domingo, 12 de outubro de 2014

Homilia do XXVIII Domingo do Tempo Comum

Com a parábola que escutámos termina neste domingo o confronto que Jesus manteve com os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo em Jerusalém depois da sua entrada triunfal, da expulsão dos vendedores do templo e do seu gesto ousado de se ter colocado a ensinar no templo sem ter autoridade para isso.
Termina assim uma polémica e um conjunto de parábolas que visava mostrar aos seus interlocutores como se tinham desviado do projecto inicial de Deus, como se tinham recusado ao convite que lhes tinha sido dirigido para participarem num banquete em que seriam servidos delicioso pratos e bebidas.
Uma vez mais Jesus faz recurso do profeta Isaías para mostrar o projecto de Deus, a missão a que o povo eleito tinha sido destinado, mas que pelo seu egoísmo, pelo seu orgulho, se tinha perdido e inviabilizado. Uma vez mais Jesus serve-se dos textos que os seus interlocutores conheciam, lhes eram familiares, para se inserir numa linhagem que lhe garantia autoridade, até a autoridade para ensinar no templo que tinha sido questionada.
Contudo, o Evangelho de São Mateus não se fica pela questão polémica, por esse exercício de mostrar que o projecto de Deus era universal e portanto aberto a todos os povos desde o princípio. Consciente dos perigos que espreitavam já a sua comunidade, aqueles aos quais se dirigia no seu Evangelho, São Mateus apresenta justaposta à parábola do banquete que é recusado a parábola do convidado que se apresenta sem traje nupcial.
Parábola que inevitavelmente nos escandaliza, nos desconcerta, pois pouco antes é dito que o rei que servia o banquete tinha mandado trazer para a festa todos os que se encontrassem, e portanto a sala estava cheia de bons e maus. É assim descabido que ao entrar na sala se escandalize com um dos convidados sem traje. Estariam os outros de traje nupcial tendo sido recolhidos nas encruzilhadas dos caminhos?
A verdade é que temos neste convidado sem traje alguém mais que um simples convidado trazido de qualquer encruzilhada do caminho, temos alguém que o rei trata já por amigo, que de alguma forma tem já outro estatuto diante dos olhos do rei. Esta expressão denuncia uma outra realidade, uma outra relação.
Podemos dizer que ao aceitarem o convite para se apresentarem no banquete todos de certa forma mudavam de traje e colocavam uma roupa mais digna e festiva, e portanto aquele convidado sem traje nupcial seria um intruso, alguém desatento e descuidado face a essa necessidade de mudar de roupa, de se apresentar dignamente.
Contudo, parece que não se trata de uma questão moral expressa metaforicamente no traje nupcial, estavam lá bons e maus, mas trata-se de uma questão relacional, uma questão de amizade. Aquele amigo era já alguém especial aos olhos do rei e portanto deveria estar devidamente preparado para a festa que se dava e na qual se apresentava.
São Mateus ao falar deste amigo tem já em conta alguns dos membros da sua comunidade que viviam a sua fé de uma forma estereotipada, exteriorizada, e portanto ainda que bons ou maus nas suas atitudes se sentavam à mesa do banquete, se achavam convidados a participar no banquete da Eucaristia.
O Evangelista quer assim chamar a atenção para a necessidade de uma relação pessoal, de uma amizade que se traduz num traje, em obras coerentes e em fidelidade, para não se correr o risco de se cair na condenação e crítica que Jesus tinha feito aos príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo.
Podemos relacionar este amigo sem traje com o filho da primeira parábola que diz que vai trabalhar para a vinha do pai mas depois e de facto não vai. O verdadeiro amigo e aquele que se apresenta com traje ao banquete nupcial é aquele que não só diz que vai trabalhar mas trabalha de facto na vinha do pai, aquele que é fiel nas palavras e nas obras.
Fidelidade que descobrimos possível, e até bastante acessível quando temos em conta as palavras de São Paulo aos Filipenses quando nos diz que aprendeu a viver na pobreza e na riqueza, na alegria e na dor, a viver em íntima união com Aquele que o conforta em todas as realidades.  
É a construção sobre a rocha, esta fidelidade e intimidade com Jesus que nos permite viver todas as realidades com uma grande liberdade, poderíamos dizer com bastante relatividade, pois sabemos que tudo é passageiro, tudo é efémero, menos o amor do amigo, a amizade de Jesus. Como nos diz São Paulo em outra passagem das suas cartas tudo podemos com Cristo.
Esta parábola do banquete e o convite que lhe é inerente tem também o mérito de nos mostrar que todos nós somos convidados, que todos podemos arranjar um traje digno para estar presente no banquete, mas sobretudo que em cada celebração da Eucaristia vamos já fazendo a experiência desta festa e da comunhão que nos é oferecida por Deus a todos.
Em cada Eucaristia somos convidados a sentar-nos à mesa do nosso rei, a descobrir-nos nas nossas fraquezas, mas também a experimentar a graça do Senhor que nos dignifica para podermos participar. O Senhor é o alimento, é a mesa, é a festa, mas é também o próprio traje. Na medida em que nos vamos configurando com Jesus e nos vamos transformando, alimentando a nossa vida da sua palavra e do seu corpo vamos costurando o traje nupcial que nos dignifica para participal plenamente.
Procuremos pois viver fielmente a fé que professamos, em palavras e em obras, com dignidade e dignificando a nossa condição de filhos e convidados, e a celebração da Eucaristia em que participamos, que é já um aperitivo do banquete que o Senhor nos tem preparado.

 
Ilustração:
1 – “Parábola do Banquete”, de Brunswick Monogrammist, Museu Nacional de Varsóvia.
2 – “Parábola do Filho Pródigo”, de Master of the Female Half-Lengths, Colecção Privada.

1 comentário:

  1. A imaginação e a interioridade com que vê o banquete e a sua constituição, ao mesmo tempo que as graças e as necessidades que nos anuncia , são testemunho da presença que o anima Inter pars

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