quarta-feira, 19 de maio de 2010

Ponferrada...

Há dez dias que não dou notícias do Caminho e neste momento encontro-me em Ponferrada, num final de mais uma etapa que nos aproxima de Santiago. Falta uma semana.
Os dias que passaram foram dias muito intensos, pelos quilómetros feitos, pelo tempo, pelo cansaço, pelas experiências vividas e partilhadas, até pelas próprias condições fisicas que já não são as mesmas da primeira semana. A mochila ainda que tenha o mesmo que no primeiro dia parece que pesa mais uns quilos e os pés já não são apresentáveis a ninguém. Mas é o Caminho e como eu estão muitos outros, alguns ainda piores, outros que já tiveram que desistir e voltar a casa sem o objectivo cumprido.
Posso dizer que nestes dias apanhei de tudo, chuva, uma manhã belissima de neve, e ontem e hoje muito calor. Apesar do desconforto prefiro caminhar à chuva, passar frio, porque o calor deixa-me muito mais fatigado, e como dizia o frei Filipe antes da minha partida o bronzeado dos braços já parece o dos camionistas. Acho que até está pior...
Foram dias também de muita oração, pessoal, por causa do tempo e do isolamento que inevitavelmente genera, vamos meditando e rezando enquanto vamos encerrados nas nossas capas de chuva e abrigos contra o vento; comunitária, porque não só tive o privilégio de celebrar a Eucaristia todos os dias como também de participar em momentos que algumas comunidades foram organizando em alguns locais como Carrion de los Condes e Rabanal del Camino. Se no primeiro lugar são umas irmãs missionárias que animam a oração após o jantar comum que convidam a partilhar, no segundo lugar foram os monges beneditinos que nos brindaram com as Vésperas e Completas cantadas em latim.
Creio que o Caminho está a necessitar destes momentos, destes sinais, porque infelizmente e sobretudo desde León encontramos gente que está mais por turismo que por qualquer outra razão. Aliás, essa é uma das muitas críticas que se ouvem a muitos estrangeiros e até voluntários dos albergues, o Caminho transformou-se num turismo barato e isso inevitavelmente interfere com quem o está a fazer por outras razões ou que procura uma experiência de silêncio.
Estes dias foram também dias de encontros, com italianos com quem me tenho cruzado bastantes vezes ao longo dos dias, sempre exuberantes, com alemães com quem celebrei num albergue ainda que não entendessem nada do que eu estava a dizer e eu tão pouco do que eles disseram nas petições que fizeram, e com franceses, dos quais recordo um casal que vinha já de Arre e portanto levava já mais de um mês de caminhada. Foi uma alegria partilhar o jantar com eles.
A passagem por León possibilitou-me a visita e estadia com os irmãos da Virgem del Camino, uma estadia para descansar, sobretudo dos "ronquilhos" que todas as noites alegram o nosso sono ou despertar, e para recuperar um pouco as forças. Foi também o momento para conhecer aquele convento, a basilica da Virgen del Camino com toda a expressividade simbólica com que foi construida e a comunidade que ali vive e presta assistência aos muitos frequentadores e peregrinos do santuário.
Foi ali, num momento de partilha após o café que a pergunta surgiu como um tiro disparado no escuro e a necessitar de um alvo. Porque desapareceram os dominicanos dos meios formativos e intelectuais da Igreja? Surgiu à queima-roupa, "porque não chamam os dominicanos para conferências, ou para participar em algum debate?" e por essa mesma razão os vários que estávamos ali não respondemos, porque a resposta é diversa e tem muitas razões, ou razões que se prendem com opções que tomámos no passado mais ou menos recente e do qual estamos a sofrer as consequências. São as opções que nos marcam e nos levam às vezes como no Caminho a fazer mais uns quilómetros porque optámos seguir por um lado que no momento nos pareceu o mais acertado. Aconteceu comigo também nestes dias passados.
Antes de terminar, para ir celebrar a Eucaristia, quero agradecer a sincera expressão de preocupação manifestada pela Graciete e pela Maria José. Sei que outras pessoas também estavam preocupadas, ainda que não o expressassem. A todas o meu agradecimento e a minha oração fraterna, tenho-vos presentes todos os dias da minha jornada.

