terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Desgarrar-se para se encontrar - Mt 18,12

Estou a lembrar-me de alguns filmes americanos em que assistimos ansiosos a uma perseguição a alta velocidade e ficamos surpreendidos como os vilões conhecem tão bem as saídas das auto-estradas. Em outros filmes, geralmente catastróficos, vemos as longas filas paradas nas imensas auto-estradas americanas sem nenhum movimento de avanço que permita a fuga.
São surpreendentes as auto-estradas, com os seus painéis de sinalização, com os quilómetros que nos faltam, com as saídas que se aproximam, com a indicação do destino final. Por vezes, gostávamos que a nossa vida fosse como as auto-estradas, com sinais bem precisos de quanto nos falta andar e onde devemos sair. Era tudo tão mais fácil, tudo avançaria impecavelmente.
Mas a nossa vida não é uma auto-estrada, é mais como uma estrada regional, que serpenteia no meio da montanha ou da planície, na qual tantas vezes os sinais desaparecem, nas quais sem nos aperceber já nos perdemos.
Recordo com graça uma viagem para Castelo Branco, no início da década de noventa do século passado; íamos para a ordenação do Padre Marcelino, quando nos deparámos no meio de um caminho rural, apesar de o mapa pelo qual nos guiávamos indicar uma estrada naquele lugar. Ao ver-nos desgarrados do caminho certo alguém nos disse que de facto se podia passar por ali, mas apenas de jipe, e nós tínhamos um pequeno Corsa.
Nas auto-estradas não corremos o risco de nos desgarrarmos, mas nas estradas rurais isso pode facilmente acontecer. Contudo, estarmos desgarrados não significa que estamos perdidos, porque aquele que se desgarrou não perdeu tudo, tem no mínimo a oportunidade de voltar atrás, de refazer o caminho, vai necessitar de estar atento, de ver com olhos de ver e pode até encontrar alguém que lhe indica qual o caminho a seguir.
O risco de nos perdermos acontece inacreditavelmente nas auto-estradas, porque aí, se não estivermos atentos aos sinais para sairmos na saída certa, se não estivermos atentos aos quilómetros que nos faltam e aos litros de combustível que nos restam, podemos perecer no meio do nada, sem possibilidade de voltar atrás e sem alguém para nos dizer o que quer que seja de como prosseguir.
Nos extravios da nossa vida, misteriosamente, vem ao nosso encontro Aquele que nos indica o caminho certo, o que fazer e como fazer, como necessitamos fazer uma estrada no deserto ou aplanar os nossos montes de orgulho. Deus vem ao encontro dos extraviados e desgarrados, porque para eles nada está perdido, há um olhar que se pode apurar, há um caminho que se fez e pode ser refeito, há um desejo de encontro com alguém que nos pode salvar.
Alegremo-nos neste Advento de cada vez que nos desgarrarmos dos nossos propósitos aferrados e firmemente ancorados porque é por esse caminho misterioso que a promessa de salvação chega ao coração das nossas existências imprevisíveis, é por eles que a misericórdia do Pai nos espera.
 
Ilustração:
Sinais em cruzamento, Ithaca, Nova York.

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