou ao homem que crescesse e dominasse
sobre os peixes do mar e sobre os animais da terra.
O domínio da criação,
de que a ciência é o instrumento mais adequado, exclui contudo o domínio do semelhante,
um domínio que não foi confiado ao homem, pois apenas a Deus pertence. Jesus
recorda aos discípulos esta verdade elementar ao recordar-lhes que os grandes
do mundo exercem o seu poder dominando sobre os outros, mas que entre eles não
deve ser assim.
Com estas palavras
Jesus coloca a pulsão do poder e do domínio no seu verdadeiro lugar, reintegra-a
no projecto criador de Deus, ao mesmo tempo que a ilumina à luz desse mesmo
projecto. Tal como o mandamento de dominar a obra da criação é uma forma de continuar
essa mesma obra divina, o poder e o domínio que o homem pode ter sobre o outro
não pode ser senão para o desenvolvimento do outro para a plenitude que lhe
está destinada.
O domínio transforma-se
desta maneira em serviço, em entrega de vida, em disponibilidade, em disposição
para que o outro seja em lugar de mim, para que o outro tenha até o que eu não
tenho. Jesus, Filho de Deus, assumiu de forma inequívoca esta realização, esta
forma de poder e domínio e por isso tomando sobre si as iniquidades de todos os
homens, tal como o servo da leitura do profeta Isaías, pôde justificar a muitos
e reconduzi-los à luz verdadeira, à glória divina.
Este é o desafio que
Jesus confia aos discípulos, um desafio que não deixa jamais de ter os seus
alicerces na liberdade, pois só na liberdade podemos verdadeiramente
comprometermo-nos com o outro e a sua realização e felicidade. E neste sentido,
o acontecimento que Marcos nos relata é paradigmático, pois mostra-nos como
Jesus fez tudo o que pôde para que os discípulos compreendessem a sua missão
mas nunca agiu sobre a liberdade de cada um deles. O desfasamento entre a realidade
e as expectativas dos discípulos, que os Evangelhos nos apresentam, mostram-nos
como Deus respeita verdadeiramente a autonomia e a liberdade de cada um no
acolhimento da sua verdade.
O desejo de poder e
domínio, e a sua realização, joga-se assim na nossa liberdade, nessa liberdade
que Deus nos deixa de optar servir a obra da criação e a plena realização do
outro, ou pelo contrário de nos servirmos dela e dos outros para a nossa exclusiva
satisfação.
Não podemos assim
deixar de nos situar, de tomar consciência das tentações que se nos apresentam,
mas igualmente de ter confiança na Palavra, e de permanecer firmes na profissão
da nossa fé e no serviço que nos propomos para a felicidade do outro.
“O primeiro será o último”, Aguarela de James Tissot, Brooklyn Museum.
Lisboa, 18 de Outubro de 2015
ResponderEliminarCaro Frei José Carlos,
A temática do Evangelho deste domingo e o texto da Homilia que teceu leva-nos à reflexão do que move o Homem, levando-o à realização do bem e aos actos mais vis, hediondos que a Humanidade e tudo o que a rodeia tem sido alvo. É uma temática intemporal, assumindo evoluções e contornos diferentes, ao longo da História, e, independentemente, das teorias que a abordam para a sua explicação/comportamento, o que é importante, é a forma como o homem a manifesta, na ambição pelo poder, pelo domínio da natureza, do outro, ao serviço do interesse pessoal ou de qualquer ideologia, sem olhar aos meios para atingir os fins.
Como nos afirma no texto, se...” A passagem do Evangelho que escutámos faz-se eco desta pulsão, desta vontade de poder e domínio do homem (...) Também não nos pode indignar, nem escandalizar, a vontade de poder e domínio que habita em cada um de nós, afinal desde o primeiro momento da criação foi confiado ao homem por Deus essa missão de domínio.”...
Porém, como Jesus lembrou o domínio sobre o seu semelhante está excluído e só a Deus pertence e, passo a citá-lo ...” Jesus recorda aos discípulos esta verdade elementar ao recordar-lhes que os grandes do mundo exercem o seu poder dominando sobre os outros, mas que entre eles não deve ser assim.”... Esta é a grande verdade que deve guiar o homem em todas as dimensões da vida para que qualquer forma de poder seja serviço e não despotismo iluminado, e passo a transcrevê-lo ...” o poder e o domínio que o homem pode ter sobre o outro não pode ser senão para o desenvolvimento do outro para a plenitude que lhe está destinada”. ...
Obrigada, Frei José Carlos, por esta profunda Homilia, oportuna, quando vivemos a diferentes níveis, momentos de grande complexidade, de grande demagogia, a necessidade da tomada de decisões, comportamentos de cada um de nós, que requerem serenidade, discernimento, humildade, e, por salientar-nos que...” O desejo de poder e domínio, e a sua realização, joga-se assim na nossa liberdade, nessa liberdade que Deus nos deixa de optar servir a obra da criação e a plena realização do outro, ou pelo contrário de nos servirmos dela e dos outros para a nossa exclusiva satisfação.”
Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Um abraço mui fraterno,
Maria José Silva
Frei José Carlos,
ResponderEliminarMuito grata , pela maravilhosa e bela partilha da Homilia do XXIX Domingo do Tempo Comum.Fiquei maravilhada com a beleza desta Metitação,tão profunda , esclarecedora para nossa reflexão.Toca em muitos pontos importantes do nosso dia a dia.Obrigada,Frei José Carlos,por ter partilhado connosco esta riqueza.Gostei muito. Bem - haja.Desejo-lhe um bom fim de semana e um bom descanso.Que o Senhor o ajude o ilumine e o abençoe.
AD