Celebramos a
Solenidade de Todos os Santos, fazemos memória e prestamos honra a todos os
santos, àqueles que são conhecidos e ocupam um lugar no calendário, àqueles que
foram objecto de uma declaração formal da Igreja ou da devoção de um povo, e
também àqueles que passaram pelo mundo sem reconhecimento, santos do anonimato,
mas que não deixaram de viver o projecto de santidade de Deus.
Projecto que nos
alcança a todos, no qual todos estamos integrados, e por essa razão podemos
dizer que hoje nos festejamos a nós próprios, que esta é a nossa festa, pois
tendo sido chamados à santidade vivemos na prossecução dessa realidade, vivemos
o dom que Deus nos concede nas nossas limitações e fragilidades mas sempre com
o horizonte da plenitude que se encontra no próprio Deus.
Na celebração do
baptismo, depois da unção com o óleo do crisma, o sacerdote chama a atenção do
neófito e da sua família para a veste branca que é símbolo da dignidade cristã
e convida o baptizado a conservá-la imaculada até à eternidade com a ajuda da família.
Desde o baptismo passamos assim a fazer parte dessa numerosa assembleia que o
Apocalipse nos apresenta diante do Cordeiro, e a veste mais ou menos brancas,
mais ou menos imaculada, é o resultado do acolhimento e da resposta a esta
dignidade.
A leitura da Primeira
Carta de São João que escutámos elucida-nos sobre esta dignidade, que não é um
atributo externo, uma condecoração por bom comportamento, mas uma natureza, uma
identidade, que resulta do amor admirável de Deus, amor esse que nos chama e
quer como filhos. Somos filhos de Deus, poderíamos dizer que somos deuses, mas
tal só se verifica e realiza na medida em que acolhemos a mesma divinidade que
nos identifica.
A santidade é assim um
dom que Deus faz a cada um de nós, uma oferta, uma oportunidade de nos irmos
transformando naquele que se nos oferece, e por isso o mesmo São João nos diz
no texto da Carta que lemos que necessitamos de nos ir purificando para ser
puros como o verdadeiramente santo é puro. A transfiguração de Jesus no monte Tabor
deixa-nos uma imagem do desenvolvimento do processo, pois também ali a
divindade de Jesus é comunicada pela brancura das suas vestes.
A transformação, ou
transfiguração, que a santidade exige de nós aparece expressa nas
Bem-Aventuranças que Jesus apresenta aos discípulos e escutámos no Evangelho de
São Mateus que foi lido. Necessitamos modificar a nossa vida, perceber como a
felicidade e a verdadeira realização não se alcançam com muito ter ou muito
poder, mas pelo contrário com um despojamento, um esvaziamento, um empobrecimento
que possibilita a absorção do dom da santidade, se assim se pode falar.
E se ao olharmos as
Bem-Aventuranças formos tentados a pensar que elas são difíceis, que estão
dirigidas a apenas alguns eleitos, temos que assumir antes de mais que Jesus as
viveu na sua própria carne antes de as apresentar e propor aos discípulos, portanto
elas estão humanizadas, e que depois muitos homens e mulheres também as
procuraram viver na simplicidade da sua condição, nas limitações da sua
fragilidade humana.
A vida dos santos, alicerçada
neste projecto das Bem-Aventuranças, não os torna pessoas irrepreensíveis,
super-homens impecáveis, bem pelo contrário fá-los tomar consciência das suas
limitações e fragilidades, das suas infidelidades, e a partir delas a perceber
como o amor e a graça de Deus actua no sentido da verdade e felicidade eterna
da pessoa.
Se o fariseu se
aproximou do altar de Deus considerando-se o melhor, como tendo feito tudo de
modo perfeito e de acordo com a lei, o publicano pelo contrário aproximou-se
pecador e suplicante, como o mais miserável dos homens. Contudo, foi o publicano
pecador que regressou justificado a casa, cheio do amor de Deus, ao contrário
do fariseu que regressou cheio do seu orgulho e portanto vazio de Deus e da sua
santidade.
Que ao celebrarmos os
santos, ao glorificarmos estes filhos ilustres da Igreja e as suas vidas cheias
da acção de Deus, compreendamos que a santidade que Deus nos pede não é uma santidade
orgulhosa, consequência do nosso esforço musculado, mas uma abertura à
manifestação cada vez mais luminosa e clara da nossa dignidade de filhos de Deus.
Quanto mais vivermos
como filhos muito amados por Deus mais manifestaremos a santidade do Pai, e
mais próximos estaremos de o ver, tal como ele é, na nossa própria carne.
1 – “Juízo Final” de Fra Angélico. Pormenor. Gemaldegalerie, Berlim.
2 – “Juízo Final” de Fra Angélico. Pormenor. Gemaldegalerie, Berlim.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarFoi com muita alegria que li e reli o texto que propôs para Meditação , a riqueza da Homilia da Solenidade da Festa de Todos os Santos.Maravilhosamente bela e profunda.Faço minhas as palavras do Frei José Carlos,de um dos parágrafos do texto:A vida dos santos,alicerçada neste projecto das Bem-Aventuranças,não os torna pessoas irrepreensíveis,super-homens impecáveis,bem pelo contrário fá-los tomar consciência das suas limitações e fragilidades,das suas infidelidades,e a partir delas a perceber como o amor e a graça de Deus actua no sentido da verdade e felicidade eterna da pessoa.
Também nós, quanto mais vivermos como filhos muito amados por Deus mais manifestaremos a santidade do Pai,e mais próximos estaremos de o ver,tal como Ele é,na nossa própria carne.
Obrigada, Frei José Carlos, pela bela partilha tâo rica de sentido para todos nós.Gostei muito.Desejo-lhe uma boa semana e também se possível um pouco de descanso.Bem-haja.Que o Senhor o ilumine o guarde e o abençoe.Um abraço fraterno.
AD