O Evangelho que
escutámos, neste que é o terceiro domingo da Quaresma, apresenta-nos o encontro
de Jesus com a Samaritana junto ao poço de Jacob, encontro inesperado e
estranho, na medida em que, como nos diz o texto evangélico, acontece numa hora
inusitada, na hora de maior calor, e entre pessoas que historicamente viviam de
forma hostil, em conflito por causa do lugar de culto a Deus.
Este encontro é
contudo extremamente significativo, não só porque nos mostra a forma pedagógica
como Jesus conduz os seus interlocutores ao fundamental, ao verdadeiramente essencial,
é um exemplo acabado do que foram os encontros pessoais com Jesus, e por isso
mesmo nos interpela, mas também e sobretudo porque nos mostra o que Jesus nos
oferece em cada um desses encontros pessoais, a água viva que jorra para a
eternidade, a água viva que é o dom do Espirito Santo e que sacia a nossa sede
profunda.
Neste sentido, não
podemos deixar de nos centrar no que é o coração do diálogo entre Jesus e a
samaritana e que se situa no pedido de Jesus de que a mulher vá chamar o seu
marido. É uma parte do texto evangélico que as leituras abreviadas suprimem,
mas que é fundamental na compreensão do diálogo e na afirmação posterior da
mulher ao reconhecer Jesus como um profeta.
Se num primeiro
momento do diálogo nos deparamos com uma incompreensão por parte da samaritana
face ao que Jesus diz, ela pensa na água material que lhe pouparia imenso
trabalho, enquanto Jesus fala do dom da vida divina, do Espirito Santo, a
partir do momento em que a questão do marido entra em jogo há um alinhamento
dos sentidos e portanto o diálogo torna-se compreensível para os dois.
O marido funciona
assim como o ponto de encontro com a verdade, com a verdade histórica, com a
verdade da mulher e com a verdade do próprio Jesus; e portanto a partir dali o
diálogo pode seguir compreensível, pode prosseguir na medida em que cada um
está diante da verdade do outro.
A mentira da
samaritana, ao dizer que não tem marido, leva Jesus a confrontá-la com os
maridos antepassados, maridos que à luz da história da Samaria correspondem aos
ídolos que os povos estrangeiros trouxeram para a terra quando o rei da Assíria
procedeu ao seu repovoamento.
Os cinco maridos que a
samaritana já teve representam assim no diálogo as diversas possibilidades de
desvio, de idolatria, de infidelidade, que os homens podem cometer e com as
quais o encontro com Jesus nos confronta e faz tomar consciência. É a verdade
da nossa busca de saciação nas outras fontes, nessas cisternas rotas de que
Jesus fala em outra ocasião.
Mas para além destes
maridos passados, a samaritana tem ainda um sexto marido, o marido actual, e
que Jesus lhe revela que também não é dela, porque afinal também ele ainda não
lhe deu a satisfação que ela busca. O marido que a samaritana tem no presente
corresponde a esse conflito interior, a essa busca, que no diálogo se vai
exprimir na questão do verdadeiro lugar de adoração.
Ultrapassados os ídolos,
a mulher busca num lugar a sua relação com o Deus verdadeiro, lugar que o seu
povo defende situar-se na sua terra enquanto outros, como os judeus, defendem
encontrar-se em Jerusalém.
E é perante esta
verdade, esta questão sincera da mulher, que Jesus lhe revela a sua verdade, a
resposta de Deus Pai a todas as idolatrias e conflitos por causa de ritos ou
lugares de culto: os verdadeiros adoradores são aqueles que adoram a Deus em
espirito e verdade, são aqueles que estabelecem uma união com ele ao
acolherem-no como o Messias e formam na fraternidade uma comunidade viva.
Revela-se assim à
mulher que o seu verdadeiro marido é aquele desconhecido que se encontra diante
dela, aquele profeta que sabe tudo da sua vida, que não a condena pelos seus
erros passados, mas que lhe descobre a sua sede com um olhar de amor e lhe
apresenta a fonte que brota no seu mesmo interior e lhe devolve a sua
verdadeira grandeza de mulher.
A samaritana não tem assim
mais necessidade de buscar uma fonte, ou um marido, porque é no seu coração, na
verdade assumida da vida que ela e ele se encontram. Ela que tinha vindo por
uma água material parte inundada da água viva, da água que a transforma em
apóstolo junto dos outros, ela que não tinha marido parte agora unida com
aquele que ama incondicionalmente.
Neste tempo de
Quaresma somos também convidados a não ter medo de nos abeirarmos das nossos
poços, do confronto com a nossa verdade, dos nossos passos infiéis ou
idolátricos, porque é lá, sentado, que se encontra Jesus à nossa espera para
nos restabelecer na verdade que nos liberta.
E se o peso das nossas
faltas nos intimida, não podemos deixar de ter presente que tal como com a
samaritana é Jesus que nos pede de beber, é ele que se faz mendicante da nossa
sede, é esse o seu alimento, para que em verdade e para cada um de nós se possa
cumprir as palavras que traduzem a realidade da crucifixão, ou seja, que tomou
sobre si o peso dos nossos pecados.
Quando Jesus nos pede
de beber a única coisa que lhe podemos dar verdadeiramente nossa são os nossos
pecados, mas sabemos que com eles Jesus cumpre a vontade do Pai que é o seu
verdadeiro alimento. Que o medo não nos impeça da gozar da liberdade que Jesus
nos alcança com o seu amor aos homens e obediência à vontade do Pai.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAo ler a Homília do III Domingo da Quaresma,profunda e esclarecedora,que nos dá força e ânimo à nossa caminhada Quaresmal.Obrigada, pela maravilhosa e bela ilustração.Que o Senhor o ilumine o guarde e o abençoe.Votos de uma boa semana.Desejo-lhe Frei José Carlos,uma boa tarde ,com paz e alegria.Bem-haja.
Um abraço fraterno.
AD