domingo, 9 de abril de 2017

Homilia do Domingo de Ramos da Paixão do Senhor

A entrada de Jesus em Jerusalém, recordada e celebrada na procissão dos ramos, assinala o início da grande semana do ano litúrgico, da Semana Santa, da grande semana que nos oferece contemplar e viver o grande mistério da nossa redenção.
Assim, ao darmos início a esta Semana, temos que olhar para essa descida de Jesus desde Betânia até Jerusalém, descida que termina com a entrada na cidade santa de Jerusalém. O movimento que o Evangelho nos apresenta associa-se ao movimento de kenosis que o Filho viveu em todo o mistério da Encarnação.
Tal como nos recordava São Paulo na leitura da Carta aos Filipenses, o Filho não se valeu da igualdade com Deus, mas assumindo a condição de servo humilhou-se até à morte e morte de cruz. Aquele que habitava na glória das alturas assume a condição humana, baixa-se a essa servidão para poder libertar o homem do poder da morte. E para significar de forma mais veemente esse abaixamento, esse despojamento divino para elevar a condição humana, Jesus entra na cidade santa montado num jumentinho, filho de uma jumenta.
Diz-nos o evangelista que tal acontece para se realizar a profecia, mas acontece também para significar o mistério inerente à redenção humana operada por Jesus. Na língua hebraica a raiz da palavra jumento é a mesma da palavra húmus, a lama de que o homem foi feito por Deus.
Desta forma, ao colocar-se sobre um jumentinho para entrar na cidade santa, Jesus assume a condição humana na sua fragilidade de pó da terra e sob a sua glória faz com que ela seja introduzida na divindade. O jumentinho sobre o qual Jesus entra em Jerusalém pode-se dizer, é uma metáfora do mistério da encarnação e da redenção. Jesus eleva a nossa humanidade à divindade.
Face a este mistério, e ao iniciarmos a Semana Santa, não podemos deixar de nos interrogar sobre a forma como de facto assumimos na nossa corporeidade e na relação com os outros este movimento operado por Jesus, essa elevação que nos alcançou com o seu abaixamento, com o seu aniquilamento. Viveremos condignamente a nossa condição de resgatados das forças e dos laços da morte?
É o acolhimento desta libertação que nós vemos patente naqueles que estendem as suas capas à passagem de Jesus. Podemos pensar num gesto de glorificação, mas temos que pensar no significado de confiança que representa este acto. Aqueles que lançavam as capas aos pés do jumentinho onde Jesus seguia estavam cheios de confiança e de esperança, tinham deixado de sentir necessidade de uma protecção física ou material, porque o verdadeiro protector vinha até eles.
Podemos dizer que à luz deste gesto, tal como Jesus se tinha despojado da sua glória também aqueles homens se dispunham a despojar da protecção humana para serem acolhidos sob a protecção daquele que vinha como Rei e Senhor, como Messias. É o acolhimento que é necessário realizar, confiante, esperançado, fiel, perseverante.
Acolhimento que volta a estar patente no momento em que Jesus envia os seus discípulos a casa de uma tal pessoa para celebrar lá a Páscoa. A ordem é clara: é em tua casa que quero celebrar a Páscoa. A não identificação da pessoa coloca-nos a todos em jogo, pois na casa de cada um de nós Jesus quer celebrar a Páscoa.
No livro do Apocalipse vamos encontrar esta mesma referência e necessidade, quando se diz que Jesus bate à porta e espera que se abra, pois àqueles que lhe abrirem a porta ele a transporá e celebrará uma ceia com eles. Jesus vem ao nosso encontro, deseja entrar na nossa casa, fazer-se íntimo de cada um de nós, e se lhe abrirmos a porta oferecer-nos-á uma ceia que não podemos deixar de dizer que é ele próprio, o seu corpo divino.
Estes mistérios são celebrados nesta grande Semana Santa, pois na Quinta-feira Santa celebraremos a instituição da Eucaristia, do mistério do Corpo que nos é entregue para alimento, na Sexta-feira Santa a Paixão e morte de Jesus, a redenção da nossa corporeidade, e no Sábado Santo o grande silêncio que precede a revolução da Ressurreição celebrada na Vigília da noite Pascal.
Procuremos pois viver e celebrar dignamente estes dias, conscientes do grande mistério em que estamos envolvidos e do grande dom que nos é feito, depois da paixão e da morte que Jesus sofreu por nós, na ressurreição somos ressuscitados com ele.

 
Ilustração:
1 – “Entrada de Jesus em Jerusalém”, de Andrey Mironov.
2 – “Entrada em Jerusalém”, atelier de Pieter Coecke van Aelst, Bonnefanten Museum, Maastricht.
                                                                             

1 comentário:

  1. Grata,pela partilha da Homilia do Domingo de Ramos da Paixão do Senhor,muito esclarecedora e rica de sentido,para prosseguirmos a Semana Santa com maior profundidade na vivência destes Santos Mistérios.Obrigada,Frei José Carlos por todo o seu apoio.Que o Senhor o ilumine e o proteja.Desejo-lhe uma boa Semana Santa com muita Paz.
    Um abraço fraterno.
    AD

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