quinta-feira, 12 de agosto de 2010

In Memoriam de frei João Domingos


O calor apertava e ainda só estávamos a meia manhã. Debaixo do hábito branco a camisa ensopada de suor colava-se ao corpo, insinuando-nos o quanto somos uma gota de água que rapidamente se evapora e se perde e encontra na imensidão do oceano divino.
A igreja estava cheia de gente, repleta de amigos e conhecidos, irmãos e irmãs, mais próximos e mais distantes. Todos quiseram estar presentes. Nós à volta do ataúde que encerra o cadáver, um círculo de hábitos brancos, como pétalas de um malmequer. Uma voz dá início à “Salvé” e todos seguimos o cântico mais ou menos afinados. É a despedida dos irmãos ao frei João Domingos. É assim entre os dominicanos.
Com esforço seguramos as lágrimas que parecem querer brotar em catadupa. Contemo-nos e fixamo-nos no canto, buscando o consolo e a esperança nas palavras que vamos entoando, como desde há séculos se entoa, para a perda que vivemos.
Cada um tem a sua medida de perda, mas todas juntas e somadas não dariam a cabal medida da perda acontecida com o desaparecimento de entre nós do frei João Domingos. Para uns perdeu-se um irmão, para outros um amigo, para outros ainda um frade e um padre, para alguém um líder e um trabalhador incansável. Contudo, para todos a perda fundamental é a da referência, a do sinal, desse sinal de que a morte não têm a última palavra porque mais forte que a morte é o amor, e o frei João viveu por amor, para o amor e no amor.
Expressão dessa vida de amor era a forma como se interessava por cada um de nós, a sua preocupação pelo nosso bem-estar e felicidade. Não consigo deixar de me emocionar quando recordo a forma como se me dirigia de cada vez que voltava de Angola e me perguntava como estava.
Há pessoas que nos fazem a mesma pergunta e sentimo-nos inevitavelmente invadidos, quase que sequestrados pela resposta que é obrigatório dar. Com o frei João Domingos não era assim, bem pelo contrário, era como se subjacente à pergunta viesse uma onda imensa de paz e tranquilidade, um desejo incomensurável de que ficássemos bem, muito bem, estivéssemos de facto bem ou nem tanto. Cada encontro, cada pergunta, era como que um mergulho num oceano imenso de paz, de um bem indizível que só as almas o sabem sentir e dizer com palavras que não são expressáveis.
Para além de tantas outras coisas, tantas outras dimensões da figura e pessoa do frei João Domingos sei que vou sentir saudades e falta destes encontros e desta pergunta que me fazia sentir respeitavelmente amado fraternamente.
Feliz o servo que o Senhor ao chegar encontrar no seu posto de trabalho e a administrar os bens com sabedoria e amor, será colocado à frente de maior empresa. O frei João Domingos foi um fiel e incansável administrador dos bens do seu Senhor; acreditamos que lhe está entregue desde já uma maior administração e por isso lhe pedimos que da casa do Pai e Senhor nosso continue a proporcionar-nos e a facilitar-nos encontros de Paz e Bem.

3 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    ... “Somos uma gota de água que rapidamente se evapora e se perde e encontra na imensidão do oceano divino.” …. Formastes um “um círculo de hábitos brancos, como pétalas de um malmequer” …. “para todos a perda fundamental é a da referência, a do sinal, desse sinal de que a morte não tem a última palavra porque mais forte que a morte é o amor, e o frei João viveu por amor, para o amor e no amor.”
    A partilha de hoje é especial, Frei José Carlos : pelo momento triste, profundo, sentido, mas descrito de uma forma muito bela que ajuda a aceitar a “ausência física”. Bem haja.
    Lidamos, de um modo geral, mal com a morte, particularmente, se é um irmão, um amigo, um familiar, afinal um ente querido ou que estimamos ainda que a esperança do reencontro seja muito forte, alicerçada na fé.
    Ainda que "fisicamente" ausente o frei João Domingos será lembrado por vós (nós) pela oração e através das recordações mais diversas que guardam.
 As minhas sentidas condolências a todos.
    “Que o Senhor receba o frei João Domingos no Seu coração e aí permaneça para sempre”.
    Um abraço fraterno, MJS

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  2. Boa noite Frei José Carlos,
    Partilhou com todos este belo texto inspirado pelo Irmão que partiu para junto de Deus. Dele, com quem partilhámos algumas Eucaristias, guardo a presença elegante, reflexo da beleza divina, o sorriso afável, a simpatia.
    Na Missa da vigília, o celebrante fez-nos sorrir ao recordar passos da sua vida, plena de dádiva aos outros e testemunhada pelas amigas junto de quem me sentei, Dominicanas e Doroteias que dele conheceram a divina proximidade, nomeadamente, no trabalho desenvolvido pelas últimas, em Angola.
    Foi um momento de união com Deus em que a Palavra, semeando alegria, verbalizou a Ressureição do Frei João Domingos em Cristo.
    Que Deus vos abençoe a todos pelos bons exemplos que nos alimentam a Fé.
    A continuação de boas férias, junto dos seus.
    Graciete

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  3. Sim Partiu... Frei João Domingos,mano partiste subitamente. As lágrimas ainda correm-me sem dar por elas... o seu exemplo de vida simples ao encontro de todos, sobretudo nós os pobres a quem muito defendeste.Fica para sempre a vossa memória.Assim como de todas as formas criastes momentos e condições dignas para todos nós seja o nosso intercessor junto do Pai. A vossa santidade espalhada cá na terra de uma forma impar nos ajude a conhecer e a servir os irmãos assim como sempre nos ensinaste.Que Deus vos Glorifique. Amém

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