terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Meditação de Natal - 3

A noite fria reuniu-nos junto da fogueira enquanto os rebanhos dispersos pelo campo se juntavam também para se aquecerem e protegerem. Longe ouvia-se o uivo de um lobo na noite, um grito feroz a quebrar o silêncio do frio da noite.
Mais um pau para a fogueira e no céu estrelado elevam-se com o fumo as fagulhas levantadas das brasas que crepitam. O vermelho e o laranja do fogo iluminam os rostos recolhidos e enregelados, porque esta vida de pastor não é fácil e menos ainda com este frio.
O silêncio é quase sagrado, ninguém quer dar início à conversa, mas pela cabeça dos presentes circulam as ideias e as memórias do vivido recentemente. Há três noites atrás neste mesmo lugar e por volta desta mesma hora foram surpreendidos por uma grande luz e um grupo de anjos que nos céus cantavam glória a Deus nas alturas. Ficaram aterrados de medo, um medo maior que o provocado pelos ataques dos lobos, pois nunca tinham visto nada assim, nada que estivesse tão fora das suas concepções e experiências. Foi um momento aterrador pela novidade e pela beleza tão nova e tão diferente.
Foi por causa desse medo que um dos anjos se lhes dirigiu directamente e os enviou a visitar um menino recém nascido e deitado numa manjedoura, era o Salvador do mundo, o Messias esperado. E eles foram, ainda que meio às cegas e tontos por tanta luz e tanta novidade. E encontraram de facto o menino deitado numa manjedoura, e sua mãe e seu pai, e uma enorme pobreza pois como viajantes muito pouco tinham trazido consigo.
Olharam, viram, admiraram, ofereceram do pouco que também possuíam, partilharam da enorme alegria dos pais e depois regressaram aos seus campos e rebanhos, uns muito alegres mas outros nem tanto.
O pastor mais velho foi um dos que regressou com a cara fechada e absorto nos seus pensamentos. O anjo tinha anunciado que lhes tinha nascido um salvador, mas ele só tinha visto um pobre menino deitado numa manjedoura aquecido do frio da noite pelo bafo de um burro e de uma vaca. Esperava um rei, um homem todo poderoso, um filho de rei, mas encontrara um menino frágil, cheio de fome, necessitado de tudo e sem qualquer poder. Como poderia aquela pobre criança ser Deus, o salvador esperado?
Diante de tanta dúvida quebrou o silêncio e desabafou: - Não é possível que seja Deus, não pode ser Deus, fomos enganados, é apenas um menino, mais um menino, filho de homem! A tristeza cobriu-lhe o rosto como um véu de morte e as rugas do rosto tornaram-se ainda mais profundas como se fossem as marcas abismais do tempo de espera desde a promessa feita ao primeiro homem.
Perante tal desabafo e desatino o pastor mais jovem, aquele que tinha regressado com a maior expressão de alegria estampada no rosto disse-lhe: - Não podes falar assim porque em verdade o que tu vistes é o nosso Deus e Salvador. Contudo, não te podes esquecer de uma verdade que vem da experiência dos nosso pais no deserto, ninguém pode ver a Deus e continuar vivo. Se acreditas nisto tens que acreditar também que aquele menino é o nosso Deus e Salvador e assumiu a forma humana que tu vistes, e nós vimos, para que pudéssemos ver Deus e continuar vivos. Se vês o menino apenas com os olhos não vês nada, vês simplesmente mais um menino, mas se vês com os olhos do coração e com fé então verás o teu Deus e Salvador e o maior gesto de amor para connosco, pois não só desceu das alturas para nos salvar como ainda se fez homem para que o pudéssemos olhar e contemplar.
Perante tais palavras do jovem pastor ninguém ousou mais quebrar o silêncio, nem o pastor mais velho, que no seu coração começou a sentir a necessidade de voltar à gruta para rever o menino recém-nascido. Quantas vezes teria que voltar, quantas vezes teremos que voltar para o ver com outros olhos?

1 comentário:

  1. Bom dia Frei José Carlos,
    As raízes de cada um são um património inestimável concedendo-nos o dom de ver o que passa despercebido a muitos. A experiência de vida temperada com uma imensa ternura pelo outro enriquece esse olhar e é isso de que vive este seu texto.
    É verdade, quantas vezes temos de voltar para O ver com outros olhos.
    Tenha um bom dia.
    GVA

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