segunda-feira, 12 de julho de 2010

Homilia Domingo XV do Tempo Comum

O Evangelho deste domingo apresenta-nos a conhecida parábola do Bom Samaritano, uma parábola que nos convida à compaixão, à semelhança do samaritano que acolhe e cuida aquele pobre viajante vítima de violência.
Contudo, antes da parábola apresentam-se duas questões que Jesus coloca ao seu intermediário e que por vezes nos passam despercebidas, tão centrados estamos na história do Bom Samaritano. Mas são questões fundamentais, se não mesmo centrais, pois é por causa delas e das respostas dadas e não dadas que surge a parábola onde nos reflectimos.
Perante a pergunta do doutor da lei sobre a forma de ganhar a vida eterna Jesus responde contrapondo duas outras questões, o que diz a lei e como lês tu. O doutor da lei responde à primeira pergunta, repetindo os mandamentos da lei de Moisés, mas não responde à segunda, ou seja, como lê ele esses mandamentos.
A pergunta de Jesus é de suma importância porque face a alguém que conhecia a lei, que a devia estudar, e portanto estar por dentro de todas as suas consequências, Jesus quer saber como ela é vivida, como é lida em actos de vida, como é tornada pessoal.
Há uma dinâmica extremamente interessante no questionamento de Jesus ao doutor da lei, porque o confronta com a exterioridade da lei e o seu cumprimento interior, a interioridade dos mandamentos do Senhor face às prescrições normativas exteriores. E neste sentido as perguntas mantêm-se actuais e centrais na nossa própria vida e fé, porque podemos viver a lei de Deus como um fardo, uma imposição exterior, ou assumi-la como uma realidade que nos garante a liberdade e a felicidade, algo que é intrinsecamente nosso porque a assumimos como nossa.
Esta dimensão libertadora da lei de Deus está bem patente, no Livro do Deuteronómio, no momento da celebração da Páscoa, pois aí é dito que quando o mais novo da família perguntar pela razão das celebrações especiais, o chefe da família deve contar a história da libertação do Egipto e da entrega dos mandamentos no monte Sinai para a verdadeira liberdade do povo e sua felicidade. Os mandamentos são uma libertação, a libertação.
Ainda relativamente a esta questão, é interessante notar a liberdade e capacidade que Jesus reconhece ao doutor da lei, e assim a cada um de nós, de ler a lei, de a fazer nossa. Deus não nos obriga a nada, nem nos coarcta na nossa capacidade e liberdade de fazer a lei como algo pessoal e próprio. Deus deixa-nos a capacidade de ler a lei e a fazermos vida em nós, o que é extremamente libertador e gratificante porque vivemos e praticamos uma lei que consideramos essencial e caminho de felicidade.
E foi porque o doutor da lei não deu a resposta de vida que Jesus queria que lhe contou a parábola do Bom Samaritano, para lhe mostrar como a lei devia ser vida e vida radical, fora dos limites e dos nossos parâmetros de normalidade. Por isso não estranha que os dois primeiros viajantes que se afastam, um levita e um sacerdote sejam apresentados como gente sem compaixão. Há uma crítica velada de Jesus, mas também um alargamento dos horizontes do doutor da lei que devia perceber que a salvação não estava na exterioridade da lei e no seu funcionalismo mas na radicalidade da sua vivência misericordiosa, na qual todos podiam incorporar-se.
E aqui coloca-se para nós uma outra questão também fundamental e até de certo modo urgente, ou seja, quanto estamos dispostos a gastar a mais do que nos é dado confiantes de que seremos compensados por isso que gastarmos a mais? Quanto nos dispomos a dar a mais de nós próprios, da nossa paciência, da nossa solidariedade, do nosso amor e atenção, da nossa disponibilidade, confiantes de que não será em vão, de que receberemos de facto o que tivermos disponibilizado e ofertado? E não o fazemos, ou faremos, em função de uma recompensa, de méritos futuros, mas apenas por total liberalidade do nosso amor, tal como foi liberal para connosco o amor de Deus que nos reconciliou com Ele quando ainda éramos pecadores.
Assim, se a parábola do Bom Samaritano nos convida à compaixão para com aqueles que sofrem e encontramos nos caminhos da nossa vida, não podemos ficar apenas aí, nessa compaixão, temos que ir além do que é necessário, temos que ser mais liberais na nossa entrega e oferta e perceber que por intermédio dessa liberalidade, dessa abundância generosa, estamos a fazer viva e interiormente nossa a lei que é Deus, estamos a inscrever em tábuas de carne a lei que um dia foi escrita em tábuas de pedra.
Peçamos ao Senhor a graça de sermos cada vez mais conformes à lei verdadeira que nos foi dada viva e vivificante no seu Filho Jesus Cristo.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,
    "Deus deixa-nos a capacidade de ler a lei e a fazermos vida em nós, o que é extremamente libertador e gratificante porque vivemos e praticamos uma lei que consideramos essencial e caminho de felicidade."
    Realmente é o livre arbítrio, a capacidade de fazermos a lei vida em nós, que nos orienta no caminho da felicidade do outro que se cruza connosco. Não é fácil a escollha, mas ao fim do dia é o que conta e gratifica.
    Tenha uma santa noite,
    GVA

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  2. Frei José Carlos,

    Que bela, simples e profunda Homilia do XV Domingo do Tempo Comum à semelhança da maravilhosa “Parábola do Bom Samaritano” e do contexto em que a mesma insere. Interrogo-me se ao comentá-la não vou dar outra interpretação às palavras que escreveu e que nos ajudam a interpretar o significado e como viver no quotidiano os mandamentos do Senhor. Permita-me que transcreva algumas passagens que mais me sensibilizaram ...” Há uma dinâmica extremamente interessante no questionamento de Jesus ao doutor da lei, porque o confronta com a exterioridade da lei e o seu cumprimento interior, a interioridade dos mandamentos do Senhor face às prescrições normativas exteriores.” …”Os mandamentos são uma libertação, a libertação.”
    …”Deus deixa-nos a capacidade de ler a lei e a fazermos vida em nós, o que é extremamente libertador e gratificante porque vivemos e praticamos uma lei que consideramos essencial e caminho de felicidade.”…
    …”Há uma crítica velada de Jesus, mas também um alargamento dos horizontes do doutor da lei que devia perceber que a salvação não estava na exterioridade da lei e no seu funcionalismo mas na radicalidade da sua vivência misericordiosa, na qual todos podiam incorporar-se.”
    …”E aqui coloca-se para nós uma outra questão também fundamental e até de certo modo urgente ….”….”E não o fazemos, ou faremos, em função de uma recompensa, de méritos futuros, mas apenas por total liberalidade do nosso amor, tal como foi liberal para connosco o amor de Deus…”….
    …Assim, se a parábola do Bom Samaritano nos convida à compaixão para com aqueles que sofrem … estamos a fazer viva e interiormente nossa a lei que é Deus,” ….

    Que Jesus nos ilumine a encontrar novos caminhos para os problemas com que a Humanidade se defronta na actualidade, e que nas nossas relações pessoais, familiares, profissionais, sociais, saibamos estar atentos a “todo aquele que precisa da nossa ajuda” e saibamos realizar os ensinamentos de Jesus.

    Bem haja Frei José Carlos, por esta importante partilha, que é tão abrangente: mais do que a compaixão para com o nosso próximo, obriga-nos a repensar os nossos comportamentos e a alargar os horizontes das interpretações tão pessoais que, muitas vezes, fazemos dos ensinamentos de Jesus. MJS

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