domingo, 4 de outubro de 2009

Homilia Domingo XXVII do Tempo Comum

O Evangelho de São Marcos deste domingo apresenta-nos uma vez mais um momento de conflito de Jesus com os fariseus, esse grupo ideológico religioso do qual Jesus até era bastante próximo.
Desta feita a questão colocada, ou a resposta pretendida, era algo que qualquer judeu podia dar, pois, e como eles próprios afirmam estava estabelecida na lei de Moisés toda a regulamentação jurídica para estas situações de adultério. Eles sabiam muito bem o que se devia fazer ou deixar de fazer.
A questão colocada pelos fariseus tem no entanto outro objectivo, é uma vez mais uma armadilha para apanhar Jesus na coerência das suas afirmações. Se Jesus defende o repúdio estipulado pela lei, os fariseus podiam dizer que ele não ensinava nada de novo e por isso não havia motivo para aquelas gentes andarem atrás de Jesus e terem por ele tanta admiração. Pelo contrário, se Jesus se manifesta contra o repúdio manifestar-se-ia contra a lei e contra Moisés e portanto devia ser condenado, não devia ser seguido por ninguém pois era alguém que se colocava fora da normalidade da lei.
Esta polémica compreende-se se nós assumirmos e presumirmos que Jesus no seu ensinamento, que nas palavras que dirigia à multidão, antes de ser interrompido bruscamente pelos fariseus, falava do matrimónio, da dignidade que lhe é inerente e da igualdade em que se situam o homem e a mulher nessa realidade humana. As palavras que se seguem e que são a resposta de Jesus podem confirmar-nos de certa forma que de facto era esse o tema em questão, o tema do seu ensinamento, e que estava a extrapolar os esquemas assumidos pela lei de Moisés.
Colocado com esta questão perante uma situação de necessidade de uma resposta verdadeira e coerente, Jesus enfrenta os fariseus remetendo a fundamentação da sua doutrina e do que ensinava para o momento da criação. Era ali que estava a verdade do que ensinava e da natural relação entre o homem e a mulher. Não era a lei de Moisés que vinculava o homem à mulher, mas era a própria obra da criação, era a acção criadora de Deus.
No relato da criação apresentado pelo livro do Génesis é interessante nós notarmos que num primeiro momento o homem, depois de ter denominado todos os animais, procura uma auxiliar semelhante a ele. Estamos, se assim o podemos dizer, num primeiro estágio evolutivo, em que o homem age e procura pela necessidade que tem de uma auxiliar. Neste contexto a mulher é ainda algo inferior, como um objecto que se quer e do qual se pode tomar posse.
Depois do sono profundo e da criação da mulher da sua própria carne, o homem já não reconhece a mulher como um objecto, como uma propriedade, mas verdadeiramente como parte de si próprio e portanto reconhecível e denominável como mulher. A mulher é igual a ele, mas é igual na diferença que os distingue e os torna complementares. Por esta razão o homem e a mulher deixarão os seus pais, os seus núcleos familiares e tribais, para se unirem um ao outro e formarem uma só carne, uma unidade que nasce da diferença.
Para nós e na nossa sociedade esta dinâmica tornou-se complexa e bastante difícil pois a união de um homem e uma mulher passou a conceber-se de uma forma puramente contratual, uma união fundada sobre o livre arbítrio de cada uma das partes e o voluntarismo, que só por si não é suficiente para garantir o sucesso da mesma. Para além do individualismo que marca a nossa cultura e sociedade e que tem inevitavelmente um peso condicionante na forma como as pessoas se unem.
Perante este panorama temos que ter presentes as verdades antropológica e teológica que marcam o relato bíblico da criação e as palavras de Jesus e resgatá-las para a nossa actualidade e vivência quotidiana das relações e muito particularmente da relação homem mulher.
Antes de mais temos que ter presente e não esquecer a dimensão sexual, ou de género como agora se quer dizer, que marca cada homem e mulher. É uma dimensão inalienável do nosso ser e forma de estar com os outros, é de facto um dom que inevitavelmente conduz à comunhão, e por isso não pode ser deixado de cultivar e cuidar. Se o não fizermos estaremos a encerrar-nos num casulo doentio de narcisismo que jamais nos possibilitará a comunicação verdadeira com o outro. Na união matrimonial esta dimensão viabiliza o dom e o conhecimento total, bem como nos celibatários pois também estes não deixam de ser sexuados e com necessidade de se comunicarem com o outro e de se entregarem para se realizarem.
Depois temos que ter presente o outro como criatura de Deus, como um dom à vida pessoal e por tal digno de todo o respeito e consideração, de toda a liberdade e verdade. Sem liberdade e sem verdade não há verdadeira relação, nem verdadeiro amor, pois como disse Bento XVI o amor desprovido de verdade é puro sentimentalismo. O outro e uma relação que se quer que exista não podem abdicar dessa verdade e liberdade. Verdade de cada um dos componentes, liberdade para estar, verdade e liberdade da própria dinâmica da relação.
Por fim não podemos deixar de referir, e tendo presente o acolhimento que Jesus faz das criancinhas e como as apresenta como modelo, que na relação é importante este reconhecimento da dependência e interdependência de cada um de nós, que é importante a dimensão da humildade no acolhimento do outro. Nenhum de nós está sozinho no mundo e portanto necessita tanto de ser acolhido como de acolher o outro. Jesus convida-nos a fazê-lo com a humildade e o sentido de dependência que é natural às crianças, porque desta forma estaremos também a manifestar e a construir o reino de Deus. O reino de Deus é um acolhimento humilde do Outro nos outros.
Peçamos assim ao Senhor que nos conceda a humildade de acolher os homens e as mulheres na liberdade e autonomia, nas suas diferenças, e que através das nossas mutuas diferenças saibamos construir a complementaridade que leva à união e à aliança que manifesta a própria natureza e presença de Deus entre nós.





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