6 comentários:

  1. Frei José Carlos,
    Fui a expressão das preocupações que fui ouvindo por aqui.
    Agradecemos a nossa presença junto de si no caminho que seguimos com enlevo e amizade. Também nós elevamos as nossas preces pela sua caminhada de Dominicano, neste momento até Santiago.
    Que Deus o proteja.
    Um abraço,
    Graciete

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  2. Boa tarde Frei José Carlos,

    Que maravilha ter notícias do irmão! Tranquilizou-nos. "Merci infiniment" por esta importante partilha. Interrogo-me se tenho a fé que é necessária e a verdadeira fé em Deus. Tenho um longo caminho a percorrer. Mas somos humanos e ainda que tenhamos muitas provas da protecção Divina creio que é normal preocuparmo-nos com as pessoas que estimamos, com quem temos diversas afinidades: religiosas, intelectuais, de fraternidade. Pouco importa. Pelo texto, tal como imaginávamos foi um período de intensa vivência espiritual e convivial. De reflexão.O irmão Frei José Carlos regressará com matéria para continuar a reflectir e partilhar sobre temas que interessam à vossa Comunidade e a todos que vos seguem e que gostariam de uma maior intervenção da Igreja nos mais diversos sectores. Sei que quando chegar a Santiago rezará por toda a Humanidade. Bem haja. Que Jesus continue a proteger e a iluminar o Frei José Carlos (El Cura del "Camino", se me permite) e a todos os peregrinos. Bem haja. Contará com as nossas orações. Boa Eucaristia, como sempre.
    Um Santo descanso.
    Saudações amigas. MJS

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  3. Frei José Carlos, tenho acompanhado em silencio a tua caminhada e pedido a Deus que te ajude a chegar a Santiago e a cumprir a tua missão. Também estava preocupada com a ausência de noticias e agradeço a Deus por saber que estás bem.
    Um forte abraço Manuela Belino

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  4. Frei José Carlos,

    Ao aproximar-se cada vez mais de Santiago assim como outros peregrinos com quem teve a oportunidade de partilhar várias vezes o Caminho, tendo muito presente a dimensão sacrificial do objectivo que pretende alcançar, dedico ao irmão dois excertos que nos proporcionou e que a seguir transcrevo:


    Da Benção dos Peregrinos a Compostela, orarei para vós:

    … “Que por tua orientação chegue incólume ao fim do seu caminho, e enriquecido de graça e virtudes, volte de regresso a sua casa, que agora sente a sua ausência, cheio de perene alegria. Por Jesus Cristo, Nosso Senhor”.


    Dos Mandamentos do Peregrino


    “14 – Ao chegar a Compostela abraça no Apóstolo a fé de Santiago, o intimo do Senhor. Reza-lhe suplicando e dando-lhe graças. Algum gozoso compromisso se terá que forjar. A tua consciência te dirá o quê.” Assim seja.

    Que Deus o proteja!

    Saudações amigas. MJS

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  5. Frei José Carlos

    No silêncio diário do meu quarto, em que dedico o tempo necessário ao diálogo a tres, acompanho-o nesta sua caminhada com Cristo para o Pai, guiado pelo Espírito Santo, com a ajuda de Maria e de todos os Santos levando consigo os irmãos.
    Nesta sua últma notícia, permito-me destacar uma afirmação sua que basto ressoou em mim:

    -"Os dias que passaram foram dias muito intensos, ...pelas experiências vividas e partilhadas....A mochila ainda que tenha o mesmo que no primeiro dia, parece que pesa mais uns quilos e os pés já não são apresentáveis a ninguém..." (sic)
    Daqui, sem qualquer dúvida, retenha que PEREGRINA no mais Santificado sentido do termo, pois as experiências de partilha de vida, consubstanciam seguramente a sua ajuda no levar da cruz de outros, e o aparente diferente peso da mochila, só demonstra que leva agora, como conteúdo, algo bem distinto com que partiu.
    Desejando-lhe que Deus o ampare e guarde e lhe dê a "garra",que sempre visionei em si, olhando-o dos bancos da Igreja do Convento, deixo-o com esta pequena oração:

    «Dia a pós dia, Senhor da minha vida,
    permaneci diante de ti,
    face a face.

    De mãos erquidas,
    permanecerei diante de Ti,
    Senhor do Universo,
    face a face.

    Neste mundo que é Teu,
    no meio do cansaço, da agitação, da luta, da multidão ruidosa,
    Hei-de permanecer diante de Ti,
    face a face.

    E quando a minha missão tiver terminado,
    Ó Rei dos reis, sózinho e silencioso,
    permanecerei para sempre diante de Ti,
    face a face»

    Até Breve

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  6. Frei José Carlos,

    Que bom constatar que uma “teia” visível ou não, formada na diversidade, partilhou com o irmão o Caminho para Santiago.

    Damos graças a Deus, por toda a protecção que lhe tem concedido assim como a todos os peregrinos . De forma invisível e envolvente cuida de vós, ao longo de todas as horas, como uma Mãe.

    Aguardamos o regresso do irmão Frei José Carlos, com fé e serenidade.

    Que Deus o proteja.

    Saudações amigas. MJS

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