domingo, 9 de fevereiro de 2014

Homilia do V Domingo do Tempo Comum

Meus Irmãos
Creio que é facilmente perceptível que a leitura do Evangelho de São Mateus que escutámos nos lança um desafio incontornável, nos apresenta e formula um projecto de vida ao qual não podemos deixar de dar uma resposta. Jesus convida-nos a ser sal da terra e luz do mundo.
Este desafio lançado aos discípulos de Jesus é extremamente significativo e revolucionário porque não é um convite dirigido às realidades práticas, ao que fazemos, como à primeira vista pode parecer, mas é um convite que se dirige à nossa identidade, que interfere com o nosso ser profundo como cristãos. Jesus convida-nos a ser.
E convida-nos a ser, antes de mais, sal da terra, ou seja, a dar sabor à vida e a ajudar a conservar a vida, tal como o sal faz com os alimentos nos processos alimentares.
Neste sentido, é bom não deixarmos de ter presente que a nossa humanidade, o nosso existir humano, acontece de certa forma como um processo alimentar, no qual somos alimento uns para os outros, no qual somos confrontados com a necessidade de nos alimentarmos uns aos outros.
Tal acontece na forma mais básica, quando um pai ou uma mãe procede à aquisição e preparação das refeições para os filhos dependentes, e dessa forma não só os alimenta biologicamente mas também com o carinho e a responsabilidade que colocou em tal tarefa.
Num outro nível, a alimentação acontece quando num momento de dor ou solidão, perante uma perda ou uma derrota, alguém conforta o outro, lhe proporciona palavras de alento e o reergue para a vitalidade que lhe é natural.
Nestas diversas realidades, nesta alimentação comum que realizamos uns com os outros, o sal que somos convidados a ser traduz-se na esperança e na confiança que proporcionamos, na configuração cada vez mais perfeita do outro, e de nos próprios pelo gesto realizado, ao fim último de todo o homem que é Deus.
Ao alimentarmos o outro não podemos esquecer que o verdadeiro alimento do homem é Deus, e portanto somos sal da terra na medida em que colocamos os outros e a sua vida na órbita da divinização do seu ser. E tal acontece obrigatoriamente no momento em que o homem vive cada vez mais a sua verdade e a sua dignidade como homem.
A leitura do profeta Isaías deixa-nos algumas pistas para esta nossa missão, para que este processo de salga aconteça verdadeiramente, como são a libertação da opressão, a supressão dos gestos de violência, a luta pelas condições de vida e dignidade dos outros.  
Ser sal da terra, dando sabor à alimentação que facultamos uns aos outros, está necessariamente condicionado à dissolução, ao desaparecimento, pois só o sal que se dissolve pode realçar os sabores de cada um.
Ser sal da terra significa que na nossa missão não estamos convidados a configurar os outros ao nosso desejo e às nossas expectativas, ao nosso modelo, mas a proporcionar-lhes que pessoalmente e de forma única se configurem com aquele que é o seu princípio e fim, que é Deus.
Esta condição, intrínseca ao processo de ser sal, parece colidir com a outra dimensão que Jesus nos convida a viver e a assumir, que é ser luz do mundo. Como podemos ser luz do mundo, ser como uma cidade colocada no alto de um monte, quando nos temos que dissolver?
A resposta para esta questão encontra-se no início do Evangelho de São João, quando nos é dito que Jesus é a verdadeira luz, a luz que veio ao mundo e as trevas recusaram, os homens não quiseram acolher.
Somos assim luz para o mundo quando acolhemos a verdadeira luz que é Jesus Cristo e pela sua habitação em nós, pelo seu rebrilhar em nós, nos transformamos em luz para os outros. Não somos a luz mas espelhamos a luz e dessa forma iluminamos o mundo.
Tal como São João Baptista que disse que era necessário que diminuísse para que Jesus pudesse crescer, também nós somos luz, e podemos ser luz, na medida em que diminuímos a nossa vaidade centralizante e deixamos que Cristo cresça e brilhe em nós.
São Paulo viveu também este processo, ele que se apresentou em Atenas a anunciar a Boa Nova de Jesus servindo-se para isso das suas qualificações académicas, da sua sabedoria e filosofia humanas. A ausência de resposta por parte dos atenienses à sua pregação conduziu a uma outra atitude diante dos coríntios, aos quais se apresentou já não com sublimidade de linguagem mas apenas com a verdade do Evangelho e a verdade de Jesus crucificado.
São Paulo percebeu que para levar a cabo a missão de ser sal da terra e luz do mundo não podia centrar-se em si e nas suas capacidades, mas tinha que dissolver-se confiando e entregando-se ao poder do Espirito Santo, o qual o impelia a anunciar pela palavra e pela vida o mistério de Deus em Jesus Cristo crucificado.
Tal é o desafio que nos fica, deixarmo-nos guiar pelo Espirito Santo, não impondo nada a ninguém, mas oferecendo tal como o pão de que nos alimentamos a verdade de Jesus Cristo, para que também eles glorifiquem a Deus.

 
Ilustração:
1 – “cristo como luz do mundo”, de Paris Bordone, National Gallery, Londres.
2 – “São Paulo em Atenas”, de Rafael, Colecção Real do Reino Unido.

 

1 comentário:

  1. Caro Frei José Carlos,

    Saboreei e meditei as palavras do texto da Homilia do V Domingo do Tempo Comum que teceu. É para cada um de nós, um convite, um hino ao acolhimento de Jesus Cristo, ao nosso ser profundo como cristãos, à liberdade e à fraternidade.
    Permita-me que respigue alguns excertos que me tocam…”Ser sal da terra, dando sabor à alimentação que facultamos uns aos outros, está necessariamente condicionado à dissolução, ao desaparecimento, pois só o sal que se dissolve pode realçar os sabores de cada um.
    Ser sal da terra significa que na nossa missão não estamos convidados a configurar os outros ao nosso desejo e às nossas expectativas, ao nosso modelo, mas a proporcionar-lhes que pessoalmente e de forma única se configurem com aquele que é o seu princípio e fim, que é Deus. (…)
    (…) Somos assim luz para o mundo quando acolhemos a verdadeira luz que é Jesus Cristo e pela sua habitação em nós, pelo seu rebrilhar em nós, nos transformamos em luz para os outros. Não somos a luz mas espelhamos a luz e dessa forma iluminamos o mundo.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, que nos ajuda a meditar, a repensar o desafio de sermos “sal da terra e luz do mundo.”
    Que o Senhor o ilumine, e o cumule de todas as bençãos.
    Um abraço mui fraterno e amigo,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar