segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Homilia III Domingo do Advento - Ano A

Estamos a celebrar o domingo da alegria e a leitura do profeta Isaías coloca-nos nessa sintonia desde a primeira palavra. Alegrem-se! Contudo, a leitura do Evangelho de São Mateus, ainda que tenha subjacente uma nota de alegria através dos milagres que são referidos, deixa-nos uma questão pertinente e complexa para a qual temos que encontrar resposta.
Todos nos recordamos que quando João pregava no deserto um conjunto de enviados de Jerusalém foi ter com ele para saber se era o Messias. João foi muito claro e taxativo na sua resposta, “não sou”. Hoje, João encontra-se na prisão e é da sua parte que são enviados a Jesus um conjunto de discípulos para fazer a mesma pergunta. És tu aquele que há-de vir?
Podemos compreender a necessidade de uma resposta para João. Afinal ele tinha consciência da sua missão, tinha pregado a conversão em ordem à próxima vinda do Messias. No entanto, aquele que com ele tinha convivido, que lhe tinha sido manifestado como enviado, não se enquadra na sua lógica, poderíamos dizer no seu programa, estava demasiado fora do expectável.
João sente-se assim perdido, desorientado, podemos dizer que vive a sua noite escura de fé, pois não só está na prisão, sem saber qual o futuro que lhe está destinado, mas sente que a sua vida e a sua pregação poderá ter sido em vão, pois aquele que se apresenta como Messias frequenta a casa de gente pouco recomendável, de pecadores e pecadoras, come e bebe com eles, é praticamente um marginal.
João necessita de uma resposta, mas ao contrário da sua, face aos enviados de Jerusalém, a de Jesus é uma outra pergunta, uma interpelação. Jesus não dá uma resposta taxativa, não diz que sim nem que não, mas bem pelo contrário coloca uma outra questão, uma questão para a qual a resposta tem que ser João a encontrá-la.
A resposta de Jesus aos enviados de João é a apresentação de um conjunto de factos, de realidades que mostram uma mudança, mas uma mudança que acontece fora dos esquemas habituais, da norma. Tudo se desenrola tal como profetizado, nomeadamente por Isaías, mas fora do preceituado pelo expectável. E é tão necessário que seja assim que aquele que vê, que toma conhecimento, não se pode escandalizar, mas deve acolher de coração aberto, na sua pobreza e simplicidade.
Jesus não se define a João como o Messias, responde-lhe com sinais que ele tem que discernir da verdade daquele que é o autor das mudanças e dos sinais. Jesus não se impõe, sugere-se, pedagogicamente deixa ao seu ouvinte a liberdade de o compreender, de o acolher, pois só dessa forma ele se pode tornar verdadeiramente acolhido e compreendido, só dessa forma pode ser Messias.
Como diz Santo Agostinho, a palavra gerada no coração, manifestada pela palavra, deve ser ouvida pelo outro e acolhida no coração para que possa fazer-se no outro também palavra. E como nos é dito em outra passagem do Evangelho é necessário tornar-se como criança, ser curioso, ter desejos de conhecer, para estar aberto a uma aventura com Deus que vai sempre para além do que podemos imaginar e conceber.
Mas tal como aconteceu com João Baptista acontece hoje connosco, Deus não se revela como uma fórmula matemática, uma equação cujo resultado final calcular. Deus em Jesus Cristo revela-se uma novidade, uma aventura, e por isso quando muitas vezes queremos uma resposta sua aos nossos problemas encontramos o silêncio, a ausência de resposta.
Afinal, como a João Baptista, Jesus remete-nos para os sinais, para as pequenas mudança que vão acontecendo na nossa vida e revelam a sua presença; o que vemos de diferente, o que ouvimos de novo, os pequenos passos que damos, a preguiça que vencemos, a liberdade que vamos alcançando sobre o nosso egoísmo, o bem que vamos fazendo apesar das nossa fragilidades e incoerências.
Não estaremos nós demasiados fixados nas coisas negativas? Tal como João, não estarão os nossos olhos cegos e cerrados pelo mal que preconceituosamente vamos apontando à nossa volta? Não estaremos fixados nas casas e pessoas de reputação menos boa, no que comem e bebem, na marginalidade em que vivem na nossa concepção?
É perante esta deturpação da realidade, perante este preconceito, que nos pode de facto impedir de ver o bem de Deus a acontecer e a realizar-se, que o profeta Isaías nos convida à coragem, a fortalecer as mãos fatigadas e a robustecer os joelhos vacilantes, a não deitar já a toalha ao chão, a acreditar ainda um pouco mais, a dar uma oportunidade, pois Deus vem ao nosso encontro.
E face a esta vinda e nomeadamente face aos pequenos sinais que a revelam devemos manifestar a nossa alegria, esse gozo interior de saber que algo de bom está a acontecer, que Deus não nos virou as costas, e que a pequena flor que desabrocha na magnólia da rua é uma manifestação do amor e da bondade de Deus.
Deus manifesta-se todos os dias e das mais diversa formas na simplicidade da nossa vida, num sorriso, numa troca de olhares, numa cumplicidade entre amigos, num gesto de ternura, num trabalho feito com amor e satisfação, num momento de paciência, numa palavra de incentivo e cuidado. Porque nos condenamos a ver tudo desde as grades da prisão do nosso preconceito, da nossa ideologia de perfeição, do desejo de ter tudo agora e definitivamente?
É perante esta condenação, que infligimos a nós próprios, que é bom recordar as palavras de São Tiago que hoje escutámos, “necessitamos esperar pacientemente o fruto da terra e fortalecer o nosso coração”. Muitas vezes, e na cultura actual mais do que nunca, queremos as coisas de imediato, não temos tempo para a gestação e a germinação, para o crescimento e o desenvolvimento. Tem que ser aqui e agora e obrigatoriamente já.
A fé que Deus nos concede em seu Filho Jesus Cristo é uma semente, uma pequena semente que nos é confiada no baptismo e que necessitamos cuidar, regar, alimentar, dar tempo para crescer e desenvolver-se, permitir-lhe que se vá manifestando umas vezes mais evidente outras vezes mais ténue. A fé não é uma auto-estrada mas uma sinuosa estrada de montanha que umas vezes sobe e outras desce, e que por vezes tem curvas fechadas que não nos permitem ver o que nos espera pela frente. E às vezes são paisagens deslumbrantes, horizontes que nos fazem regalar os olhos e louvar o Senhor numa simples palavra, “que beleza”.
Nesta caminhada de Advento peçamos ao Senhor que nos ilumine para saber discernir os pequenos sinais que nos manifestam já a sua presença no meio de nós, a sua vinda amorosa ao nosso encontro, a beleza de cada gesto e cada momento.

 
Ilustração:
São João Baptista, Jacek Malczewski, Museu Nacional de Varsóvia, Polónia.
Picos da Europa

 

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