quarta-feira, 21 de julho de 2010

Andreï Tarkovski e os filmes para rezar

Foi numa dessas divagações pelas prateleiras de vídeos num momento de busca de um filme para um serão de sábado, que o encontrei, que me encontrei com ele, pela primeira vez. O amigo ucraniano que me acompanhava reticentemente apresentou-mo, expondo a complexidade do filme, a diferença cultural e religiosa, a idade do filme, a duração e o preto e o branco; um conjunto de razões que mais que fazer-me desistir do filme pelo contrário me provocava um desejo enorme de o ver. Para mais, a personagem em questão na história, e que dá o título ao filme, não me é indiferente, “Andreï Roubliov”.
Foi desta forma que conheci o realizador russo Andreï Tarkovski, nascido em 1932, formado na Instituto Superior de Cinema de Moscovo e autor de um conjunto de filmes que nos surpreendem pelo inesperado e pela beleza da imagem, bem como pela mensagem que subjaz em cada história, em cada personagem, em cada imagem captada pelo espectador.
São obras suas: “O rolo compressor e o violão”, filme de conclusão da formação académica e universitária em 1960; “A Infância de Ivan”, de 1962, a sua primeira longa-metragem e Leão de Ouro do Festival de Veneza; “Andreï Roubliov”, de 1966, que foi ameaçado de destruição pela censura se não sofresse alguns retoques; “Solaris”, de 1972; “O Espelho”, de 1974, e no qual integra vivências da sua infância; “Stalker”, de 1979; “Nostalgia”, de 1983, escrito e realizado no exílio, no qual integra os elementos da sua experiência de exilado e as suas origens russas, e que foi premiado em Cannes ; o “Sacrifício”, de 1986, realizado na Suécia a convite de Ingmar Bergman, pouco antes da sua morte.
Devido às dificuldades que encontrou junto das autoridades soviéticas, dos produtores dos filmes e do público em geral, Andreï Tarkovski viu-se obrigado a colocar por escrito as suas reflexões como cineasta, a explicar a sua obra. É nessa explicação “O Tempo Selado” que encontramos a razão da complexidade dos seus filmes e das suas personagens, que vemos como na base de toda a sua realização cineasta estava uma profunda fé e espiritualidade e como se sentia obrigado a transmiti-la e a fazer dela participantes os espectadores dos seus filmes.
A arte deve existir para lembrar ao homem que é um ser espiritual, que ele faz parte de um espírito infinitamente grande, ao qual no fim das contas se regressa. Se ele se interessa por estas questões, se as coloca, ele está já espiritualmente salvo”.
Vale a pena ver a obra de Andreï Tarkovski, pela beleza e pela mensagem, mas também por esse desafio que nos deixa de salvação pela beleza. Termino com palavras suas numa entrevista um ano antes da sua morte em Paris por cancro dos pulmões.
Os meus filmes não são uma expressão pessoal mas uma oração. Quando faço um filme é como um dia de festa. Como se eu colocasse diante de um ícone uma vela acesa ou um ramo de flores”.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    A arte é uma forma de expressão que o ser humano utiliza para revelar a beleza que guarda no coração. É uma outra forma de alimento espiritual, de “salvação”.
    Se me permite passo a citá-lo ...” “A arte deve existir para lembrar ao homem que é um ser espiritual, que ele faz parte de um espírito infinitamente grande, ao qual no fim das contas se regressa. Se ele se interessa por estas questões, se as coloca, ele está já espiritualmente salvo”. …
    Com toda a subjectividade inerente, considero que a música e a poesia podem ser uma forma de “espiritualidade” que também nos ajuda a viver. Lembro, em especial, Sophia de Mello Breyner Andresen.
    Obrigada por esta interessante partilha. Bem haja. MJS

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  2. Quão gratos estamos por ter partilhado esta sua vivência connosco, Frei José Carlos.
    GVA

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