domingo, 15 de março de 2015

Homilia do IV Domingo da Quaresma

Estamos a celebrar o quarto domingo da Quaresma e encontramo-nos a meio da nossa caminhada de preparação para a celebração da Páscoa da Ressurreição do Senhor.
Temos consciência que tem sido uma caminhada difícil, dura, muitas vezes aquém dos propósitos que estabelecemos na quarta-feira de Cinzas, no início desta Quaresma.
Pela rotina ou pelo cansaço sentimos as forças a fraquejarem, uma espécie de desânimo que se apoderou de nós e quase nos obriga a cruzar os braços, a atirar a toalha ao chão, e a dizer que não vale a pena mais qualquer esforço.
As leituras que escutámos na Liturgia da Palavra deste domingo atestam-nos no entanto que não podemos ficar nessa situação, que não podemos perder a esperança, mas bem pelo contrário, face à grande tentação do desânimo devemos aferrar-nos ainda mais à esperança que iluminou a nossa caminhada e que nos pôs em marcha.
Neste sentido, a leitura do Livro das Crónicas que escutámos mostra-nos como Deus nunca desistiu do povo hebreu apesar das suas infidelidades e dos desvios cometidos e como se serviu de uma realidade inusitada, neste caso o pagão rei da Pérsia, para reconduzir o povo eleito à terra prometida.
Igualmente Deus não desiste de nós, nem nos abandona, e se por vezes permite que façamos a experiência do exílio, do sentimento de perda e solidão, é para que nos encontremos com a realidade da sua presença amorosa de uma forma mais intensa, renovada e rejuvenescida.
E por estranho que nos possa parecer, Deus serve-se muitas vezes de pessoas ou realidades inusitadas, estranhas ao nosso ambiente e ao nosso quotidiano para nos despertar para a sua presença. Há como que uma necessidade de algo que contraste, uma espécie de reagente, para se perceber a sua presença.
Mas, se esta fidelidade experimentada pelo povo não fosse ainda suficiente para animar a esperança do nosso caminhar quaresmal, o diálogo de Jesus com Nicodemos que escutámos no Evangelho, revela-nos que a fidelidade de Deus deriva do seu amor infinito pela obra da criação e portanto não há qualquer razão para o desespero ou para a tristeza, para o medo de Deus não estar connosco.
Face aos medos e incertezas, e às questões que Nicodemos coloca, Jesus revela-lhe, como nos revela a cada um de nós, que Deus ama o mundo profundamente, de um tal modo exageradamente apaixonado que é capaz de entregar o seu próprio Filho para que esse mundo descubra a sua fidelidade e o seu amor.
Este dom de Deus é assim a nossa garantia, é a nossa segurança, é a fonte da nossa esperança e dos nossos esforços neste peregrinar tantas vezes inconstante e oscilante. Deus ama-nos e oferece-nos a salvação, tal como diz São Paulo aos Efésios, como uma graça que devemos acolher.
Este acolhimento é uma condição fundamental para que os resultados da acção da graça se façam sentir e se tornem presentes, e Jesus deixa-o bem claro no diálogo com Nicodemos, pois a luz veio ao mundo, e aqueles que acolhem a luz são capazes de obras da luz, de palavras e acções que iluminam o mundo.
A história de Nicodemos é neste sentido paradigmática, pois com os seus medos e fraquezas dirige-se ao encontro de Jesus apenas de noite para não ser identificado nem denunciado. Contudo, após o encontro, e a experiência radical do amor de Deus que Jesus lhe manifestou, Nicodemos é já capaz de ir de dia ajudar a sepultar o corpo de Jesus.
A experiência do amor total do Pai leva-nos assim a ultrapassar os nossos medos, as nossas preguiças e desânimos, e por isso é obrigatório que façamos essa experiência, que nos disponhamos sincera e objectivamente a acolher o dom que Deus nos oferece.
A salvação, a experiência do amor, não é obra das nossas mãos, uma conquista dos nossos esforços para que nos possamos gloriar, mas é um puro dom de Deus que nós acolhemos. A nós compete-nos acolher o dom que Deus nos faz.
Procuremos pois abrir o nosso coração ao dom de Deus, de modo a que os nossos desânimos e cansaços sejam convertidos e a nossa esperança permaneça firme e alentadora da caminhada para a glória da Páscoa.

