sexta-feira, 31 de outubro de 2014

É lícito ou não curar ao sábado? (Lc 14,3)

Ainda que convidado para a casa de um dos principais dos fariseus, Jesus não se intimida com aqueles que o rodeiam, com o estatuto social daqueles que são os seus anfitriões.
Acima de tudo está a verdade e o bem do homem, e por isso quando se depara com um hidrópico no meio dos presentes não se coíbe de colocar uma questão pertinente, antes de realizar a cura que nascera já no seu coração.
Não é que necessitasse de autorização, nunca a pedira, mas era para que o bem que ia realizar pudesse refulgir em todo o seu esplendor, pudesse chegar ao coração daqueles homens que o tinham convidado, mas que davam mais importância ao formalismo e ao rito que ao bem e ao outro.
A questão é directa, clara e sem qualquer subterfúgio, “é lícito ou não curar ao sábado”, como se o sábado pudesse ser um obstáculo à cura, à realização do bem, na medida em que interditava toda a actividade. Podia ser o sábado maior que o bem e o amor?
O silêncio dos convivas evidencia a hipocrisia, a mentira da subjugação à Lei apenas naquilo que era conveniente, porque no caso do salvamento de um filho ou de um boi já não se respeitava o preceito da inactividade. Os bens e propriedades ultrapassavam a prescrição da lei.
A cura do homem que estava doente revela assim uma vez mais o valor absoluto do homem, e o valor instrumental da Lei que está ao serviço do homem para o libertar e não para o escravizar. A lei era um instrumento de dignificação e tinha-se tornado num instrumento de tortura e sofrimento.
Tal como nos diz o Evangelho em outro momento, Jesus não veio abolir a Lei, não veio proclamar a anarquia, mas veio completar a lei, dar-lhe o sentido verdadeiro e profundo que tinha perdido no emaranhado dos preceitos e do tempo.
A Lei está feita para o homem, é um meio, um instrumento, para ajudar o homem a viver a sua condição e a sua dignidade. A lei no conjunto dos mandamentos e preceitos é uma manifestação da fundamental lei do amor e um meio para o desenvolvimento desse amor.
Deus é amor, e por isso amar antes de mais e agir segundo o amor é o princípio que deve presidir a toda a regulamentação e a toda a actividade.

 
Ilustração: “A crua do hidrópico”, fresco na Catedral de Tsalenjikha, Geórgia.      

1 comentário:

  1. Caro Frei José Carlos,

    O amor está no coração e na forma como agimos com o próximo, nosso irmão. Como nos salienta, ...” A lei no conjunto dos mandamentos e preceitos é uma manifestação da fundamental lei do amor e um meio para o desenvolvimento desse amor”. …
    Senhor, liberta-nos de todas as teias e do pó que impedem que amemos o outro como Tu nos amas.
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, profundas, que nos desinstalam, que ajudam-nos a reflectir os nossos gestos, as palavras proferidas. Bem-haja.
    Votos de uma boa noite e de um bom fim-de-semana.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

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