A leitura do livro de Ben-Sira
que escutámos dizia-nos que diante do homem estão a vida e a morte, e que
compete ao homem fazer a sua escolha. Deus deixa aos homens, a cada um de nós,
a liberdade de optar, de fazer a sua escolha, de optar pela vida ou pela morte,
de optar pelo bem ou pelo mal.
Provavelmente não nos
apercebemos disso durante a leitura, mas o autor do texto bíblico, Ben-Sira,
termina o seu pensamento dizendo que Deus deixa esta liberdade aos homens
porque é grande a sua sabedoria. Ou seja, Deus é sábio nesta liberdade que
concede aos homens de fazerem a sua opção.
Para muitos dos nossos
irmãos esta liberdade é um obstáculo, certamente até para nós em alguma ocasião
já foi, e pensámos como seria bom que Deus nos mostrasse o caminho claro a
seguir, a resposta correcta a dar.
Nesses momentos
esquecemos que afinal a resposta já foi dada, já nos foi oferecida, e que
depende da nossa vontade segui-la, lutar por ela na liberdade que nos é
concedida. De facto, Deus ofereceu-nos a vida, e como diz Ben-Sira não nos
mandou fazer o mal nem nos deu licença para cometer o pecado.
Esta opção pela vida
que Deus nos oferece, que Deus nos propõe, foi confirmada e de certa forma
reorientada para o verdadeiro centro por Jesus Cristo, pela sua vida e pelas
suas palavras, como as que escutámos no Evangelho de São Mateus que lemos nesta
celebração.
Por isso, não nos
podemos admirar que Jesus tenha dito que não veio para revogar a Lei ou os
profetas, mas bem pelo contrário para os completar, para os levar à perfeição,
à orientação fundamental que o tempo e as circunstâncias históricas e humanas
tinham desvanecido.
Quando lemos os
Evangelhos percebemos pelos gestos e palavras de Jesus que três realidades, ou três
grandes problemas marcaram a sua acção, a saúde para os doentes, a alimentação
dos pobres e as relações humanas. Poderíamos dizer que eram os eixos
fundamentais do seu programa político, se o tivesse tido.
Na leitura do
Evangelho de hoje encontramos evidenciado de modo particular a questão das
relações humanas, uma realidade intrínseca e fundamental à opção pela vida que
somos convidados por Deus a assumir e a viver.
Assim, num primeiro
momento, Jesus aborda a incompatibilidade da fé e dos seus elementos
expressivos face ao conflito e aos enfrentamentos humanos. Como diz, não nos
podemos apresentar diante do altar com a nossa oferta se não estamos em paz com
algum dos nossos irmãos.
Face ao culto e à sua
necessidade humana como expressão da relação com o divino, Jesus antepõe a
pessoa humana, o outro com quem não podemos deixar de estar em paz. Poderíamos dizer
que Jesus assume já o homem como o verdadeiro templo de Deus, o templo e o
altar no qual se deve prestar a verdadeira adoração a Deus.
Assim, quando cuidamos
o outro, os homens e mulheres que vivem connosco, não só estamos a fazer a
opção pela vida, que Deus nos convida, mas a centrar-nos no verdadeiramente
fundamental, que é o homem como imagem de Deus, como oferta de relação divina.
Num segundo momento,
Jesus apresenta-nos a incompatibilidade da fé, da opção pela vida, face ao
desejo do que não nos pertence, face à cobiça. Desejar o que não nos pertence opõe-se
à valorização do que temos e somos, à falta de reconhecimento e agradecimento
dos dons com que fomos cumulados, da própria vida que nos foi oferecida.
E este desejo é ainda
mais subversivo, mais destrutivo, na medida em que não só cobiçamos as coisas
dos outros, mas cobiçamos e desejamos o próprio outro. Há como que uma apropriação
que não nos compete, pois o outro é fundamentalmente de Deus, e uma oferta de
Deus à nossa vida.
