domingo, 11 de outubro de 2009

Homilia Domingo XXVIII do Tempo Comum

Este encontro do jovem rico com Jesus que acabámos de escutar é dos trechos mais tocantes do Evangelho de São Marcos. É um texto que por mais que o leiamos não deixa de nos surpreender, de nos interrogar, de nos colocar na pele daquele jovem que corre a lançar-se aos pés de Jesus. Por esta razão tem sido lido e é de facto um dos textos evangélicos mais vocacionais, um texto que nos interroga a todos, seja qual a seja a nossa condição e vocação, sobre o seguimento de Jesus.
Neste sentido, temos que ter presente que desde o primeiro momento do relato, da história, o autor do texto coloca o acento na pessoa de Jesus. Jesus está de partida e é nesse momento que o jovem vem, se lança aos pés de Jesus, e o interroga, nomeando-o desde o primeiro momento como bom e como mestre. Podemos ver nestes elementos a referência à partida de Jesus deste mundo e ao compromisso que cada um é chamado a viver face ao encontro e à descoberta daquele mestre que é bom.
Face ao tratamento recebido da parte do jovem, Jesus responde-lhe remetendo a bondade para Deus, porque só Deus é verdadeiramente bom. Contudo, ao fazê-lo, Jesus não está só a falar de Deus, do Pai, está também a remeter o jovem para o fundo mais profundo da sua busca. A interrogação do jovem denota uma busca de sentido para a vida, para o cumprimento dos mandamentos aos quais era fiel. Afinal de contas o que o jovem verdadeiramente busca é a Deus, o Deus que os mandamentos ainda não lhe tinham possibilitado conhecer. Os mandamentos e o seu cumprimento eram insuficientes.
A resposta que o jovem procura é dada por Jesus, com o olhar de ternura e amor com que o olha. É pena que a tradução do nosso Leccionário use a palavra simpatia para descrever a forma como Jesus olhou o jovem, porque o olhar de Jesus foi muito mais forte, foi de verdadeiro amor, paixão, podemos dizer de encantamento. É um olhar que não é de satisfação ou simpatia por ter diante dele um verdadeiro cumpridor dos mandamentos, mas por ter alguém que busca para além do cumprimento dos mandamentos, alguém que aspira a mais do que vive zelosamente.
E o desastre deste jovem é que não tenha cruzado o seu olhar com o olhar de Jesus, que se tenha deixado ficar apenas pelas palavras exigentes de Jesus de se desprender de tudo o que tinha e que o seguisse na pobreza e não tivesse visto o amor com Jesus o olhava e o esperava disponível e pobre.
Com a retirada entristecida do jovem, o autor do Evangelho mostra-nos imediatamente que Jesus não falava apenas para aquele jovem, que as suas palavras se dirigiam também aos discípulos que assistiam a toda a cena. Uma vez mais Jesus confronta aqueles que o seguem com as suas aspirações e desejos de poder e glória. Uma vez mais Jesus coloca em questão a fidelidade que lhe devotavam, uma fidelidade que não pode estar dependente de compensações, de retribuições, fundada em cumprimentos escrupulosos, mas que tem que estar fundada e radicada no amor, naquele olhar de encantamento que os fez um dia abandonar tudo e segui-lo.
A resposta de Jesus ao jovem rico mostra-lhe, bem como a nós e aos seus discípulos, que no seguimento de Jesus, na resposta ao chamamento de Deus, não conta muito a quantidade, não há necessidade de mais mandamentos ou formas escrupulosas de cumprimento, bem pelo contrário há uma necessidade de simplicidade, de um abandono confiante na palavra de Deus, há uma necessidade de pobreza natural para que o seguimento seja efectivo e verdadeiro.
À luz das palavras de Jesus a pobreza não conta por si mesma, não vale por si mesma, ela é apenas válida e deve apenas ser vivida na medida em que Jesus Cristo é o centro da vida e portanto há necessidade de nos esvaziarmos de nós, das nossas coisas, das nossas riquezas para que Ele possa estar e habitar connosco.
Um dominicano do século XIV, o Mestre Eckhart, diz que a possibilidade da habitação de Deus em nós, do nosso conhecimento de Deus, é equivalente à nossa pobreza, neste sentido de capacidade de nos desprendermos de tudo, desde o material às concepções mentais do próprio Deus. Só na medida em que nos esvaziarmos de tudo, na medida em que formos verdadeiramente pobres, Deus se poderá dar a conhecer.
A pobreza evangélica tem assim uma dimensão positiva, libertadora, eleva e disponibiliza para o acolhimento das realidades escondidas do Reino de Deus. Se não for assim, se tiver uma dimensão negativa e restritiva, a pobreza que vivamos não será evangélica nem nos possibilitará o encontro com Deus.
Neste sentido, escolher cristãmente a pobreza é escolher e optar por meios que nos possibilitem uma comunhão mais íntima com Deus, é participar dessa sabedoria de que fala a primeira leitura.
Neste domingo em que o Senhor nos convida a segui-lo livres de tudo, pobres, saibamos libertar-nos do que nos impede de cruzarmos o nosso olhar com o seu olhar de amor.

3 comentários:

  1. Podemos também partilhar bens como: a amizade, a música..., bens “onde o ladrão não chega nem a traça rói”.Marcela

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  2. Ao libertar-nos de tudo e segui-LO, seremos ricos em muitas terras, casas e amigos.

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  3. A verdadeira pobreza está no íntimo do nosso coração.

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