O Evangelho de São
Mateus que acabámos de escutar apresenta-nos hoje a parábola dos vinhateiros
homicidas, uma parábola carregada de violência, não só na atitude dos
vinhateiros mas também no juízo que os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do
povo proferem face ao sucedido. Para compreendermos esta violência não podemos
deixar de ter presente o contexto em que a parábola é proferida e os incidentes
que a precedem, bem como a linhagem histórica em que se insere.
Assim, temos que ter
presente que esta é a segunda parábola, de um conjunto de três, que Jesus
dirige aos príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo depois da sua entrada
gloriosa em Jerusalém, do incidente da expulsão dos vendedores do templo e da
ousadia de Jesus começar a ensinar no templo sem ter para isso poder.
Acontecimentos que se
sucedem em cadeia e provocam inevitavelmente as autoridades religiosas instituídas,
pois estamos diante de uma perversão de tudo o que estava instituído e era
observado religiosa e socialmente. Tudo estava enquadrado e ordenado num
sistema jurídico e ritual que Jesus nas suas palavras e atitudes punha em causa
e questionava.
No entanto, esta
contestação de Jesus insere-se numa longa tradição, numa história antiga de que
a referência ao texto do profeta Isaías é apenas mais um elo na cadeia sucessória.
Tal como Jesus, também nós sabemos que a construção do templo não foi bem
acolhida por parte de Deus no tempo do rei David, que após a construção pelo
rei Salomão foi um dos motivos para a separação do reino do norte e portanto
para o fracasso do projecto dum povo único e que os profetas foram bastante
críticos face à instituição do templo.
A parábola dos
vinhateiros homicidas encerra assim uma forte condenação dos interlocutores de
Jesus, dos príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo, daqueles que podemos
chamar os agentes da religião, mas encerra igualmente uma condenação da própria
instituição religiosa tal como estava constituída, e de que os príncipes dos
sacerdotes e anciãos do povo se apercebem e não podem permitir. Sabemos já o
que se seguiu.
Contudo, se os
Evangelhos guardaram na memória esta parábola não foi apenas para nos apresentar
mais um dos motivos porque Jesus foi condenado e morto, mas porque ela diz
respeito a todos, porque todos podemos cair no mesmo erro e ser vítimas da
mesma condenação. A parábola é uma chamada de atenção para todos nós, tal como
se percebe na falta de traje que ocorre na terceira parábola, e chama-nos a
atenção em dois polos diferentes, ainda que ligados pela mesma liberalidade e
cuidado que lhes está subjacente.
O primeiro desses polos
está associado inevitavelmente ao senhor da vida, que tal como nos diz o
profeta Isaías não deixa de a cuidar, não deixar de estar vigilante, que faz tudo
para que a vinha produza o que é devido. Tanto o texto de Isaías como a
parábola de Jesus apresentam-nos um senhor verdadeiramente interessado pelos
bons frutos da vinha e fazendo tudo para que eles surjam.
Esta atitude atenta do
Senhor da vinha deveria ser para nós fonte de uma grande confiança e esperança,
pois mostra-nos que Deus não desiste de nós, nem se descuida no seu cuidado
para que realizemos o que nos é devido realizar. Quantas vezes agimos sem essa
esperança, como se tudo só dependesse de nós e estivéssemos sozinhos no
combate, esquecendo-nos que Deus vai à nossa frente, abrindo ou limpando o
caminho.
Quantas vezes agimos
esquecendo-nos que ainda hoje o Senhor da vinha nos envia cada dia o seu Filho
e que na Eucaristia o podemos acolher como aquele que nos traz o pagamento do
nosso trabalho, o alimento para continuarmos na nossa tarefa no meio da vinha.
A este cuidado atento do
Senhor da vinha deveria corresponder a liberalidade e a justiça dos
vinhateiros, daqueles aos quais foi entregue o cuidado da vinha. Os bons
vinhateiros reconhecem que a vinha não é sua e portanto entregam os frutos no
devido tempo.
O motivo básico para a
condenação dos vinhateiros da parábola prende-se com essa incapacidade de verem
o que não lhes pertence, com a apropriação daquilo que não lhes era devido. E aqui
podemos e devemos interrogar-nos sobre a forma como estamos a usar os dons que
Deus nos concedeu, as oportunidades que nos vai concedendo, pois podem perfeita
mas muito erradamente estarem a ser usadas apenas para nossa satisfação e
engrandecimento.
A condenação explanada
na parábola, precedida da expulsão dos vendedores do templo, prende-se com essa
tentação de idolatria do que nos é concedido, de adoração duma realidade que
nos é concedida como um meio, como um instrumento para a realização da missão,
e que nós colocamos como um fim.
Diante desta tentação
é bom que não deixemos de ter presente as palavras de São Paulo aos Filipenses,
que tudo o que é verdadeiro e nobre, tudo o que é justo e puro, tudo o que é
amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor deve estar no
nosso pensamento. A abertura de espirito, a liberalidade do nosso coração, o
acolhimento da riqueza da diversidade, ajuda-nos a não nos fecharmos e a não
idolatrar aquilo que temos ou somos.
Se Deus continua a
cuidar amorosamente a sua vinha não podemos deixar de corresponder com o
cuidado da entrega generosa dos frutos que lhe pertencem, uma vez que só dessa
forma participamos dos mesmos frutos.
1 – Jesus expulsando os vendedores do templo, de Luca Giordano, Museu do Hermitage.
2 – Iluminura da parábola dos vinhateiros homicidas, Speculum Humanae Salvationis.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarNós, que somos a vinha do Senhor, confiemos que Deus é próximo, é Amor, que nos “cuida amorosamente” e protege. Como nos afirma no texto da Homilia do XXVII Domingo do Tempo Comum que teceu ...” Deus não desiste de nós, nem se descuida no seu cuidado para que realizemos o que nos é devido realizar.”…
Tenhamos a sabedoria e a humildade para saber administrar os dons que recebemos de Deus e desenvolvemos, ...” como um instrumento para a realização da missão”, e não como um fim.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, transparente, de grande actualidade, por recordar-nos que …” Se Deus continua a cuidar amorosamente a sua vinha não podemos deixar de corresponder com o cuidado da entrega generosa dos frutos que lhe pertencem, uma vez que só dessa forma participamos dos mesmos frutos.”
Que o Senhor o cumule de todas as bênçãos. Votos de uma boa semana com paz, confiança e esperança.
Bom descanso.
Um abraço mui fraterno,
Maria José Silva
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAgradeço-lhe a partilha da Homilia do XXVII Domingo do Tempo Comum,tão profunda para a nossa reflexão,gostei muito.Obrigada,Frei José Carlos,por esta maravilhosa partilha e pela beleza da ilustração.Que o Senhor o ilumine o ajude e o abençoe.Desejo-lhe um bom dia com paz e alegria.
Um abraço fraterno.
AD