domingo, 23 de abril de 2017

Homilia do II Domingo da Páscoa

Com alguma frequência encontramos amigos, mais velhos ou mais novos, que nos dizem que gostavam de saber mais sobre Jesus, que é uma pena que os Evangelhos não nos contem mais coisas sobre a vida de Jesus, a sua infância, a sua vida de família, as suas relações de amizade e até da sua doutrina. À primeira vista parece que necessitam de uma biografia e de uma colecção das suas obras completas, como se realiza para os grandes escritores e pensadores.
Para estes amigos e para este desejo de conhecimento, o Evangelho de São João que escutámos dá-nos a resposta. O que nos foi escrito, contado, transmitido, é para que acreditemos que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que acreditando tenhamos a vida em seu nome. Assim, não temos necessidade de uma biografia, não necessitamos de saber mais, necessitamos de saber o necessário para acreditar que Jesus é o Messias e o Filho de Deus, e é isso que os Evangelhos nos transmitem, e a partir daí tenhamos a vida divina.
Neste sentido, e neste conhecimento que nos é facultado, a leitura do Evangelho de São João que escutámos revela-nos alguns dados fundamentais como são a presença de Jesus na história dos homens e de cada um de nós.
O primeiro sinal desta presença é-nos dado quando Jesus se apresenta no meio dos discípulos reunidos em casa e com a porta fechada. Jesus faz-se presente não só porque tinha prometido que onde estivessem dois ou três reunidos em seu nome estaria presente, mas porque tem essa capacidade de se fazer presente, já revelada quando no monte Tabor se transfigura diante de Pedro, Tiago e João. Não é uma presença mística, unicamente espiritual, é uma presença concreta na sua realidade humana e divina, e por isso pode apresentar-lhes as mãos com as feridas dos cravos e pode aparecer e desaparecer gloriosamente. Algo que nunca tinha feito antes.
O segundo sinal da sua presença é-nos revelado na segunda aparição, oito dias depois, quando estando já Tomé presente lhe apresenta as mãos e o lado para experimentação da sua realidade, demonstrando assim a sua presença oculta aquando da manifestação de Tomé de querer tocar e ver com os seus sentidos humanos a nova realidade daquele que conhecia como Mestre.
Para aqueles que hoje dizem que gostavam de ver Jesus, de falar com ele, não podemos deixar de lhes responder que Jesus está presente, que está ao nosso lado, que nos escuta e que nos apresenta as respostas que buscamos, ainda que sejam de uma forma completamente diferente daquelas que imaginámos ou expectávamos. Que é a partir dos Evangelhos que podemos e devemos estabelecer um diálogo.
A história de Tomé vai contudo mais longe, é mais radical, pois mostra-nos que Jesus está também presente quando lhe fechamos as portas, quando nos encerramos em nós próprios, quando temos dúvidas e questões, quando colocamos em causa o que nos é revelado, a nossa fé, quando pecamos. Deus está presente nessas fronteiras, nessa marginalidade, se assim podemos dizer, para nos estender a mão, para nos erguer, para nos responder, para nos libertar e reintegrar na vida que nos alcançou com o seu sacrifício de vida. Jesus não se ausentou da nossa humanidade, está presente de uma outra forma.
A manifestação de Jesus ressuscitado a Tomé revela-nos também a misericórdia de Deus, a continuidade do amor e da confiança de Jesus naqueles que escolheu para seus discípulos e amigos. Apesar das questões de Tomé e do seu desejo de querer ver e tocar, Jesus não o condena, nem o critica, assim como não o faz com nenhum dos discípulos. Não há qualquer juízo, qualquer discurso, mas apenas a manifestação da pessoa que conheciam e que deve continuar a ser acreditada, tida como viva e presente.
É esta experiência, poderíamos dizer este acolhimento do dom da presença, que permite fazer a profissão de fé. Num primeiro momento, e quando os discípulos comunicam a Tomé a aparição de Jesus, dizem-lhe que tinham visto o Senhor. Fazem já pela experiência presencial vivida a profissão de fé em Jesus como Senhor. Tomé, face à oferta de Jesus ressuscitado, à presença total que lhe é oferecida pessoalmente, vai mais longe e reconhece em Jesus não apenas o Senhor, o Messias, mas também o Filho de Deus, a divinidade presente na sua vida e busca.
Na vida e na história de cada um de nós esta presença é constante, e por isso o que nos é pedido é que não tenhamos medo de estender a mão, de querer ver e tocar, de querer o encontro pessoal e radical. Como nos diz a Carta de São Pedro, necessitamos amar, necessitamos acreditar com amor, e ainda que tenhamos que passar por provas, a fé em Jesus Cristo ressuscitado, presente no meio de nós, será sempre fonte de alegria inefável, fortaleza para continuar a buscar e a testemunhar verdadeiramente.

 
Ilustração:
1 – “Aparição a Tomé”, de Franciszek Smuglewicz, Museu Nacional de Varsóvia.
2 – “Aparição de Cristo aos Apóstolos”, de Andrey Mironov.

1 comentário:

  1. Souvent il n´est pas si simple, même si nous le voulons... Sr. T. Jesus

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