domingo, 29 de março de 2015

Homilia do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor

Escutámos a leitura da Paixão de Jesus segundo o Evangelho de São Marcos, uma leitura longa e para a qual vamos já tendo alguma dificuldade de escuta, pois as novas tecnologias vão-nos formatando para a velocidade e o imediato.
Contudo, necessitamos desta pausa, desta lentidão, e até deste cansaço físico de termos permanecido de pé para escutar a leitura, pois só dessa forma podemos entrar em profundidade neste grande mistério, podemos partilhar as palavras e as circunstâncias de cada um dos intervenientes.
E é querendo aprofundar este mistério que vos convido a olhar a figura de Pedro, este homem que acompanhou Jesus quase desde o princípio da vida pública de Jesus, que escutou as suas palavras e testemunhou os seus milagres, que participou até no acontecimento da transfiguração de Jesus no alto do monte Tabor.
Este homem que nos momentos em que Jesus fala da sua paixão, em que anuncia o fim trágico que o espera, se mostra valente e corajoso para acompanhar Jesus, para dar a sua vida por ele. Este homem que ainda cheio de expectativas é capaz de desembainhar a espada e ferir o soldado do sacerdote cortando-lhe uma orelha.
No entanto, quando Jesus está já nas mãos daqueles que lhe desejam dar a morte, quando tudo parece perdido, Pedro já não tem força nem valentia e deixa-se vencer pela acusação de uma pobre mulher que o reconhece como um do grupo.
É a traição e a cobardia, e um inevitável encontro com as suas expectativas infundadas de um reino de liberdade, que para acontecer verdadeiramente necessitava deste sacrifício e deste sem sentido que ele não conseguia aceitar.
É neste momento que percebemos que a fé de Pedro necessitava uma purificação, uma transformação para poder entrar na lógica do Reino de Jesus. Pedro necessitava passar por esta perda, por esta traição e a sua consciência, para se encontrar verdadeiramente com o amor de Jesus, com o verdadeiro sentido da missão de Jesus.
E tal como Pedro também nós necessitamos muitas vezes fazer esta experiência de purificação, de transformação, de sair das nossas expectativas e ideias caseiras para nos podermos aventurar na radicalidade e verdade da pessoa e projecto de Jesus.
Diametralmente oposto a Pedro encontra-se o centurião romano, que junto à cruz e após a morte de Jesus reconhece que aquele inocente é verdadeiramente o Filho de Deus.
Profissão de fé estranha, inesperada, porque aquele homem é não só um pagão mas um ignorante quanto à vida, palavras e milagres de Jesus. Face ao que tinha diante dos olhos jamais poderia fazer aquela afirmação, pois aos seus olhos apenas era dado ver um homem agonizante, sofrido, e sem qualquer poder ou força. Diante dos olhos o centurião romano apenas tem a aniquilação da pessoa de Jesus.
Contudo, é esta aniquilação, este sem poder, que leva o centurião à fé, pois aquele agonizante e quase morto consegue ainda expressar na flor dos seus lábios uma súplica a Deus, um grito de angústia que o assume e integra também a ele homem da guerra, soldado da morte.
Jesus na sua incarnação levou até ao extremo o seu mistério e missão, partilhando não só a morte de todos os homens, a dor e o sofrimento, mas igualmente a solidão e o desespero face a um Deus que parece ausente e desinteressado da situação dos seus filhos.
É todo este desconcerto, esta situação estranha, violenta, mas simultaneamente tão carregada de ternura e confiança no silêncio vivido após o grito e o último suspiro, que que possibilita que este homem pagão reconheça o Filho de Deus.
A cruz e a morte de Jesus, a sua aniquilação violenta, apresenta-se assim como uma via incontornável para acedermos ao mistério do Filho de Deus, para fazermos a experiência do contraste entre as nossas expectativas e a verdade de Jesus.
Ao iniciarmos a Semana Santa com esta celebração somos convidados a aprofundar o mistério central da nossa fé contemplando com serenidade e tempo cada momento, cada acontecimento da Paixão de Jesus.
Procuremos pois participar e viver cada celebração com este espirito, de modo ao terminarmos podermos fazer a mesma confissão de fé: “este é verdadeiramente o Filho de Deus”!

 
Ilustração:
“Ecce Homo”, de Luís de Morales, Museu do Prado.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Ao pela manhã o texto maravilhosamente belo e profundo , da Homilia do Evangelho de São Marcos,que propôs para Meditação.Como nos diz o Frei José Carlos no texto,percebemos que a fé de Pedro necessitava uma purificação,uma transformação para poder entrar na lógica do Reino de Jesus.
    E tal como Pedro também nós necessitamos muitas vezes fazer esta experiência de purificação,de transformação,de sair das nossas expectativas e ideias caseiras para nos aventurar na radicalidade e verdade da pessoa e projecto de Jesus. Procuremos também nós nesta Semana Santa participar e viver em cada celebração com este espírito,de modo ao terminarmos podermos fazer a mesma confissão de fé : "este é verdadeiramente o Filho de Deus .Obrigada,Frei José Carlos,pela maravilhosa e bela reflexão e ilustração,que muito gostei . Votos de uma boa Semana Santa,com paz e alegria.Que o Senhor o ilumine o abençoe e o guarde .Bem-haja
    Um abraço fraterno.
    AD

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  2. Caro Frei José Carlos,

    Percorrido o Caminho Quaresmal iniciámos a Semana Santa no Domingo de Ramos com a escuta da leitura da Paixão de Jesus segundo o Evangelho de São Marcos que nos leva, como afirma a “ entrar em profundidade neste grande mistério, partilhando as palavras e as circunstâncias de cada um dos intervenientes”, convida-nos no texto da Homilia que teceu a deter-nos particularmente nas atitudes e nas palavras de duas figuras diametralmente opostas: Pedro que acompanha Jesus desde o início e esteve com Ele em momentos importantes e o centurião romano que como salienta ...” é não só um pagão mas um ignorante quanto à vida, palavras e milagres de Jesus”. …
    Para além da ignorância teológica que tenho, da forma como consigo fazer o percurso quaresmal, a Semana Santa continua a ser para mim um período forte de interrogações, compreendendo melhor as atitudes e as contradições dos discípulos de Jesus, a hipocrisia da população que O tinham aplaudido ou a atitude dos Judeus do que o silêncio de Deus e só porque acredito na Ressureição de Jesus, e com algumas ajudas importantes no peregrinar da vida, sem dúvida, algumas invisíveis, continuo a fazer o caminho da fé.
    E, como nos diz, ...” tal como Pedro também nós necessitamos muitas vezes fazer esta experiência de purificação, de transformação, de sair das nossas expectativas e ideias caseiras para nos podermos aventurar na radicalidade e verdade da pessoa e projecto de Jesus.”…
    Como nos recorda ...”Jesus na sua incarnação levou até ao extremo o seu mistério e missão, partilhando não só a morte de todos os homens, a dor e o sofrimento, mas igualmente a solidão e o desespero face a um Deus que parece ausente e desinteressado da situação dos seus filhos.”…
    Um grande obrigada, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia, profunda, que nos descentraliza, pela força que nos tenta transmitir, pelo convite que nos faz para que aprofundemos nesta Semana Maior …” o mistério central da nossa fé contemplando com serenidade e tempo cada momento, cada acontecimento da Paixão de Jesus”(…) que nos conduzirá como nos exorta …”ao terminarmos podermos fazer a mesma confissão de fé: “este é verdadeiramente o Filho de Deus”!”.
    Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Bom descanso. Continuação de uma boa Semana Santa.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

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