Com a parábola que escutámos
termina neste domingo o confronto que Jesus manteve com os príncipes dos
sacerdotes e os anciãos do povo em Jerusalém depois da sua entrada triunfal, da
expulsão dos vendedores do templo e do seu gesto ousado de se ter colocado a
ensinar no templo sem ter autoridade para isso.
Termina assim uma
polémica e um conjunto de parábolas que visava mostrar aos seus interlocutores
como se tinham desviado do projecto inicial de Deus, como se tinham recusado ao
convite que lhes tinha sido dirigido para participarem num banquete em que
seriam servidos delicioso pratos e bebidas.
Uma vez mais Jesus faz
recurso do profeta Isaías para mostrar o projecto de Deus, a missão a que o
povo eleito tinha sido destinado, mas que pelo seu egoísmo, pelo seu orgulho,
se tinha perdido e inviabilizado. Uma vez mais Jesus serve-se dos textos que os
seus interlocutores conheciam, lhes eram familiares, para se inserir numa
linhagem que lhe garantia autoridade, até a autoridade para ensinar no templo
que tinha sido questionada.
Contudo, o Evangelho
de São Mateus não se fica pela questão polémica, por esse exercício de mostrar
que o projecto de Deus era universal e portanto aberto a todos os povos desde o
princípio. Consciente dos perigos que espreitavam já a sua comunidade, aqueles
aos quais se dirigia no seu Evangelho, São Mateus apresenta justaposta à
parábola do banquete que é recusado a parábola do convidado que se apresenta
sem traje nupcial.
Parábola que
inevitavelmente nos escandaliza, nos desconcerta, pois pouco antes é dito que o
rei que servia o banquete tinha mandado trazer para a festa todos os que se
encontrassem, e portanto a sala estava cheia de bons e maus. É assim descabido
que ao entrar na sala se escandalize com um dos convidados sem traje. Estariam os
outros de traje nupcial tendo sido recolhidos nas encruzilhadas dos caminhos?
A verdade é que temos
neste convidado sem traje alguém mais que um simples convidado trazido de
qualquer encruzilhada do caminho, temos alguém que o rei trata já por amigo,
que de alguma forma tem já outro estatuto diante dos olhos do rei. Esta expressão
denuncia uma outra realidade, uma outra relação.
Podemos dizer que ao
aceitarem o convite para se apresentarem no banquete todos de certa forma
mudavam de traje e colocavam uma roupa mais digna e festiva, e portanto aquele convidado
sem traje nupcial seria um intruso, alguém desatento e descuidado face a essa
necessidade de mudar de roupa, de se apresentar dignamente.
Contudo, parece que
não se trata de uma questão moral expressa metaforicamente no traje nupcial,
estavam lá bons e maus, mas trata-se de uma questão relacional, uma questão de
amizade. Aquele amigo era já alguém especial aos olhos do rei e portanto
deveria estar devidamente preparado para a festa que se dava e na qual se
apresentava.
São Mateus ao falar
deste amigo tem já em conta alguns dos membros da sua comunidade que viviam a
sua fé de uma forma estereotipada, exteriorizada, e portanto ainda que bons ou
maus nas suas atitudes se sentavam à mesa do banquete, se achavam convidados a
participar no banquete da Eucaristia.
O Evangelista quer
assim chamar a atenção para a necessidade de uma relação pessoal, de uma
amizade que se traduz num traje, em obras coerentes e em fidelidade, para não
se correr o risco de se cair na condenação e crítica que Jesus tinha feito aos príncipes
dos sacerdotes e anciãos do povo.
Podemos relacionar este
amigo sem traje com o filho da primeira parábola que diz que vai trabalhar para
a vinha do pai mas depois e de facto não vai. O verdadeiro amigo e aquele que
se apresenta com traje ao banquete nupcial é aquele que não só diz que vai trabalhar
mas trabalha de facto na vinha do pai, aquele que é fiel nas palavras e nas
obras.
Fidelidade que
descobrimos possível, e até bastante acessível quando temos em conta as
palavras de São Paulo aos Filipenses quando nos diz que aprendeu a viver na
pobreza e na riqueza, na alegria e na dor, a viver em íntima união com Aquele
que o conforta em todas as realidades.
É a construção sobre a
rocha, esta fidelidade e intimidade com Jesus que nos permite viver todas as
realidades com uma grande liberdade, poderíamos dizer com bastante relatividade,
pois sabemos que tudo é passageiro, tudo é efémero, menos o amor do amigo, a
amizade de Jesus. Como nos diz São Paulo em outra passagem das suas cartas tudo
podemos com Cristo.
Esta parábola do banquete
e o convite que lhe é inerente tem também o mérito de nos mostrar que todos nós
somos convidados, que todos podemos arranjar um traje digno para estar presente
no banquete, mas sobretudo que em cada celebração da Eucaristia vamos já fazendo
a experiência desta festa e da comunhão que nos é oferecida por Deus a todos.
Em cada Eucaristia
somos convidados a sentar-nos à mesa do nosso rei, a descobrir-nos nas nossas
fraquezas, mas também a experimentar a graça do Senhor que nos dignifica para
podermos participar. O Senhor é o alimento, é a mesa, é a festa, mas é também o
próprio traje. Na medida em que nos vamos configurando com Jesus e nos vamos
transformando, alimentando a nossa vida da sua palavra e do seu corpo vamos
costurando o traje nupcial que nos dignifica para participal plenamente.
Procuremos pois viver
fielmente a fé que professamos, em palavras e em obras, com dignidade e
dignificando a nossa condição de filhos e convidados, e a celebração da
Eucaristia em que participamos, que é já um aperitivo do banquete que o Senhor
nos tem preparado.
1 – “Parábola do Banquete”, de Brunswick Monogrammist, Museu Nacional de Varsóvia.
2 – “Parábola do Filho Pródigo”, de Master of the Female Half-Lengths, Colecção Privada.
A imaginação e a interioridade com que vê o banquete e a sua constituição, ao mesmo tempo que as graças e as necessidades que nos anuncia , são testemunho da presença que o anima Inter pars
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