quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Meditação de Natal - 2

Saímos de Nazaré e fizemo-nos ao caminho, a este trilho calcado pelos pés dos homens e dos animais carregados de mercadorias. Parecia que seria fácil, rápido, mas quanto nos falta ainda para chegar a Belém.
O pó do caminho levantado pelo vento frio e agreste colou-se aos nossos rostos e roupas. Por entre a fresta do véu que mostra os olhos pequenos e negros vê-se o pó colado às sobrancelhas de Maria; José tem também a barba polvilhada e por vezes sacode aquele que se lhe agarrou aos pés.
O pó fere-nos a carne e lembra-nos que também nós somos formados do mesmo pó, que um dia num excesso de louco amor criativo Deus criador moldou o primeiro homem deste mesmo pó, pó amassado com a saliva do seu Verbo e vivificado pelo sopro do seu Espírito.
Hoje este pó nos traz essa verdade à memória e a esperança de que este menino transportado no seio de Maria nos liberte desta pobre condição, que restitua a essa forma tão terrena a grandeza que teve no momento da sua criação.
Caminhamos e confiantes cruzamo-nos com aqueles que se cruzam connosco. Podem ser ladrões, salteadores, simples viajantes temerosos como nós, não sabemos, mas ainda assim arriscamos cruzar-nos com eles, partilhar esse olhar de quem viaja, de quem se sabe fora de toda e qualquer protecção. Todos estamos no mesmo caminho, no mesmo processo, e isso dá-nos uma solidariedade, um espírito de partilha que não se encontra em outros lugares e momentos da vida. O viajante é sempre um solidário, acompanha-o a graça de Deus e a sua presença angelical, e por isso se cruza com os outros, arrisca uma palavra, uma saudação, até a partilha da parca merenda.
Um dia partilharemos outra mesa, a mesa celestial, onde o pão será de todos e para todos, onde todos saberemos que fomos convidados e temos um lugar porque partilhámos a nossa parca merenda com o outro que se cruzou connosco no caminho.
O menino salta de alegria no seio de Maria, também ele projecta e sonha reunir um dia todos os homens à volta da mesma mesa, não no céu mas já aqui na terra, e para isso entregará o seu corpo como alimento, como mesa de reunião, como palavra convidativa. Aceitarão os homens esse alimento e a sua forma de partilha?
À medida que o dia avança e o caminho se vai trilhando começam a aparecer os primeiros sinais de desconforto, são já muitas horas de viagem para Maria e ainda que acomodada nas costas do pobre burrito o corpo não deixa de sentir o cansaço da viagem. É tempo de uma pausa, de um descanso, pois não se pode correr o risco do menino vir ao mundo neste descampado, neste deserto, ainda que seja no deserto, neste mesmo deserto que um dia já adulto fará a experiência da tentação, essa experiência tão intrínseca ao próprio homem, e que descobrirá a sua filiação divina e a sua missão redentora. Contudo, agora ainda não é tempo, ainda não chegou a hora. Tudo seria precipitado neste momento.
Retemperadas as forças, saciada a sede e recomposto o corpo através de uns passos frágeis e equilibrados retomamos a viagem, pois falta ainda muito para chegar a Belém, um dia mais de viagem. E não sabemos o que nos espera no caminhar que temos por diante, só Deus sabe e só Deus poderá saber. O caminho é uma surpresa, uma dádiva, um desafio, mas também uma possibilidade aberta a Deus através da paisagem, dos outros e da própria meta que nos propomos alcançar, de Belém.
José sente os pés já cansados da jornada mas como está habituado ao dia a dia da sua marcenaria, do caminhar lento atrás das madeiras, não se queixa. Maria pelo contrário começa a expressar a sua apreensão, a sua preocupação, pois o seu corpo não deixa de dar sinais do cansaço e do menino que parece querer antecipar-se à data prevista do seu nascimento.
Como é difícil caminhar neste estado! Mas será que não caminhamos todos neste estado de esperanças, de gravidez de uma realidade que nascerá um dia, no dia em que nos entreguemos totalmente a ela. O homem transporta em si um mundo novo por nascer, um mundo que espera a luz, mas é necessário fazer o caminho para que ele nasça, arriscar-se à viagem pelo desconhecido de si e dos outros que se cruzam no caminho. Belém está logo ali, ao virar da esquina, mas pode estar também muito longe, a anos-luz. A distância é equidistante à nossa capacidade de arriscar caminhar nos trilhos dos homens e no trilho de Deus.

3 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Na Meditação de Natal-2 coloca-nos simultaneamente perante a realidade dura da condição humana e a esperança que nos habita por um mundo melhor ...." O pó fere-nos a carne e lembra-nos que também nós somos formados do mesmo pó, que um dia num excesso de louco amor criativo Deus criador moldou o primeiro homem deste mesmo pó, pó amassado com a saliva do seu Verbo e vivificado pelo sopro do seu Espírito. ...... O homem transporta em si um mundo novo por nascer, um mundo que espera a luz, mas é necessário fazer o caminho para que ele nasça, arriscar-se à viagem pelo desconhecido de si e dos outros que se cruzam no caminho" . .... Rezemos para que esta força que nos transmite se torne realidade. Bem haja. MJS

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  2. Bom dia Frei José Carlos,
    Este Natal caminhámos um trilho difícil,o caminho para o Presépio foi muito penoso, mas estivemos mais perto de Deus e sentimos uma imensa Paz, porque nunca duvidámos do seu Amor e da sua ajuda. Uma inexplicável serenidade envolveu a nossa dor, tornando-a mais fácil de suportar.Todo o tempo material será pouco para Lhe darmos graças por tudo o que temos recebido ao longo das nossas vidas."Gloria in excelsis Deo."
    GVA

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  3. Boa tarde Frei José carlos,

    Em primeiro lugar que estes dias, mais intensos, da Celebração do Nascimento de Jesus, tenham sido para si, para a sua comunidade e fammília uma grande Benção do Menino Deus.
    Saiba que as suas reflexões sobre o Natal, ajudaram-me muito a viver mais e melhor este grande e espantoso Mistério. Que Jesus lhe conceda sempre a sua ternura!... M. F. L.

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