domingo, 12 de setembro de 2010

Homilia do XXIV Domingo do Tempo Comum

Uma vez mais a liturgia da Palavra traz-nos à reflexão a parábola do filho pródigo, parábola sumamente conhecida e profundamente meditada por tantos autores e pregadores. Contudo, e possivelmente por isso mesmo, convém que a olhemos uma vez mais, descobrindo ou redescobrindo a mensagem que Deus nos quer deixar, a provocação que pode despertar em nós o desejo mais intimo e forte de regressar à casa do Pai.
Assim, e para compreender o sentido primeiro das parábolas, porque são três, que Jesus conta, temos que ter presente o contexto em que são proferidas. Não podemos esquecer que o evangelista contrapõe dois grupos de ouvintes, os publicanos e pecadores que se dirigem a Jesus para o escutar, e os escribas e fariseus que também se dirigem a Jesus, mas para aferir da sua palavra, e por tal razão ao verem o grupo dos pecadores, começa a murmurar sobre a validade e qualidade dessas mesmas palavras.
Temos um grupo que está aberto à boa nova de Jesus, que se sente pecador, porque vive à margem da lei, do cumprimento fiel da lei. Há em cada um deles um vazio que necessita ser preenchido, uma lacuna que necessita ser colmatada pela misericórdia de Deus. E aquele homem que encontram diante de si é a promessa desse preenchimento, é a esperança de que algo pode ser diferente nas suas vidas, apesar da infidelidade e do não cumprimento da lei.
No lado oposto, o grupo dos fariseus e dos escribas está cheio de si mesmo, da sua vaidade e arrogância de cumpridores fiéis da lei de Moisés. Não necessitam de nada porque têm tudo, não necessitam da misericórdia de Deus porque têm as suas leis e o seu cumprimento, tantas vezes vazio de amor mas cheio de presunção do cumprimento exigido. A misericórdia de Deus passa-lhes ao lado porque nas suas forças se consideram justos e perfeitos, não têm necessidade de mais nada e muito menos das palavras de Jesus.
Na parábola do filho pródigo, o irmão mais velho incarna este grupo, é imagem dele, da auto-suficiência e por isso diz ao pai que sempre esteve com ele sem nada lhe exigir, nem mesmo aquilo a que tinha direito. O filho mais velho está encerrado nele e nos seus direitos, na fidelidade da permanência, ainda que vazia de amor e fraternidade. Por esta razão fecha-se não só ao acolhimento do irmão, mas também da bondade e do amor do pai, porque ao não permiti-lo para o irmão e filho pródigo também se exclui ele mesmo desse amor, ou da sua possibilidade na sua vida.
O irmão mais novo, o filho pródigo, pelo contrário é aquele que está aberto a tudo, a um reconhecimento da sua infidelidade e do seu amor, a um processo de regresso a casa já não para ser filho mas para poder ser empregado, a uma desvalorização da sua filiação para poder sobreviver, e finalmente ao perdão e ao acolhimento do pai que esperava por ele ansiosamente.
É um processo ontológico, podemos até dizer psicológico, que caracteriza esta parábola e as outras duas que a precedem, porque tanto na parábola da ovelha perdida, como na da dracma perdida, encontramos a mesma correlação entre a consciência de um bem perdido, um trabalho de busca e encontro e uma alegria final perante o encontro do bem perdido.
É um processo que nos marca, ou nos deve marcar, como também marcou São Paulo, que escutámos na leitura da Carta aos Coríntios. É a consciência da infidelidade que nos leva ao encontro da fidelidade e da misericórdia de Deus. É a consciência da nossa pequenez e egocentrismo que nos leva à grandeza da misericórdia de Deus e ao seu amor por todos os seus filhos.
Amor que o irmão mais velho não soube viver nem quis assumir, mas que a figura de Moisés, que encontrámos na primeira leitura, soube assumir e viveu na experiência teofânica do monte Sinai. É o nosso grande desafio, é a expressão mais radical daquilo que podemos assumir como a nossa fraternidade na sua limitação humana. Como Moisés podemos e devemos interceder pelo outro, devemos acolhê-lo cabalmente, ainda que na sua fraqueza e infidelidade, e apresentá-lo a Deus como uma obra que necessita da sua misericórdia mais que qualquer condenação, nossa ou de outrem.
A parábola do filho pródigo leva-nos assim a tomar consciência das nossas infidelidades, mas também da fraternidade que nos une nessa mesma condição, razão pela qual não podemos excluir ninguém mas bem pelo contrário devemos acolher e interceder por todos.
É um trabalho, uma tarefa que nos devemos propor, mas para a qual devemos solicitar a ajuda e a graça de Deus, porque fundados apenas nas nossas forças inevitavelmente fracassaremos nos limites do nosso egoísmo e egocentrismo. Só o amor de Deus em nós e a sua misericórdia nos pode converter.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    A homília que preparou para o XXIV Domingo do Tempo Comum e que ilustrou de forma tão bela, é um importante texto de “Meditação” para mim. Ao longo da nossa existência, “somos postos à prova”, quase sempre sem esperarmos. A nossa reacção, inicialmente, de compreensão, de amor, de fraternidade, com o passar do tempo, mesmo “sem julgar” coloca-nos dúvidas, na interpretação dos factos, incertezas nas reacções futuras. Afinal, damo-nos conta das nossas “imperfeições”, dos nossos “limites”. Como pecadores todos necessitamos da misericórdia de Deus. Hoje, entendo melhor, a “necessidade de uma brecha por onde possa entrar a luz”, de que falava em 7 de Setembro. Só o auto-conhecimento dos nossos pecados, das nossas fragilidades, a abertura dos nossos corações para que Deus entre, nos permite compreender que os nossos irmãos (as) precisam de compaixão e ficaremos disponíveis para “oferecer” o que necessitam.
    É como afirma ...” É a consciência da nossa pequenez e egocentrismo que nos leva à grandeza da misericórdia de Deus e ao seu amor por todos os seus filhos.” Mas …”É o nosso grande desafio, é a expressão mais radical daquilo que podemos assumir como a nossa fraternidade na sua limitação humana.”

    Oremos para que a ajuda e a graça de Deus nos fortifique e ilumine para que saibamos ter um “coração aberto e uma mão estendida” ao nosso semelhante , nos momentos mais críticos, e imploremos a misericórdia de Deus para todos nós.

    Um grande obrigada por esta partilha, Frei José Cralos. Bem haja.
    Um abraço fraterno, MJS

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