 
Ilustração:
“Cristo e Nicodemos”, de Fritz von Uhde.

2 comentários:

  1. Caro Frei José Carlos,

    Como nos recorda no texto da Homilia do IV Domingo da Quaresma que teceu, encontramo-nos a meio do itinerário da Quaresma, lembrando-nos igualmente que para muitos de nós, e por motivos diversos, constatamos que o caminho feito se afigura bem diferente do que havíamos traçado no início desta nossa ...”caminhada de preparação para a celebração da Páscoa da Ressurreição do Senhor.”…
    No peregrinar da vida de cada um de nós, ainda que cansados, desanimados, perguntamo-nos como, em muitos momentos da vida, se não estamos a ser postos à prova, para demostrar até onde vai a nossa fidelidade a Deus, a confiança e a esperança.
    Como nos salienta, ...”Deus não desiste de nós, nem nos abandona, e se por vezes permite que façamos a experiência do exílio, do sentimento de perda e solidão, é para que nos encontremos com a realidade da sua presença amorosa de uma forma mais intensa, renovada e rejuvenescida,” (…), afirmação reforçada pelo diálogo de Jesus com Nicodemos e pela modificação do comportamento do mesmo.
    Passo a citá-lo …” Face aos medos e incertezas, e às questões que Nicodemos coloca, Jesus revela-lhe, como nos revela a cada um de nós, que Deus ama o mundo profundamente, de um tal modo exageradamente apaixonado que é capaz de entregar o seu próprio Filho para que esse mundo descubra a sua fidelidade e o seu amor”. …
    E, quando nos sentimos, Frei José Carlos, mais fragilizados, fatigados, mais facilmente cedemos aos nossos receios, ao desânimo, às dúvidas, que conseguimos vencer se nos disponibilizarmos a …”abrir o nosso coração ao dom de Deus, de modo a que os nossos desânimos e cansaços sejam convertidos e a nossa esperança permaneça firme e alentadora da caminhada para a glória da Páscoa”, como nos convida.
    Um grande obrigada, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia, profunda, maravilhosamente ilustrada, que nos incentiva a não desistir, a ter confiança e esperança, a saber acolher o dom de Deus, e como nos exorta ...” Este acolhimento é uma condição fundamental para que os resultados da acção da graça se façam sentir e se tornem presentes, e Jesus deixa-o bem claro no diálogo com Nicodemos, pois a luz veio ao mundo, e aqueles que acolhem a luz são capazes de obras da luz, de palavras e acções que iluminam o mundo.”…
    Bem-haja. Que o Senhor o ilumine e o cumule de todas as bênçãos.
    Votos de uma boa semana, com paz, alegria, confiança e esperança. Bom descanso.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos,

    Ao ler com muito interesse a Homilia do IV Domingo da Quaresma,maravilhosamente bela esta Meditação e, como nos diz o Frei José Carlos no texto : O diálogo de Jesus com Nicodemos que escutámos no Evangelho,revela-nos que a fidelidade de deus deriva do seu amor infinito pela obra da criação.Procuremos pois abrir o nosso coração ao dom de Deus, de modo que os nossos desânimos e cansaços sejam convertidos e a nossa esperança permaneça firme na caminhada para a glória da Páscoa.Obrigada,Frei José Carlos,pela excelente partilha,que gostei muito , e pela beleza da ilustração . Que o Senhor o ilumine o guarde e o abençoe.Bem-haja . Votos de uma boa semana com paz e alegria.Boa noite e um bom descanso.
    Um abraço fraterno.
    AD

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