Tiago e João foram pedir ao Senhor que lhes concedesse sentarem-se à sua direita e à sua esquerda. Foi um pedido bastante ousado e por isso criticado pelos demais discípulos, pois também eles aspiravam no seu intimo aos mesmos lugares, fazer o mesmo pedido ao Senhor Jesus.
Mas se para os outros discípulos foi um pedido que não os deixou indiferentes, também a nós não nos devia deixar indiferentes, porque afinal todos aspiramos ao mesmo, no fundo todos acalentamos o mesmo desejo de glória e poder, e por isso o pedido de João e Tiago devia provocar-nos tanto como provocou os demais discípulos. Queremos ou não sentar-nos à direita e à esquerda de Jesus no seu reino de glória?
Não podemos deixar de assumir que todos, qualquer um de nós, aspiramos aos melhores lugares. Está-nos, como se diz, na massa do sangue e podemos confirmar esta afirmação se tivermos em conta como nos comportamos numa realidade tão simples e tão banal como é o cinema. Não queremos nem a primeira fila nem a última e se for possível que o vendedor nos consiga queremos um lugarzinho ali pelo centro da sala, onde podemos visionar o filme com maior conforto. Afinal desejamos sentar-nos à direita ou à esquerda, desejamos o melhor lugar.
Por esta razão, porque de facto é da nossa natureza e pode levar-nos a um bom porto, Jesus não repreende nem recrimina os discípulos pelo pedido que lhe fazem. É como se fosse verdadeiramente natural que eles quisessem aqueles lugares, que aspirassem a eles. Contudo, aceder a eles, a qualquer lugar no Reino dos Céus é consequência de um conjunto de condições prévias, de um compromisso que Jesus traduz em beber o cálice que Ele mesmo vai beber.
Perante a interrogação da possibilidade de assumirem ou não essas condições Tiago e João respondem positivamente e Jesus corrobora essa resposta dizendo que eles de facto beberão do mesmo cálice que Ele beberá. Este diálogo mostra-nos a real possibilidade de respondermos ao seguimento de Jesus, à sua possibilidade na nossa vida. É de facto possível, mas para tal temos que confrontar a nossa vida, os nossos gestos quotidianos com a vida de Jesus, a vida verdadeira de Jesus.
E aqui, nesta confrontação, podemos cair em duas tentações, uma primeira que tende a ver no serviço, na generosidade, na nossa acção activa e participativa a forma concreta do seguimento de Jesus. A outra tentação tende a ver em tudo o que acontece a presença de Deus, a actividade de Deus, um certo fatalismo divino que nos deixa muito tranquilos porque Deus afinal cuida de tudo e não nos abandonará.
Mas o seguimento de Jesus é muito mais que estas duas possibilidades, ultrapassa-as em exigência e profundidade. O seguimento de Jesus é esse serviço ao outro que não fica apenas pelo serviço mas que vai até à entrega em resgate, pela redenção. No serviço, na disponibilidade para servir o outro, para o ajudar nas suas necessidades, há uma parte de nós próprios que permanece, que não é entregue. Continuamos ainda senhores de qualquer coisa nossa, como seja a possibilidade de colocar fim à mesma entrega e serviço. Continuamos ainda donos e senhores.
Isto é visível de uma forma transparente nos leigos e grupos que fazem voluntariado missionário. Todos eles entregam um pouco da sua vida, da sua pessoa, do seu projecto aos outros, ao serviço dos outros. Contudo é sempre um tempo limitado, um período da vida, um momento, que não permite a experiência do dom total porque há sempre um poder de retirada, de salvaguarda. Com isto, não quero criticar de forma alguma estes grupos e estas pessoas, bem pelo contrário, quem dera que houvesse muito mais. Ao referi-las aqui e neste dia das missões é apenas com o intuito de exemplificar a limitação que pode acontecer no serviço que pretendemos considerar como seguimento de Jesus.
Porque quando Jesus fala do serviço a que nos convida, fala imediatamente de doação de vida, de entrega total e sem limites. Para ele esse é verdadeiramente o único serviço no contexto do Reino dos Céus. E isto é assim porque no contexto do serviço com doação de vida o que é nosso deixa de o ser, até mesmo a nossa vontade e disponibilidade. Como num resgate somos a moeda de troca, aquela realidade que pode resgatar o outro da situação em que se encontra, seja ela de violência, de fome ou miséria, ou de pecado. E neste estado e contexto já não somos nada, já não temos qualquer poder, são os outros que decidem sobre nós e a nossa vida e serviço.
