A leitura do profeta
Isaías que escutámos nesta celebração coloca-nos em sintonia com o Dia Mundial
das Missões que hoje celebramos. Tal como nos diz o profeta, fomos escolhidos e
cingidos para que se saiba do Oriente ao Ocidente que não há outro Deus senão o
Senhor.
Durante muitos anos, e
ainda para alguns dos nossos irmãos, este dia dedicado às missões reflectia as
grandes acções missionárias da Igreja em outros continentes e povos. Podemos dizer
que era um dia e uma reflexão dedicada à missão “ad gentes”, para o exterior da
Igreja.
Hoje, contudo, esta
ideia tem outra dimensão, e ainda que se tenham presentes os missionários e missionárias
que anunciam a Boa Nova de Jesus aos povos que o desconhecem, temos presente a
missão que cada um de nós está chamado a realizar no seu meio ambiente, nas
diversas circunstâncias da vida.
E neste sentido, a
leitura do profeta Isaías é extremamente importante, uma vez que nos revela que
desde o princípio, ainda antes de conhecermos Deus, já Ele nos tinha chamado
para que o pudéssemos conhecer e dar a conhecer. A missão anunciadora é assim
inerente à nossa própria condição, à nossa própria natureza. Poderíamos dizer
que nascemos para anunciar Deus.
E esta verdade é ainda
mais profunda quando nos recordamos que fomos criados à imagem e semelhança de
Deus. A nossa natureza na semelhança e imagem é portanto uma natureza enviada, missionária,
e realiza-se na medida em que anuncia a beleza e o amor de Deus.
Nós próprios, pela
nossa existência, já somos anúncio e na medida em que vivemos com dignidade a
nossa condição humana esse anúncio torna-se mais evidente e verdadeiro.
Esta verdade e a sua consciência
ajuda-nos a perceber o cabal alcance da discussão de Jesus com os fariseus e
herodianos quando estes se lhe apresentaram para o procurar apanhar com uma
questão sobre pagamento de impostos.
É diante da moeda do
tributo que Jesus faz a destrinça entre o que é devido a Deus e o que é devido
a César, ou seja, o que é devido ao mundo material, às circunstâncias sociais e
políticas e o que é devido a Deus pela nossa própria condição de filhos de
Deus.
Neste sentido é bom termos
presente o verbo que na língua original do texto é utilizado, “apodídomi”, que
significa devolver, e não apenas dar, como encontramos na tradução que foi utilizada
para as leituras que escutámos.
De facto aquele que dá
entrega alguma coisa sua, o que lhe é próprio, mas o que devolve entrega aquilo
que lhe foi confiado, o que não é seu. E é isso que está em causa quando Jesus
chama a atenção para a inscrição que estava na moeda do tributo que lhe
apresentaram.
Ao dizer aos fariseus
que se devolvesse a César o que era de César e a Deus o que era de Deus, Jesus
estava a retirar o homem da sua condição de mercadoria e de moeda de troca. O homem
é para ser devolvido a Deus, é para ser entregue a Deus, porque é o seu verdadeiro
proprietário e senhor.
Este sentido da
devolução, da entrega do homem a Deus, mostra-nos também como a dignidade do
homem e da mulher se encontra nessa entrega, nessa devolução, porque Deus é não
só o princípio mas também o fim do homem, a sua fonte de plena realização.
Esta distinção, que
pode parecer dualista, coloca-nos no entanto no verdadeiro sentido de todas as
realidades e na sua hierarquia interna. Não se trata de diabolizar ou condenar
as realidades do mundo, as estruturas e formas que a humanidade desenvolveu
para se organizar e viver, mas de as colocar na sua relação com a dignidade
divina de cada homem e mulher, de as colocar ao serviço da realização da
humanidade.
Por esta razão São Tomás
defendia a desobediência às leis civis quando estas não serviam a humanidade,
quando não estavam ao serviço da plena realização do homem e da mulher, da
construção da resposta dignificante a dar a Deus. O que não serve o homem e a sua
dignidade não pode ser acolhido nem aceite.
A resposta de Jesus
face à moeda do tributo a César e a teologia de São Tomás colocam-nos assim
grandes desafios no que diz respeito às nossas opções do quotidiano e à forma
como assumimos nessas opções que a nossa existência deve ser anúncio de um Deus
que nos ama e nos dignifica com o seu amor.
Em todos os momentos e
circunstâncias estamos chamados a anunciar a todos os homens e mulheres que há
um só Deus, o qual nos chamou pelo nome próprio a usufruir de um título
glorioso, que é o de filhos de Deus. Procuremos pois dignificar este título e condição
vivendo na verdade, na justiça e no amor.
1 – “A Moeda do Tributo”, de Bernardo Strozzi, Museu de Belas Artes de Budapeste.
2 – “Tributo a César”, de Jacek Malczewski, Polónia.
Não podemos, de verdade, atraiçoar este título e esta condição a que fomos chamados. Inter pars
ResponderEliminarCaro Frei José Carlos,
ResponderEliminarDisse-lhes Jesus: «Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mt 22, 18-21), frase que repetimos, com frequência, sem realizarmos o verdadeiro significado e importância da mesma na vida de cada um de nós. Leio e reflicto sobre o texto da Homilia do XXIX Domingo do Tempo Comum que teceu e que me faz mergulhar nos tempos conturbados da realidade que vivemos, na condição humana, na criação do Homem à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1, 26-27), com liberdade para escolher, o anúncio do nascimento de Jesus, como Filho de Deus, a importância do conhecimento e a vivência do Evangelho de Jesus no quotidiano de cada um de nós. E, pergunto-me se Deus está connosco, entre nós, como viver como verdadeiro cristão, amando a Deus e ao outro, nosso próximo? É um processo que se desenvolve ao longo da vida que pressupõe que somos capazes de conhecer-nos interiormente e aperfeiçoar-nos com a ajuda do Senhor, disponíveis para a abertura de espírito, para a fraternidade, sendo coerentes com o que pensamos e dizemos e o modo como agimos.
Como nos salienta …” A resposta de Jesus face à moeda do tributo a César e a teologia de São Tomás colocam-nos assim grandes desafios no que diz respeito às nossas opções do quotidiano e à forma como assumimos nessas opções que a nossa existência deve ser anúncio de um Deus que nos ama e nos dignifica com o seu amor.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partillha do texto da Homilia, profunda, maravilhosamente ilustrada, que nos ajuda a reflectir sobre os nossos comportamentos e dá-nos força e coragem para enfrentar os desafios que se nos colocam, por recordar-nos que …” O que não serve o homem e a sua dignidade não pode ser acolhido nem aceite.”
Que o Senhor o cumule de todas as graças.
Um abraço mui fraterno,
Maria José Silva