domingo, 26 de julho de 2015

Homilia do XVII Domingo do Tempo Comum

A Liturgia da Palavra propõe-nos em cada ciclo B, para a celebração dominical, a leitura continuada do Evangelho de São Marcos. Contudo hoje, e quando o evangelista São Marcos se preparava para nos relatar o milagre da multiplicação dos pães, a Liturgia da Palavra propõe-nos a versão do Evangelho de São João.
Esta interrupção da leitura continuada, que nos pode parecer necessária devido ao reduzido tamanho do Evangelho de São Marcos para preencher um ano litúrgico, é no entanto deliberada, pois oferece-nos a possibilidade de ver a verdadeira dimensão do milagre que Jesus opera.
Neste sentido, temos já na leitura que escutámos uma referência a essa dimensão ao ser-nos dito que a Páscoa se encontrava próxima. O milagre da multiplicação dos pães está assim associado à grande festa. O discurso do pão da vida, que vamos escutar nos próximos domingos, e que se encontra no seguimento do relato do milagre da multiplicação dos pães no Evangelho de São João, dá-nos a completa dimensão do milagre realizado.
Milagre que, pela sua magnificência e dimensão, nos pode impedir de ver um pormenor da narração, que é extremamente significativo para cada um de nós, e que o Evangelho de São João e a leitura que escutámos põe em evidência.
Antes de mais temos que ter presente que, na narração do Evangelho de João, é Jesus o primeiro a manifestar preocupação pela multidão, pela fome daquela multidão que o tinha seguido, que o procurava e que tinha passado o dia a escutá-lo segundo o Evangelho de São Marcos.
A esta preocupação e solicitação do Mestre respondem os discípulos mais chegados com a impossibilidade de satisfazer a fome daquela gente, nem duzentos denários de pão chegariam para alimentar aquela multidão.
E é face a esta incapacidade, ou impossibilidade da estrutura e organização à volta de Jesus para responder às necessidades da circunstância, que surge uma proposta, que poderíamos dizer irrisória, quase ofensiva face às reais necessidades. Para que serviriam cinco pães e dois peixes para tanta gente? No entanto, é esta oferta insignificante que põe em movimento o milagre, que provoca a possibilidade de alimentar aqueles mais de cinco mil homens.
E como se não bastasse a miserável oferta apresentada, o Evangelho de São João faz questão de nos salientar ainda que ela é feita por um jovem rapazinho, por um anónimo do meio do grupo dos que seguiam Jesus, por alguém que não tem qualquer poder, bem pelo contrário é manifestação da fragilidade e da precaridade.
Este jovem rapazito, com os seus cinco pães e dois peixes, na sua pobreza, é assim uma provocação, aos discípulos incapazes de encontrar uma solução para a preocupação de Jesus, à comunidade cristã à qual se dirige o Evangelho de São João e que também não sabe como responder aos desafios que lhe são colocados pelos seus pobres, a cada um de nós que é desafiado a dar o pouco que tem.
Este jovem rapazito provoca assim toda a humanidade e cada um de nós a não cruzar os braços, a deixar de desculpar-se porque não tem nada, ou tem muito pouco, que não adianta qualquer acção aparentemente insignificante face aos mecanismos do mundo.
E tal como ele muitos outros exemplos na vida e na história da Igreja nos desafiam nessa confiança que o pouco com Deus é muito. São Vicente de Paulo, São Martinho de Lima, Frederico Ozanam, Madre Teresa de Calcutá, e tantos outros irmãos nossos que se lançaram em desafios sem qualquer suporte, praticamente sem nada, mas acreditando que Deus estava com eles e não os deixaria desamparados.
Perdido no meio da multidão, ultrapassado pela grandeza do milagre, este jovem rapazito mostra-nos que não podemos querer resolver as situações pelas nossas próprias forças, capacidades ou património, mas que com a nossa boa vontade e cooperação, oferecendo o que recebemos de Deus, seja muito ou pouco, podemos ir para lá de todas as esperanças e encontrar soluções para os problemas.
Não posso fazer a multiplicação dos pães, mas sei que com o meu pouco, oferecido de vontade, e com a graça de Deus, o resultado da minha oferta ou acção será sempre um milagre a acontecer.
A fé no Senhor como nossa força e nosso alento nos conduza a não temer a nossa oferta, o dado por amor será retribuído com amor.

 
Ilustração:
“A Multiplicação dos pães e dos peixes”, de Ambrosius Francken, Museu de Belas Artes de Antuérpia.

2 comentários:

  1. Obrigada Frei José Carlos por nos lembrar que o importante não é a quantidade do que se dá mas a disponibilidade em dar, mesmo o pouco que se possui. É o testemunho dos cinco pães do rapazinho, das duas moedas da viúva, etc... Será que pensamos que mesmo pobres "podemos tudo n´ Aquele que nos conforta "? Inter pars

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  2. Caro Frei José Carlos,

    O milagre da multiplicação dos pães e dos peixes operada por Jesus leva-nos a não contemplar este milagre como algo do passado mas a centrar-nos nos diferentes momentos em que o mesmo decorre, os ensinamentos que somos chamados a acolher e que nos desafiam para a realidade presente. É a preocupação de Jesus pelo outro, a alegria da partilha, do que se possui, por pouco que seja, mas colocado nas mãos de Deus, o milagre acontece. É a importância da participação de todos. É a chamada de atenção para o não desperdício. O que nos sobra em determinado momento, num País e num mundo tão desigual, pode ser necessário e útil ao nosso próximo.
    O testemunho de Jesus não pertence ao passado. Vive-se e concretiza-se no quotidiano de cada um de nós. Deixemo-nos guiar por Jesus neste tempo de férias e sempre.
    Como nos salienta na Homilia que teceu ...” Este jovem rapazito provoca assim toda a humanidade e cada um de nós a não cruzar os braços, a deixar de desculpar-se porque não tem nada, ou tem muito pouco, que não adianta qualquer acção aparentemente insignificante face aos mecanismos do mundo. (...)
    (...) Perdido no meio da multidão, ultrapassado pela grandeza do milagre, este jovem rapazito mostra-nos que não podemos querer resolver as situações pelas nossas próprias forças, capacidades ou património, mas que com a nossa boa vontade e cooperação, oferecendo o que recebemos de Deus, seja muito ou pouco, podemos ir para lá de todas as esperanças e encontrar soluções para os problemas.”...
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, que nos desinstala, levando-nos a reflectir sobre os nossos comportamentos, interpelando-nos sobre o egoísmo humano e a falta fé e confiança no Senhor e que dificultam a construção do Reino de Deus, aqui e agora, aparentemente ao alcance de todos e tão pouco disponíveis para colaborar com o Senhor. E, como nos recorda ...” Não posso fazer a multiplicação dos pães, mas sei que com o meu pouco, oferecido de vontade, e com a graça de Deus, o resultado da minha oferta ou acção será sempre um milagre a acontecer.”...
    Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Votos de uma boa semana. Bom descanso.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

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