domingo, 27 de setembro de 2009

Homilia Domingo XXVI do Tempo Comum

Não podemos dissociar a leitura do Evangelho de São Marcos deste domingo dos Evangelhos dos domingos anteriores. Temos que os ter presentes para compreender cabalmente o que está em jogo.
Sabemos que Jesus enviou os seus discípulos a pregar a Boa Nova do Reino às povoações vizinhas. Sabemos que eles voltaram muito satisfeitos, porque tinham operado muitas curas e muita gente os tinha escutado. Contudo, tinha havido alguns demónios que não tinham sido capazes de expulsar.
Regressados desta primeira pregação, se assim se pode chamar, e face aos êxitos alcançados, os discípulos discutem o lugar de cada um no futuro governo sonhado de Jesus em Jerusalém. Com tais resultados como era possível não sonhar com tal governo, com tal futuro tão promissor? É neste contexto que Jesus lhes mostra através da criança escravo o sentido do verdadeiro serviço e poder no seu reino.
Hoje e tendo ainda presente este regresso da missão, João, o mais novo dos apóstolos e o mais impetuoso, por isso também chamado filho do trovão, queixa-se a Jesus relativamente a alguém que expulsava os demónios em seu nome, mas que não era do grupo dos discípulos.
Estamos perante, pelo acento colocado no facto de não ser dos nossos, uma cena de ciúmes, de uma certa inveja, se assim podemos dizer, semelhante à relatada na leitura do Livro dos “Números” em que Josué pede a Moisés que proíba Medad e Eldad de profetizar. É algo natural a um grupo que se considera privilegiado, único, que considera que qualquer outro que faça o semelhante ao que o grupo tem poder para fazer é considerado um perigo, uma ameaça, algo a abater ou eliminar.
Estamos numa e noutra situação perante o tema da exclusividade, do considerar-se único senhor e detentor de um poder ou de uma autoridade. Estamos também perante a concepção de uma realidade que apenas se restringe ao institucional, em que não há espaço nem hipótese para uma existência fora dos quadros instituídos.
Perante esta situação, e uma vez mais com muito carinho e cuidado, Jesus alerta os discípulos para a necessidade de abertura às realidades que estão fora do nosso quadro conceptual, assemelhando-se desta forma à posição tomada por Moisés face à súplica de Josué. Quem dera que todo o povo fosse profeta! Quem dera que todos vós fosseis capazes de expulsar demónios, diria Jesus aos seus discípulos.
Para Jesus e para o projecto de salvação de Deus não existe exclusividade, não existe unicidade, porque de facto na casa do Pai há muitas moradas, há muitas vias de acesso e de revelação. E perante isto os crentes, os discípulos de Jesus não se podem fechar ao outro, à novidade do outro, bem pelo contrário devem estar abertos, porque o outro não estando contra está a favor e qualquer acção de bem, de justiça, de verdade e amor é sempre uma acção querida por Deus, com o sinal de Deus. Por esta razão qualquer um que oferecer um copo de água aos discípulos de Jesus terá a sua recompensa. Qualquer acção em benefício dos discípulos de Jesus corresponderá a uma acção em favor do projecto salvador de Deus e portanto não deixará de ser recompensado. Isto é importante e não pode deixar de ser tido em conta por cada um de nós quando julga a acção do outro, a acção de muitos outros homens e mulheres que muitas vezes nem sequer partilham a nossa fé ou as nossas convicções. O projecto salvador de Deus e a sua Palavra encarnada, Jesus Cristo, é uma realidade dinâmica e englobante, não é sectarista nem marginalizadora.
Os ensinamentos de Jesus prosseguem neste momento e passagem do Evangelho através de uma radicalização das suas palavras, das acções a realizar para não sermos conduzidos à perdição eterna. São palavras radicais e que nos podem chocar pois conduzem à mutilação que não é algo propriamente agradável. Contudo, face a elas temos que ter presente que são uma forma metafórica de expressão natural à língua semítica e que de forma alguma podem ser levadas à letra. O importante destas propostas de Jesus está de facto no elemento que as precede, nesse princípio de não podermos escandalizar nenhum dos mais pequenos do Reino de Deus.
Jesus faz aqui referência, e traz novamente à presença dos discípulos, a criança escravo que tinha acolhido e colocado no meio deles como símbolo do poder e serviço a que eram chamados. Era de facto alguém sem poder nenhum, sem direito nenhum, e a esses é que não se pode escandalizar, por causa desses é que se deve cortar um pé, uma mão ou tirar um olho.
Metáforas para apresentar a necessidade que cada um de nós tem de se libertar de alguma coisa para de facto entrar no Reino de Deus, para ser sinal da sua presença, para realizar verdadeiramente o serviço a que Jesus chama os seus discípulos. Nestes elementos físicos estão englobados os nossos orgulhos, as nossas faltas de solidariedade, as nossas vaidades e desejos de poder, os nossos defeitos mais recônditos que necessitam verdadeiramente de ser podados como a videira para que possamos dar verdadeiro fruto e fruto em abundância.
Peçamos assim ao Senhor que nos conceda a graça de sabermos quais são as coisas de que nos devemos libertar, que estão a mais na nossa vida, e que de facto nos impedem de ser testemunho verdadeiro para os mais simples e de realizar totalmente a missão a que nos chama neste nosso mundo.

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