terça-feira, 6 de outubro de 2009

O silêncio a viver

A Igreja celebra hoje a memória de São Bruno o fundador dos Cartuxos, essa forma de vida religiosa tão austera e tão estranha às nossas formas de vida tão mundanas e ruidosas.
O filme de Philip Gröning “O Grande Silêncio” trouxe ao nosso mundo as imagens dessa vida estranha e silenciosa, saciando essa curiosidade que todos nós desenvolvemos por aquilo que nos escapa, que não faz parte do nosso mundo quotidiano.
Contudo, para nós religiosos, o silêncio, o da grande Cartuxa, o dos mosteiros ou conventos, não devia ser algo estranho, uma extravagância, mas uma realidade na qual nos movemos ou devíamos mover, uma realidade constante da nossa vida.
Todos os fundadores de Ordens religiosas prescreveram o silêncio como alma e guarda da observância regular, porque se o religioso observa bem o silêncio, se vive na sua cela, não a abandonando senão para o Oficio Divino ou para os seus trabalhos comunitários ou de apostolado, se no silêncio se ocupa na oração e no estudo, acaba por se tornar num homem de oração que recebe de Deus todo o tipo de graças e consolações espirituais.
A insistência que os fundadores e grandes mestres espirituais colocam no silêncio radica nessa expressão do Livro dos Provérbios “o homem que não pode guardar o silêncio é semelhante a uma cidade aberta, continuamente exposta às incursões dos seus inimigos”. A falta de silêncio permite todos os desmandos e desatinos, todos os desvarios.
Para os Frades Pregadores o silêncio é ainda uma realidade mais premente e exigente, pois o seu fundador São Domingos guardava perfeitamente o silêncio, não falando senão com Deus ou de Deus. E as Constituições desde o primeiro momento não deixam de apelar à guarda desse silêncio como ambiente natural às casas de pregação. Convém aqui recordar que as primitivas Constituições não prescreviam o recreio, ou convívio após as refeições, bem pelo contrário recomendavam que após cada refeição os irmãos se retirassem para o estudo ou para a oração. O silêncio devia imperar e marcar todas as acções pessoais e comunitárias.
Numa sociedade da comunicação e do ruído de fundo como é a nossa, ruído esse que ataca mesmo os conventos, aqueles que deviam ser espaços por excelência de silêncio, é cada vez mais difícil conservar o silêncio, fazermos silêncio. Quando vimos do mundo exterior e procuramos integrar-nos numa vida conventual esse desafio é ainda maior e a grande tentação é distrairmo-nos, é fugirmos a esse silêncio que inevitavelmente e quase por graça acaba por existir.
Nestes momentos, e como diz São Basílio, a observância mais rigorosa é o melhor caminho para não nos afastarmos, para aprendermos a guardar e a fazer silêncio. Não há receitas mágicas, há apenas tentativas e lutas, um combate individual que não pode deixar de se exercitar. Procuremos fazê-lo, eu e tu, porque necessitamos ambos dele.
A fotografia é do claustro da Cartuxa de Évora. Espero que nos ajude a partilhar nem que seja por momentos o silêncio prenhe de graça que ali se respira.

1 comentário:

  1. Gostei imenso de ler estas palavras sobre o Mosteiro dos cartuxos de Scala Coeli de Evora.Curiosamente sempre foi estrita a relação entre Dominicanos e Cartuxos em Evora.

    De qualquer forma,como estou a prepara uma tese de mestrado sobre o Convento de S.Domingos de Abrantes, agradeço se tiver alguma noticia que me contacte para Paulo Falcão Tavares :stilet@hotmail.com.
    Muito obrigado.

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