domingo, 1 de fevereiro de 2015

Homilia do IV Domingo do Tempo Comum

Os Evangelhos dos domingos anteriores apresentaram-nos a convocação dos primeiros discípulos de Jesus, o convite e a busca daqueles homens que foram capazes de ver em Jesus um mestre, alguém que podiam seguir e no qual podiam fazer confiança.
O Evangelho de hoje insere-se nessa mesma perspectiva, nesse mesmo contexto, mas sofre uma inflexão, faz como que uma curva de cento e oitenta graus para nos mostrar e mostrar aos discípulos que havia algo mais em jogo.
O milagre que o Evangelho hoje nos relata e a autoridade que Jesus manifesta e todos são capazes de reconhecer, é o pretexto para nos colocar a todos diante de uma realidade fundamental, e que é esta: não podemos procurar, seguir Jesus, reconhecer a sua autoridade pelos meros gestos exteriores.
Neste sentido, e num exemplo do que vai permanecer de uma forma constante ao longo dos Evangelhos e portanto da própria vida de Jesus, confrontamo-nos com a discrepância entre o que vemos e nos atrai e a verdadeira realidade e natureza de Jesus.
No caso do acontecimento que o Evangelho nos relata hoje, vemos como o espirito impuro reconhece a divindade de Jesus, a proclama publicamente, e como todos os outros presentes na sinagoga não se apercebem disso e apenas reconhecem e comparam as palavras de Jesus e a sua autoridade com os escribas.
Todos os presentes deveriam ter ficado mais chocados com as palavras do espirito, que atribui a Jesus uma natureza exclusivamente divina, reservada pela lei e pela fé a Deus, que surpreendidos pelos gestos de Jesus, gestos ao alcance de qualquer mestre curandeiro.
Este desfasamento, esta discrepância é contudo desejada por Jesus e por isso o vemos neste caso a mandar calar o espirito impuro, tal como o veremos mais tarde a recomendar aos discípulos que não revelem nada do sucedido no alto do monte no momento da transfiguração. É necessário um silêncio, porque há necessidade de uma outra abordagem.
Este silêncio, esta discrição que Jesus exige face a todos os que cura ou vivem com ele algum momento excepcional deve-se à necessidade de nos encontrarmos verdadeiramente com aquele que temos diante. É a presença de Deus, o Santo de Deus, que necessitamos encontrar e ao qual necessitamos aderir.
Este processo de descoberta e adesão tem inevitavelmente consequências na nossa vida, na nossa relação pessoal com Deus e com Jesus Cristo, a quem podemos recorrer como a um mestre de magia, a uma solução instantânea para todos os nossos problemas, ou pelo contrário, com quem estabelecemos uma relação que necessita de tempo, que se compõe de altos e baixos, que se vai construindo amorosamente e atingirá um dia a plenitude.
Se ficarmos pelo externo e pelo imediato, pelo excepcional, perderemos a possibilidade de nos encontrarmos com aquele que verdadeiramente é o milagre que transforma a nossa vida, com a oferta da santidade que Deus nos faz na pessoa de Jesus Cristo, porque como nos recorda São Paulo nós fomos feitos para a santidade.
É este encontro pessoal, esta caminhada ombro a ombro, feita tantas vezes na escuridão ou na penumbra de uma luz ténue, que nos permite alcançar aquela autoridade, dimensão profética e excelência de vida que compõem a santidade e de que nos falam também as leituras de hoje.
Foi este processo que os discípulos viveram, algumas vezes em completa desordem entre as suas expectativas, o que viam fazer a Jesus e o que intuíam desses gestos. Contudo, foi esta mesma experiência desordenada que lhes permitiu após a paixão e a morte reconhecer o Mestre presente nas margens do lago aguardando-os no regresso da pesca com a refeição pronta.
O extraordinário tinha-se de tal modo transfigurado, adquirido a sua verdadeira dimensão, que era já possível reconhecer a presença do Santo de Deus na mais simples das realidades e a partir dela encetar uma outra vida mais excelente, com uma autoridade fundamentada e uma dimensão profética insuspeitável.
Também hoje somos convidados a encontrar-nos intimamente com Jesus, para que as nossas palavras e os nossos gestos não sejam apenas um proforma, uma mera encenação teatral, mas fruto de uma santidade que nos advém do encontro com o Santo de Deus.
Procuremos pois, tal como nos recomenda São Paulo, encontrar e viver as realidades que mais nos convêm e nos unem mais perfeitamente e sem desvios ao Senhor que nos santifica.

 
Ilustração:
“Jesus em Cafarnaum”, de Rodolpho Amoêdo, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil.

3 comentários:

  1. Para que as nossas palavras e os nossos actos sejam testemunhos dum Senhor em que acreditamos e que seguimos é que necessitamos viver em unidade com esse Senhor que nos santifica, como nos diz S. Paulo. Talvez seja necessário perguntar qual a qualidade da nossa unidade e da nossa fé. Inter Pars

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  2. Caro Frei José Carlos,

    A leitura do excerto do Evangelho de Marcos leva-nos ao anúncio do Evangelho por Jesus em Cafarnaum, “na sua fidelidade Àquele que lhe confia a mensagem que deve anunciar”.
    Como nos afirma ...” Todos os presentes deveriam ter ficado mais chocados com as palavras do espirito, que atribui a Jesus uma natureza exclusivamente divina, reservada pela lei e pela fé a Deus, que surpreendidos pelos gestos de Jesus, gestos ao alcance de qualquer mestre curandeiro.”…
    Porém, o importante e necessário é o encontro com Jesus, o Seu seguimento, é buscar...” a possibilidade de nos encontrarmos com aquele que verdadeiramente é o milagre que transforma a nossa vida, com a oferta da santidade que Deus nos faz na pessoa de Jesus Cristo, porque como nos recorda São Paulo nós fomos feitos para a santidade.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homília, profunda, que nos desinstala, por recordar-nos que ...”
    somos convidados a encontrar-nos intimamente com Jesus, para que as nossas palavras e os nossos gestos não sejam apenas um proforma, uma mera encenação teatral, mas fruto de uma santidade que nos advém do encontro com o Santo de Deus.”…
    Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

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  3. Frei José Carlos,

    Grata.pela maravilhosa partilha da Homilia do Evangelho de S. Marcos que nos ajudou a Meditar com mais profundidade .Como nos diz o Frei José Carlos no texto,somos convidados a encontrar -nos intimamente com Jesus,para que as nossas palavras e os nossos gestos não sejam apenas um proforma, mas procuremos como nos recomenda São Paulo encontrar e viver as realidades que mais nos convêm e que mais nos unem perfeitamente ao Senhor que nos santifica.Obrigada,Frei José Carlos,pela beleza de reflexão que nos propôs e pela bela ilustração.Desejo-lhe um bom fim de semana,com paz e alegria.Uma boa tarde e bom descanso.Que o Senhor o ilumine o proteja e o guarde.
    Um abraço fraterno.
    AD

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