domingo, 8 de setembro de 2013

Homília do XXIII Domingo do Tempo Comum

O Evangelho que escutámos diz-nos que uma multidão seguia Jesus. Diante desta realidade não nos custa imaginar que um bom estratega, um político da nossa praça ou um bom técnico comercial aproveitaria esta situação para fazer uma proposta aliciante, uma proposta cativadora das expectativas e esperanças dos seguidores, de modo a transformar esses mesmos seguidores anónimos em seus adeptos convictos.
Mas Jesus não é um estratega, nem um político e muito menos alguém interessado em vender um produto ou angariar um cliente, e por isso a proposta que faz àquela multidão que o segue, e a cada um de nós seus discípulos, é uma proposta radical, uma proposta que desde o primeiro momento se apresenta exigente e por isso talvez pouco atractiva a muitos dos nossos olhos.
Face àquela multidão que o segue, e que sabemos que tinha interesses materiais, interesses de satisfação imediata, Jesus anuncia explicitamente que para o seguir é necessário renunciar, é necessário tomar consciência de que há realidades que são incompatíveis com o seu seguimento e com o projecto de salvação que Deus realiza.
No seguimento de Jesus há condições que têm que ser vividas com toda a radicalidade, e condições que estão para além da renúncia de bens ou dos afectos mais legítimos, como o amor dos pais ou o amor dos irmãos. Quando Jesus diz que temos de nos libertar dos laços familiares, de todos os afectos e apropriações, está a desafiar-nos na disposição de toda a nossa vida e toda a nossa pessoa, está a desafiar-nos na alteração radical do centro e eixo da nossa existência. Ao deixarmos tudo somos convidados a apenas ter e contar com Deus.
Porque não é fácil e porque não é uma situação pontual, uma questão que se resolve num momento ou num dia, Jesus convida aqueles que o desejam seguir a tomar a sua cruz, a assumir as dificuldades e desafios inerentes ao próprio seguimento e a caminhar em frente.  
Podemos assim dizer que este carregar a cruz é um estilo, uma marca identificadora daqueles que seguem Jesus, mas verdadeiramente, o que acontece em realidade, é ser uma terapia, uma terapia de longa duração que nos vai descentrando de nós próprios e nos vai colocando no eixo de Deus, é uma terapia que nos vai abrindo aos outros e ao amor que devemos uns aos outros como irmãos e filhos de Deus.   
Esta terapia crucificante não pode contudo ser iniciada de forma ligeira, mais ou menos superficial, mas deve ser bastante consciente e profunda, e por essa razão Jesus apresenta depois do desafio radical do seguimento e da cruz as parábolas do homem que se propõe construir uma torre e do rei que se prepara para a guerra.
São parábolas que se centram sobre os nossos recursos, as nossas capacidades e forças para seguirmos Jesus, mas face ao cálculo que somos convidados a realizar podíamos dizer que estas parábolas são quase um convite a desistir do seguimento, pois onde encontraremos a forças para nos desprendermos, os soldados para vencer aquele que vem contra nós com o dobro do poderio?
Contudo, e paradoxalmente, este cálculo e verificação das nossas forças conduzem-nos à descoberta inevitável de que não podemos contar connosco, que somos incapazes, mas com Deus seremos capazes e venceremos. O seguimento de Jesus e o desprendimento e a libertação que nos são exigidos estão assim ao nosso alcance na proporção da medida de força que deixamos Deus ter em nós.
Seguir Jesus é assim libertar-se de tudo para que Jesus possa ser tudo, para que Jesus possa tomar conta de tudo, para que possamos dizer como São Paulo “já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim”.
Neste sentido, e parafraseando o Livro da Sabedoria, nós podemos não conhecer as nossas forças, podemos não conhecer o desígnio de Deus, mas Deus dá-nos a sabedoria pelo Espirito Santo para as encontrarmos nele próprio desde que nos disponhamos a tal. É uma proposta de acolhimento em liberdade à semelhança da que São Paulo propõe a Filémon relativamente a Onésimo.
Neste dia em que a Igreja celebra também o nascimento da Virgem Maria peçamos a sua intercessão em nosso favor, ela que foi a primeira a deixar tudo, a abdicar de tudo para seguir Jesus, quando aceitou com toda a liberdade ser a mãe do Salvador.
 
Ilustração: “A Santa Rússia”, de Mikhail Nesterov, Galeria Tretiakov em Moscovo.    

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Bem-haja por clarificar-nos a proposta de radicalidade que Jesus faz à multidão que o seguia e a cada um de nós seus discípulos.
    Como nos salienta …”Jesus convida aqueles que o desejam seguir a tomar a sua cruz, a assumir as dificuldades e desafios inerentes ao próprio seguimento e a caminhar em frente”… a qual se revela …” uma terapia de longa duração que nos vai descentrando de nós próprios e nos vai colocando no eixo de Deus, é uma terapia que nos vai abrindo aos outros e ao amor que devemos uns aos outros como irmãos e filhos de Deus.”
    Porém, para vencermos o desafio, para encontrarmos forças para continuar o seguimento, face às múltiplas adversidades com que nos vamos defrontando, precisamos contar com Deus, como nos recorda …”O seguimento de Jesus e o desprendimento e a libertação que nos são exigidos estão assim ao nosso alcance na proporção da medida de força que deixamos Deus ter em nós.”…
    Sigamos o exemplo da Virgem Maria pedindo a sua intercessão a nosso favor.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília do XXIII Domingo do Tempo Comum que teceu, profunda e directa, maravilhosamente ilustrada, que nos ajuda a reflectir sobre a relação de cada um de nós com Deus e com os outros e as suas exigências e, como nos lembra …”Ao deixarmos tudo somos convidados a apenas ter e contar com Deus”.
    Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
    Boa semana. Bom descanso.
    Um abraço fraterno e amigo,
    Maria José Silva

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