Os Evangelhos dos domingos anteriores apresentaram-nos a convocação
dos primeiros discípulos de Jesus, o convite e a busca daqueles homens que foram
capazes de ver em Jesus um mestre, alguém que podiam seguir e no qual podiam
fazer confiança.
O Evangelho de hoje insere-se nessa mesma perspectiva, nesse mesmo
contexto, mas sofre uma inflexão, faz como que uma curva de cento e oitenta
graus para nos mostrar e mostrar aos discípulos que havia algo mais em jogo.
O milagre que o Evangelho hoje nos relata e a autoridade que Jesus
manifesta e todos são capazes de reconhecer, é o pretexto para nos colocar a
todos diante de uma realidade fundamental, e que é esta: não podemos procurar,
seguir Jesus, reconhecer a sua autoridade pelos meros gestos exteriores.
Neste sentido, e num exemplo do que vai permanecer de uma forma
constante ao longo dos Evangelhos e portanto da própria vida de Jesus,
confrontamo-nos com a discrepância entre o que vemos e nos atrai e a verdadeira
realidade e natureza de Jesus.
No caso do acontecimento que o Evangelho nos relata hoje, vemos como o
espirito impuro reconhece a divindade de Jesus, a proclama publicamente, e como
todos os outros presentes na sinagoga não se apercebem disso e apenas reconhecem
e comparam as palavras de Jesus e a sua autoridade com os escribas.
Todos os presentes deveriam ter ficado mais chocados com as palavras
do espirito, que atribui a Jesus uma natureza exclusivamente divina, reservada
pela lei e pela fé a Deus, que surpreendidos pelos gestos de Jesus, gestos ao
alcance de qualquer mestre curandeiro.
Este desfasamento, esta discrepância é contudo desejada por Jesus e
por isso o vemos neste caso a mandar calar o espirito impuro, tal como o
veremos mais tarde a recomendar aos discípulos que não revelem nada do sucedido
no alto do monte no momento da transfiguração. É necessário um silêncio, porque
há necessidade de uma outra abordagem.
Este silêncio, esta discrição que Jesus exige face a todos os que cura
ou vivem com ele algum momento excepcional deve-se à necessidade de nos
encontrarmos verdadeiramente com aquele que temos diante. É a presença de Deus,
o Santo de Deus, que necessitamos encontrar e ao qual necessitamos aderir.
Este processo de descoberta e adesão tem inevitavelmente consequências
na nossa vida, na nossa relação pessoal com Deus e com Jesus Cristo, a quem
podemos recorrer como a um mestre de magia, a uma solução instantânea para
todos os nossos problemas, ou pelo contrário, com quem estabelecemos uma
relação que necessita de tempo, que se compõe de altos e baixos, que se vai
construindo amorosamente e atingirá um dia a plenitude.
Se ficarmos pelo externo e pelo imediato, pelo excepcional, perderemos
a possibilidade de nos encontrarmos com aquele que verdadeiramente é o milagre que
transforma a nossa vida, com a oferta da santidade que Deus nos faz na pessoa
de Jesus Cristo, porque como nos recorda São Paulo nós fomos feitos para a
santidade.
É este encontro pessoal, esta caminhada ombro a ombro, feita tantas
vezes na escuridão ou na penumbra de uma luz ténue, que nos permite alcançar
aquela autoridade, dimensão profética e excelência de vida que compõem a
santidade e de que nos falam também as leituras de hoje.
Foi este processo que os discípulos viveram, algumas vezes em completa
desordem entre as suas expectativas, o que viam fazer a Jesus e o que intuíam desses
gestos. Contudo, foi esta mesma experiência desordenada que lhes permitiu após
a paixão e a morte reconhecer o Mestre presente nas margens do lago
aguardando-os no regresso da pesca com a refeição pronta.
O extraordinário tinha-se de tal modo transfigurado, adquirido a sua
verdadeira dimensão, que era já possível reconhecer a presença do Santo de Deus
na mais simples das realidades e a partir dela encetar uma outra vida mais
excelente, com uma autoridade fundamentada e uma dimensão profética insuspeitável.
Também hoje somos convidados a encontrar-nos intimamente com Jesus,
para que as nossas palavras e os nossos gestos não sejam apenas um proforma,
uma mera encenação teatral, mas fruto de uma santidade que nos advém do encontro
com o Santo de Deus.
Procuremos pois, tal como nos recomenda São Paulo, encontrar e viver
as realidades que mais nos convêm e nos unem mais perfeitamente e sem desvios
ao Senhor que nos santifica.
“Jesus em Cafarnaum”, de Rodolpho Amoêdo, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil.
Para que as nossas palavras e os nossos actos sejam testemunhos dum Senhor em que acreditamos e que seguimos é que necessitamos viver em unidade com esse Senhor que nos santifica, como nos diz S. Paulo. Talvez seja necessário perguntar qual a qualidade da nossa unidade e da nossa fé. Inter Pars
ResponderEliminarCaro Frei José Carlos,
ResponderEliminarA leitura do excerto do Evangelho de Marcos leva-nos ao anúncio do Evangelho por Jesus em Cafarnaum, “na sua fidelidade Àquele que lhe confia a mensagem que deve anunciar”.
Como nos afirma ...” Todos os presentes deveriam ter ficado mais chocados com as palavras do espirito, que atribui a Jesus uma natureza exclusivamente divina, reservada pela lei e pela fé a Deus, que surpreendidos pelos gestos de Jesus, gestos ao alcance de qualquer mestre curandeiro.”…
Porém, o importante e necessário é o encontro com Jesus, o Seu seguimento, é buscar...” a possibilidade de nos encontrarmos com aquele que verdadeiramente é o milagre que transforma a nossa vida, com a oferta da santidade que Deus nos faz na pessoa de Jesus Cristo, porque como nos recorda São Paulo nós fomos feitos para a santidade.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homília, profunda, que nos desinstala, por recordar-nos que ...”
somos convidados a encontrar-nos intimamente com Jesus, para que as nossas palavras e os nossos gestos não sejam apenas um proforma, uma mera encenação teatral, mas fruto de uma santidade que nos advém do encontro com o Santo de Deus.”…
Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Um abraço mui fraterno,
Maria José Silva
Frei José Carlos,
ResponderEliminarGrata.pela maravilhosa partilha da Homilia do Evangelho de S. Marcos que nos ajudou a Meditar com mais profundidade .Como nos diz o Frei José Carlos no texto,somos convidados a encontrar -nos intimamente com Jesus,para que as nossas palavras e os nossos gestos não sejam apenas um proforma, mas procuremos como nos recomenda São Paulo encontrar e viver as realidades que mais nos convêm e que mais nos unem perfeitamente ao Senhor que nos santifica.Obrigada,Frei José Carlos,pela beleza de reflexão que nos propôs e pela bela ilustração.Desejo-lhe um bom fim de semana,com paz e alegria.Uma boa tarde e bom descanso.Que o Senhor o ilumine o proteja e o guarde.
Um abraço fraterno.
AD