
Na análise mais básica, de índole psicológica ou psiquiátrica, parece que estamos diante de um processo complexo de esquizofrenia, alguém que se desdobra em personalidades para realizar a sua existência. Contudo, e não sendo um processo de esquizofrenia, é de facto um processo de revelação pessoal, da revelação do ser de Deus.
Deus que se revela a Moisés como aquele que é, o Deus dos pais, o Deus Pai que se compadece dos seus filhos, dos seus eleitos e os socorre no momento de aflição e angústia. Deus que se revela novamente e novamente resgatando da aflição e da morte quando encarna em Jesus Cristo, aquele que é Filho e um com o Pai. Deus que se revela em línguas de fogo no dia de Pentecostes e é a memória projectora do amor do Pai e do Filho.
Este é o mistério, ou melhor, a imagem do mistério que nos é possível e dado contemplar e compreender, porque como diz Santo Agostinho nas suas “Confissões”, “rara é a alma que falando da Trindade sabe o que diz, pois ninguém é capaz de compreender mistério tão profundo”. Contudo, e ainda assim, apesar da inacessibilidade e incompreensibilidade, é possível falar das imagens que a revelação nos transmitiu e nos permitem uma aproximação ao mistério.
A primeira dessas imagens é a da paternidade. Deus revela-se como Pai, não só porque tem um Filho, mas porque é fonte e origem de tudo o criado, é Pai de toda a obra da criação. E no coração de qualquer homem, mais sublinhada ou mais difusa, a paternidade está presente, habita esse desejo de gerar uma vida, de criar uma obra para a eternidade. No coração de todo o homem habita essa faísca geradora e criadora da paternidade divina e por isso é possível compreender Deus como Pai. Todos herdamos da sua paternidade.
A outra imagem é a da verdade, a da revelação da verdade. Há algo inato no homem que propicia a verdade e por isso se começa bem cedo a dizer às crianças que devem dizer sempre a verdade. Ainda que depois os adultos sejam suficientemente infiéis a este conselho. Mas há uma verdade que buscamos, que esperamos, uma verdade às vezes indefinida, mas que nos foi revelada em Jesus Cristo de uma forma muito concreta e por isso até inaceitável. A verdade de Jesus Cristo é a verdade da humanidade, da sua potencialidade divina e por essa razão é tão frequentemente rejeitada. De cada vez que negamos verdade da humanidade negamos a verdade da divindade.
A terceira imagem da Trindade é a do dom do amor, a da paixão que como a pomba tem asas para elevar o homem sobre as suas próprias limitações e mesquinhezes. O amor eleva-nos, aquece-nos como um fogo, faz-nos brilhar como as estrelas mais luzentes da noite escura, faz com que Deus aconteça e se realize em nós.
Apesar de tudo isto o mistério continua inacessível, desconhecido, e cada vez mais indizível, pois na medida em que nos afastamos da nossa condição humana fazemos com que seja cada vez menos possível dizer o mistério de Deus uno em três pessoas distintas.
Hoje muitas crianças e jovens não sabem o que é um pai, o que significa a paternidade. E não é porque sejam órfãos, bem pelo contrário, frequentemente têm até mais que um pai. Muitas destas mesmas crianças e jovens não sabem onde está a verdade, o que ela significa, pois a mensagem que lhes entra pelos olhos e pelos ouvidos é que vale tudo para se atingir os fins, mesmo a negação da sua consciência. E quando o amor é apenas uma satisfação dos seus desejos físicos, uma compensação do vazio relacional, como poderão experimentar o dom do amor, a elevação jubilosa provocada pela entrega e pela dádiva de si próprio?
Somos seres criados à imagem de Deus, ou seja à imagem da Trindade; de cada vez que atentamos contra a nossa humanidade, contra esta imagem de Deus, atentamos conta a Trindade e a sua possibilidade de revelação e compreensão. É necessário refazer o homem, a verdade da humanidade, para se poder traçar de novo o caminho para a Trindade e para o seu conhecimento e compreensão.
Tal graça só nos pode ser dada pela própria Trindade, pelo próprio Deus. Peçamos-lhe assim como pedia Santa Teresa do Menino Jesus: “Ó Face adorável de Jesus, única Beleza que arrebata o meu coração, digna-te imprimir em mim a tua divina semelhança, para que não possas olhar a alma da tua pequena esposa sem Te contemplares a Ti mesmo”[1].
[1] SANTA TERESA DO MENINO JESUS – Oração 16, in Obras Completas. Paço de Arcos, Edições Carmelo, 1996, 1091.
Sem comentários:
Enviar um comentário