domingo, 22 de agosto de 2010

Homilia do XXI Domingo do Tempo Comum

Foi devido a palavras como as que escutámos no Evangelho de São Lucas deste domingo que Jesus foi rejeitado e condenado à morte. As suas palavras chocaram e entraram em confronto com uma mentalidade em que se dava por pressuposto e assumido que bastava pouco mais que pertencer ao povo escolhido para se ter a garantia da salvação.
Assim, face à pergunta sobre o número diminuto dos que se salvam, uma pergunta capciosa, porque quem a faz tem já presente a dificuldade face ao cumprimento dos mandamentos, Jesus responde não entrando na discussão mas incentivando e apelando ao esforço, ao trabalho pessoal para entrar por essa porta que é o que está nas nossas mãos e ao nosso alcance.
E isto porque a salvação se joga em dois campos muito distintos, o campo de Deus e o nosso campo. E no campo de Deus podemos dizer que a salvação está garantida, alcançada, porque Deus não quer que nenhum dos seus filhos se perca. Como diz Jesus Deus não quer a condenação do pecador mas que ele se salve.
Neste sentido, e fazendo referência à leitura do profeta Isaías, Jesus apresenta aos seus interlocutores a promessa da vinda de todos os povos do oriente e ocidente para se sentarem à mesa com Abraão, Isaac, Jacob e todos os profetas. Jesus assume a dimensão universal da salvação revelada em Isaías e o papel missionário, se assim podemos dizer, do povo escolhido de Israel. Pela experiência de Deus esse povo deveria ser o catalizador, o condutor de todos os povos à mesma experiência e relação com Deus. Era essa a sua missão, deveria ter sido esse o seu esforço, a sua passagem pela porta estreita.
Mas Israel não soube ou não foi capaz de assumir essa missão, deixou-se enredar nas suas glórias e vaidades, na sua predilecção e por isso Deus trará os outros povos, outros homens até à sua mesa, até ao seu templo, pela sua própria acção e deixará de fora o povo primeiramente escolhido.
E neste momento, com ele Jesus, Deus estava a cumprir essa promessa, e a dar uma nova oportunidade ao povo de Israel, a par de tantas outras que já tinha dado, para participar na salvação. Bastava-lhes aceitar aquele que Deus tinha enviado, o seu Filho, a sua Palavra feita carne, afinal a porta estreita pela qual era necessário passar forçosamente. Deus tinha jogado o seu jogo na salvação e tinha apostado tudo, tinha entregue tudo, competia agora ao homem jogar e apostar da sua parte.
E é neste nosso campo, nesta nossa aposta, que afinal se joga a efectivação da salvação oferecida por Deus, nesse apostar em viver segundo o mandamento do amor e em conformidade com a porta estreita que é o próprio Jesus. E Jesus é a porta estreita porque não só vive de uma forma radical e total o mandamento do amor que nos convida a viver, e portanto temos que nos esforçar, mas também e de certa forma sobretudo porque temos que viver encarnados, numa dimensão humana que não é fácil e nos constrange muitas vezes no desejo de viver fielmente.
Foi isto que de alguma forma os interlocutores de Jesus não perceberam, que pela encarnação do Filho de Deus, a porta da passagem para a salvação ficava ao nosso alcance, na nossa humanidade, mas por essa mesma razão ela, e pelos condicionalismos que nos marca, se tornava estreita e portanto era necessário um esforço para a ultrapassar, para passar além dela.
Um esforço que, como diz o autor da Epístola aos Hebreus, implica correcção, implica sofrimento, implica disciplina e ascese, implica formação e estudo, implica oração, entrega e desprendimento, tantas coisas que muitas vezes nos custam e interferem com a satisfação dos nossos caprichos e prazeres, mas que no final no alcançará os frutos da paz e da justiça, ou seja a bem-aventurança da identificação total com Cristo.
Resta-nos assim fazer a opção pelo Filho de Deus encarnado, aceitar que o esforço é inerente a essa opção, e aplicarmo-nos a lutar contra as dificuldades.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Aquando da preparação para a missa, e a leitura da homília que escreveu, hoje, XXI Domingo do Tempo Comum, texto profundo e tão belamente ilustrado, fazem-me meditar, reflectir, na dificuldade da nossa salvação, no percurso que está ao nosso alcance, mas como proceder, no “nosso campo”? Ao meditar, tenho a noção que voltei atrás, que o trajecto é longo e complexo, que o esforço é enorme. Peço ao Senhor que me (nos) dê forças para continuar, para não desistir. ...” E é neste nosso campo, nesta nossa aposta, que afinal se joga a efectivação da salvação oferecida por Deus, nesse apostar em viver segundo o mandamento do amor e em conformidade com a porta estreita que é o próprio Jesus.” …
    Mas o Senhor é misericordioso e dá-nos os meios para vencer, para recomeçar, em cada momento, sempre que for preciso.
    E como o Frei José Carlos nos lembra um esforço persistente …”Um esforço que, como diz o autor da Epístola aos Hebreus, implica correcção, implica sofrimento, implica disciplina e ascese, implica formação e estudo, implica oração, entrega e desprendimento, tantas coisas que muitas vezes nos custam e interferem com a satisfação dos nossos caprichos e prazeres,” mas … “que no final nos alcançará os frutos da paz e da justiça, ou seja a bem-aventurança da identificação total com Cristo.”
    Obrigada pelas palavras de incentivo, sem escamotear as dificuldades, e pela esperança que nos deixa e conforta.
    Um abraço fraterno,
    MJS

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  2. Frei José Carlos,
    Que saibamos implorar o apoio espiritual para cultivar o esforço necessário de merecimento na passagem pela porta estreita, com a esperança de que Deus na sua infinita misericórdia não quer que nenhum dos seus filhos se perca.
    Tenha uma santa noite,
    GVA

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