domingo, 29 de setembro de 2013

Homília do XXVI Domingo do Tempo Comum

Quem é que não deseja ser feliz? Creio que nenhum homem ou mulher responderá a esta questão de forma negativa. Nós fomos feitos para ser felizes, é a nossa plenitude, é o nosso fim último, e por isso, como todos temos sentido desta necessidade, procuramos avidamente, consciente e inconscientemente, a sua satisfação.
As leituras que escutámos da Profecia de Amós e da parábola do Evangelho de São Lucas, com a parábola do homem rico e do pobre Lázaro, apresenta-nos aquilo que poderemos chamar de um projecto de felicidade, uma via possível para alcançar a felicidade.
É a via que a nossa cultura e sociedade ocidentais, capitalista e consumista, hedonista, nos oferece praticamente todos os dias. As imagens que nos chegam pela publicidade nas televisões, na internet, nas revistas e jornais, oferecem-nos a felicidade como algo palpável, como se ter um corpo com menos celulite, um carro mais potente, ou até o último modelo de telemóvel nos garantisse a felicidade.
E para que o nosso espirito não se revolte a essa materialidade que podemos chamar de obscena, as imagens do campo florido e do sol poente, da felicidade conjugal ou das famílias reunidas, são-nos servidas conjuntamente, aumentando ainda mais o nosso desejo de satisfação e felicidade face ao que nos é mostrado.
Como seria bom que os pequenos-almoços das nossas famílias fossem como os do anúncio dos cereais! Mas não são, e portanto a felicidade que nos é apresentada e oferecida gera a insatisfação, gera a ansiedade, que produz inevitavelmente novas necessidades, novos desejos de satisfação e felicidade. Vivemos consumindo e consumindo-nos nas propostas de satisfação e felicidade.
Estamos como aqueles de que fala a Profecia de Amós e o rico da parábola que se satisfazem e banqueteiam sem qualquer outra preocupação, num improviso de vida que não tem mais ou maiores consequências, pois afinal tudo se resume a viver esta vida, a dar ao corpo na sua materialidade o que o satisfaz e ao espirito o conforto de que nada mais existe.
E Deus, se aparece em algum momento, é como um produto mais, como uma oferta de satisfação, de solução para qualquer problema. Deus também é consumível e há até momentos e dias específicos para tal. É um Deus suave, um Deus almofada para descansar, é um Deus sem mais outro compromisso que o meu bem-estar ou a minha paz interior.
Nos antípodas desta oferta de felicidade, desta proposta tão consensual para tantos dos nossos irmãos, encontra-se a proposta que São Paulo faz a Timóteo na segunda leitura que escutámos nesta Celebração da Eucaristia. A felicidade é um combate, a felicidade é uma conquista que se vai realizando cada dia em ordem à eternidade.
Combate que se traduz na prática da justiça e da piedade, na luta pela verdade e pelos direitos, na perseverança e na mansidão, na fé face a Deus e na caridade para com os outros homens e mulheres. Conquista que se traduz na consciência de que cada gesto em favor do outro é uma vitória conjunta e um testemunho da bênção que Deus nos fez através dos dons que nos concedeu.
Apresentar e oferecer a felicidade como um combate, uma luta constante, não é fácil, mas como cristãos não podemos deixar de o fazer, pois de contrário estaremos não só a enganar os outros mas a enganar-nos a nós próprios, a quem foi dito “toma a tua cruz e segue-me”.
E tendo presente as palavras de São João da Cruz, “no fim da vida seremos julgados pelo amor”, não podemos deixar de assumir que o combate pela felicidade se traduz nos gestos de amor ao próximo, no reconhecimento do outro como imagem de Deus e portanto digno de todo o respeito e veneração, de todo o cuidado e atenção do nosso amor.
Que o Senhor nos conceda a graça se sabermos estar atentos aos outros para os ajudar no encontro da sua felicidade e com eles encontrarmos a nossa.

 
Ilustração: “A Festa do Rei Feijão”. De Jacob Jordaens, Kunsthistorisches Museum, Viena.

3 comentários:

  1. Também acredito e defendo que a felicidade é um combate sempre presente e nunca ganho;é uma conquista que se alcança na eternidade, se fizermos por isso cada dia; que se vai alcançando no testemunho de pequenos gestos de amor ao próximo. É preciso é esquecer que às vezes estamos aborrecidos, irritados, provocadores...então, como ser feliz? Inter Pars

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  2. Frei José Carlos,

    Agradeço-lhe todos os "Pensamentos do dia" e as Homilías dos vários Domingos, tão ricas e profundas de sentido, assim como todas as ilustrações maravilhosamente belas,e não esquecendo as belas flores do jardim da casa de seus pais que muito gostei.Obrigada,Frei José Carlos,pela profundidade das palavras partilhadas connosco,que nos ajudam muito na nossa caminhada para o Pai.Que o Senhor o ajude o proteja e o abençoe.Desejo-lhe uma boa semana cheia de paz e alegria.Bem-haja,Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno e amigo.
    AD

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  3. Frei José Carlos,

    O Evangelho de São Lucas do XXVI Domingo do Tempo Comum ao retratar a parábola do rico e do pobre Lázaro tocou de forma especial cada um de nós, em especial as gerações mais velhas, quando vivemos um século em que as desigualdades económicas e sociais agravaram-se nos últimos anos ou os sonhos dos jovens bons ou menos bons tornaram-se uma miragem. Na realidade, se nos meios urbanos ou nos nos países chamados “em vias de desenvolvimento” encontramos seres humanos semelhantes ao Lázaro de que nos fala o Evangelho, a figura mais disseminada do Lázaro dos dias de hoje assume contornos diferentes. A solidariedade, partilhar, acolher, é importante, mas não chega. Uma parte significativa da humanidade para além de estar privada do essencial, sofre da indiferença, do amor do seu próximo, da injustiça, da falta de esperança. Como traduzir, Frei José Carlos, a parábola do rico e do pobre Lázaro, em termos de direitos humanos? Diz um provérbio chinês, “o importante não é dar o peixe, é ensinar a pescar”.
    Permita-me, Frei José Carlos, que respigue alguns excertos do texto da Homília que teceu e que me tocam …”A felicidade é um combate, a felicidade é uma conquista que se vai realizando cada dia em ordem à eternidade.
    Combate que se traduz na prática da justiça e da piedade, na luta pela verdade e pelos direitos, na perseverança e na mansidão, na fé face a Deus e na caridade para com os outros homens e mulheres. Conquista que se traduz na consciência de que cada gesto em favor do outro é uma vitória conjunta e um testemunho da bênção que Deus nos fez através dos dons que nos concedeu.
    Apresentar e oferecer a felicidade como um combate, uma luta constante, não é fácil, mas como cristãos não podemos deixar de o fazer, pois de contrário estaremos não só a enganar os outros mas a enganar-nos a nós próprios, a quem foi dito “toma a tua cruz e segue-me”.”…
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos e peçamos …”Que o Senhor nos conceda a graça de sabermos estar atentos aos outros para os ajudar no encontro da sua felicidade e com eles encontrarmos a nossa”.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, que nos desinstala, que nos leva a ir mais além, para não deixar de buscar quem é o novo Lázaro, como podemos participar na construção de um mundo novo, justo e solidário. Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Um abraço fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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