Os milhares de religiosos e religiosas missionárias que entregam as suas vidas à missão nos diversos países são a expressão, ou a tentativa de expressão, desta realidade do serviço doação no seguimento de Jesus. Eles não têm um prazo de serviço, nem vão ou estão porque querem acrescentar alguma coisa ao seu curriculum, ou querem ter uma experiência radical para recordarem e mais tarde contarem aos netos. Eles doaram a sua vida, e não propositadamente à missão, mas a alguém que os leva a essa missão, a alguém pelo qual estão com os pobres e os marginalizados porque neles revêem aquele a quem se entregaram.
Não podemos deixar de dizer que tudo isto não é mais que um negócio de amor, um grande negócio de amor, uma teia negocial que se vai tecendo e vai crescendo à medida que a entrega é cada vez maior e mais radical, mais despojada de qualquer compensação, até espiritual.
Todos nós ficámos de alguma forma chocados quando ouvimos nas notícias que a Madre Teresa de Calcutá tinha passado por momentos de dúvida, de nocturna aridez espiritual. Contudo, e apesar disso ela não abandonou a sua missão, o seu serviço, manteve-se firme e constante porque a sua entrega e o seu serviço não era limitado, não tinha barreiras, nem na sua própria satisfação espiritual. Ela estava ali com os pobres, pobres a quem se entregava como resgate para os libertar da sua condição e miséria, e isso é que era importante, isso é que era irrenunciável.
Nela e na sua vida, e à semelhança e continuidade de Jesus, vemos as palavras do profeta Isaías, essas palavras que nos garantem que o servo esmagado pelo sofrimento, a partir do momento em que se entrega e oferece como resgate verá a luz e será saciado da sabedoria, encontrará a justificação para si e para os demais.
Peçamos ao Senhor que nos continue a dar o desejo de nos sentarmos no seu reino, que nos continue a dar forças para nos libertarmos das nossas possessões e o servirmos em radical entrega.
Mas se para os outros discípulos foi um pedido que não os deixou indiferentes, também a nós não nos devia deixar indiferentes, porque afinal todos aspiramos ao mesmo, no fundo todos acalentamos o mesmo desejo de glória e poder, e por isso o pedido de João e Tiago devia provocar-nos tanto como provocou os demais discípulos. Queremos ou não sentar-nos à direita e à esquerda de Jesus no seu reino de glória?
Não podemos deixar de assumir que todos, qualquer um de nós, aspiramos aos melhores lugares. Está-nos, como se diz, na massa do sangue e podemos confirmar esta afirmação se tivermos em conta como nos comportamos numa realidade tão simples e tão banal como é o cinema. Não queremos nem a primeira fila nem a última e se for possível que o vendedor nos consiga queremos um lugarzinho ali pelo centro da sala, onde podemos visionar o filme com maior conforto. Afinal desejamos sentar-nos à direita ou à esquerda, desejamos o melhor lugar.
Por esta razão, porque de facto é da nossa natureza e pode levar-nos a um bom porto, Jesus não repreende nem recrimina os discípulos pelo pedido que lhe fazem. É como se fosse verdadeiramente natural que eles quisessem aqueles lugares, que aspirassem a eles. Contudo, aceder a eles, a qualquer lugar no Reino dos Céus é consequência de um conjunto de condições prévias, de um compromisso que Jesus traduz em beber o cálice que Ele mesmo vai beber.
Perante a interrogação da possibilidade de assumirem ou não essas condições Tiago e João respondem positivamente e Jesus corrobora essa resposta dizendo que eles de facto beberão do mesmo cálice que Ele beberá. Este diálogo mostra-nos a real possibilidade de respondermos ao seguimento de Jesus, à sua possibilidade na nossa vida. É de facto possível, mas para tal temos que confrontar a nossa vida, os nossos gestos quotidianos com a vida de Jesus, a vida verdadeira de Jesus.
E aqui, nesta confrontação, podemos cair em duas tentações, uma primeira que tende a ver no serviço, na generosidade, na nossa acção activa e participativa a forma concreta do seguimento de Jesus. A outra tentação tende a ver em tudo o que acontece a presença de Deus, a actividade de Deus, um certo fatalismo divino que nos deixa muito tranquilos porque Deus afinal cuida de tudo e não nos abandonará.