Assim, quando Jesus
nos diz que devemos cortar os membros que são ocasião de pecado, o olho, a mão ou
o pé, está a incentivar-nos a essa liberdade de não querermos apossar-nos dos
outros, ao reconhecimento do outro como totalmente outro, à sacralidade que
devemos manifestar e ter para com o outro enquanto imagem única e irrepetível de
Deus.
Por fim Jesus
manifesta a incompatibilidade da fé e da opção pela vida com a necessidade de
juramento, com a necessidade de acreditarmos a nossa palavra pela acção ou pela
palavra de outrem. Para Jesus a nossa verdade deve ser explícita, a nossa fé e
opção de vida devem estar de tal modo traduzidas que sejam evidentes por si
mesmas, sem qualquer necessidade de suporte exterior.
É a verdade pessoal, a
verdade de vida, que se opõe à mentira, à duplicidade com que tantas vezes
somos confrontados ou nas quais nos vamos enredando. E uma opção de fé pela
vida, de forma livre, não pode prescindir nunca dessa verdade que nos torna
mais humanos e igualmente mais divinos.
Fazer a opção pela
vida e procurar ser fiel a essa opção, com tudo o que ela acarreta, é afinal
uma sabedoria que nos está destinada desde o princípio dos tempos, uma
sabedoria que não é deste mundo, como diz São Paulo aos Coríntios, mas que sabemos
pelo Espirito Santo nos alcançará uma felicidade inimaginável.
Deus na sua sabedoria
deixa-nos a liberdade de escolher porque sabe que em nós habita esse desejo
eterno de felicidade e portanto, ainda que nos possamos equivocar, nunca
deixaremos de buscar o fim para que fomos criados, a felicidade eterna.
Procuremos pois viver
sabiamente em liberdade e responsabilidade com aqueles que nos rodeiam e Deus
que habita em todos nós.
1 – “O Jovem entre a virtude e o vício”, de Paolo Veronese, Museu do Prado
2 – “A invejosa”, de Natale Schiavoni.
A liberdade que Deus nos dá é simultaneamente uma força e uma fragilidade. Com ela podemos errar e afastarmo-nos de Deus; mas, ao mesmo tempo, podemos procurá-Lo e à Felicidade eterna, até ultrapassando os nossos limites. Inter Pars
ResponderEliminarNem sempre é fácil entender que foi a infinita sabedoria de Deus que escolheu para nós a liberdade porque Ele sabia que sempre acabaríamos por procurar a felicidade, mesmo que fosse pelo processo de tentativa e erro. CR1
ResponderEliminarCaro Frei José Carlos,
ResponderEliminar“Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). A pureza de coração é condição prévia para olharmos para cada um de nós e para o próximo, como um templo de Deus, uma manifestação da beleza divina.
Bem-aventurados os que não turvam o seu olhar interior e exterior e que escolhem a vida, optando pelo bem, a que Deus nos convida, em liberdade e responsabilidade. E, tudo começa pela verdade, como nos recorda no texto da Homilia do VI Domingo do Tempo Comum que elaborou. ...” Para Jesus a nossa verdade deve ser explícita, a nossa fé e opção de vida devem estar de tal modo traduzidas que sejam evidentes por si mesmas, sem qualquer necessidade de suporte exterior.
É a verdade pessoal, a verdade de vida, que se opõe à mentira, à duplicidade com que tantas vezes somos confrontados ou nas quais nos vamos enredando. E uma opção de fé pela vida, de forma livre, não pode prescindir nunca dessa verdade que nos torna mais humanos e igualmente mais divinos.”…
Peço-Te, Senhor, que no peregrinar da vida, nos ilumines os caminhos desta Aventura constante que é a vida, acreditando que como Filhos amados, somos capazes de vencer os nossos limites, as nossas fragilidades, com humildade.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, maravilhosamente ilustrada, e como nos exorta …” Procuremos pois viver sabiamente em liberdade e responsabilidade com aqueles que nos rodeiam e Deus que habita em todos nós.”
Que o Senhor o cumule de todas as bençãos.
Um abraço mui fraterno e amigo,
Maria José Silva