Mas o seguimento de Jesus é muito mais que estas duas possibilidades, ultrapassa-as em exigência e profundidade. O seguimento de Jesus é esse serviço ao outro que não fica apenas pelo serviço mas que vai até à entrega em resgate, pela redenção. No serviço, na disponibilidade para servir o outro, para o ajudar nas suas necessidades, há uma parte de nós próprios que permanece, que não é entregue. Continuamos ainda senhores de qualquer coisa nossa, como seja a possibilidade de colocar fim à mesma entrega e serviço. Continuamos ainda donos e senhores.
Isto é visível de uma forma transparente nos leigos e grupos que fazem voluntariado missionário. Todos eles entregam um pouco da sua vida, da sua pessoa, do seu projecto aos outros, ao serviço dos outros. Contudo é sempre um tempo limitado, um período da vida, um momento, que não permite a experiência do dom total porque há sempre um poder de retirada, de salvaguarda. Com isto, não quero criticar de forma alguma estes grupos e estas pessoas, bem pelo contrário, quem dera que houvesse muito mais. Ao referi-las aqui e neste dia das missões é apenas com o intuito de exemplificar a limitação que pode acontecer no serviço que pretendemos considerar como seguimento de Jesus.
Porque quando Jesus fala do serviço a que nos convida, fala imediatamente de doação de vida, de entrega total e sem limites. Para ele esse é verdadeiramente o único serviço no contexto do Reino dos Céus. E isto é assim porque no contexto do serviço com doação de vida o que é nosso deixa de o ser, até mesmo a nossa vontade e disponibilidade. Como num resgate somos a moeda de troca, aquela realidade que pode resgatar o outro da situação em que se encontra, seja ela de violência, de fome ou miséria, ou de pecado. E neste estado e contexto já não somos nada, já não temos qualquer poder, são os outros que decidem sobre nós e a nossa vida e serviço.
Os milhares de religiosos e religiosas missionárias que entregam as suas vidas à missão nos diversos países são a expressão, ou a tentativa de expressão, desta realidade do serviço doação no seguimento de Jesus. Eles não têm um prazo de serviço, nem vão ou estão porque querem acrescentar alguma coisa ao seu curriculum, ou querem ter uma experiência radical para recordarem e mais tarde contarem aos netos. Eles doaram a sua vida, e não propositadamente à missão, mas a alguém que os leva a essa missão, a alguém pelo qual estão com os pobres e os marginalizados porque neles revêem aquele a quem se entregaram.
Não podemos deixar de dizer que tudo isto não é mais que um negócio de amor, um grande negócio de amor, uma teia negocial que se vai tecendo e vai crescendo à medida que a entrega é cada vez maior e mais radical, mais despojada de qualquer compensação, até espiritual.
Todos nós ficámos de alguma forma chocados quando ouvimos nas notícias que a Madre Teresa de Calcutá tinha passado por momentos de dúvida, de nocturna aridez espiritual. Contudo, e apesar disso ela não abandonou a sua missão, o seu serviço, manteve-se firme e constante porque a sua entrega e o seu serviço não era limitado, não tinha barreiras, nem na sua própria satisfação espiritual. Ela estava ali com os pobres, pobres a quem se entregava como resgate para os libertar da sua condição e miséria, e isso é que era importante, isso é que era irrenunciável.
Nela e na sua vida, e à semelhança e continuidade de Jesus, vemos as palavras do profeta Isaías, essas palavras que nos garantem que o servo esmagado pelo sofrimento, a partir do momento em que se entrega e oferece como resgate verá a luz e será saciado da sabedoria, encontrará a justificação para si e para os demais.
Peçamos ao Senhor que nos continue a dar o desejo de nos sentarmos no seu reino, que nos continue a dar forças para nos libertarmos das nossas possessões e o servirmos em radical entrega.
Sinto que este negócio de amor entre Ele e nós,subjugados pela miséria humana de que todos padecemos,eivado de nocturna aridez espiritual, reflectida muitas vezes na aparente indisponibilidade da entrega ao outro,tem a graça de Deus como compensação.
ResponderEliminarOlá Frei José Carlos,
ResponderEliminarDesistiu de publicar as suas homilias?
Fazem-me falta pela profundidade espiritual, pela adaptação à realidade da minha vivência e porque me ajudam a gerar o silêncio de que tanto necessito.
Uma grata e verdadeira amiga