Ao escutarmos estre
trecho do Evangelho de São Mateus que a Liturgia da Palavra deste domingo nos
oferece, a primeira ideia que fixamos é que não podemos servir a Deus e ao
dinheiro, certamente porque, a bem da verdade, mais ou menos todos vivemos esse
conflito de não saber muito bem a quem servir.
Umas vezes pensamos e
queremos servir a Deus, mas prontamente descobrimos que afinal não podemos
deixar de servir o dinheiro, outras vezes servimos o dinheiro mas também
rapidamente constatamos que não nos colma o desejo que profundamente habita em
nós.
Desta forma, temos que
assumir que inevitavelmente vivemos em conflito, um conflito interior, um
conflito de interesses que se repercute exteriormente, que se repercute nas nossas
palavras, nos nossos gestos, na própria forma como vivemos e construímos a
nossa vida.
Muitos dos conflitos,
das divisões e confrontos com que nos vamos deparando nas nossas mais diversas
circunstâncias não são mais que o reflexo dos nossos conflitos e divisões
internas, provocadas pela ambiguidade de servir a dois, ou até a mais,
senhores.
Para que tal possa
começar a ter um fim, para que possamos iniciar uma terapia, temos que assumir
que Jesus ao dizer que não podemos servir a Deus e ao dinheiro não está a
condenar o dinheiro, não nos está a privar do seu uso, mas a chamar-nos a
atenção para a forma como nos relacionamos com o dinheiro, com a sua idolatria
e absolutização.
Porque afinal é este o
problema que está em causa, a absolutização do dinheiro, do lucro, que tantos
estragos têm feito na vida de tantos homens e mulheres, de tantas famílias, uma
vez que tudo se torna relativo e descartável face a esse mesmo lucro e
dinheiro.
A absolutização e
idolatria do dinheiro aproxima-nos da tentação de Adão e Eva, quando seduzidos
pela serpente pensaram que comendo do fruto da árvore podiam ser como Deus. A idolatria
do dinheiro e a sua absolutização dão-nos também essa sensação, essa esperança,
e por isso muitos homens e mulheres vivem para o dinheiro como se ele lhes
garantisse a imortalidade.
Contudo, para que o
combate à idolatria do dinheiro e aos conflitos e divisões que provoca possa
ser verdadeiramente eficaz, temos que assumir que à luz das palavras de Jesus
há uma outra idolatria, menos óbvia, mas muito mais degradante da condição
humana, uma idolatria que possibilita e potencia a idolatria do dinheiro.
Essa idolatria
funda-se no distanciamento de Deus, é a idolatria da ausência de Deus, como se
Deus não se interessasse mais pelo homem e pelas suas condições de vida.
É a idolatria que
vemos subjacente na leitura do Profeta Isaías que escutámos, um profeta que
face a esta mesma concepção se vê obrigado a dizer ao povo que tal como uma mãe
não pode esquecer o seu filho também Deus não pode esquecer o seu povo, os
homens, o objecto da sua predilecção.
Mas o profeta vai
ainda mais longe, assume de forma mais radical o amor e a presença de Deus, ao
dizer que se uma mãe é capaz de esquecer o seu filho, Deus não é capaz de tal
atitude, de tal esquecimento, uma vez que o seu amor é permanentemente actual. Deus
revela-se existente nesse mesmo amor, nesse cuidado e atenção para com a sua
obra.
Quando o homem vive
acreditando que Deus se ausentou, que Deus se desinteressou, é muito fácil cair
na idolatria daquilo que nos parece dar a segurança, é muito fácil aceitar o
dinheiro, o poder, ou a força como os meios de salvação e realização.
Para evidenciar este
abismo idolátrico Jesus apresenta no Evangelho as imagens poéticas dos lírios do
campo e das aves dos montes, que são vestidos e alimentados em magnificência e
abundância por Deus. Se tal acontece com realidades tão frágeis e perenes, como
é possível que não se acredite que também assim acontece com o homem, ou ainda
de forma mais excelente com o homem quando este é o esplendor da criação
divina?
O equilíbrio saudável
entre a confiança na protecção de Deus e o uso do dinheiro para o que
verdadeiramente é necessário conduz-nos à recomendação de Jesus de procurarmos
antes de mais o Reino de Deus e a sua justiça, porque tudo o demais nos será
dado por acréscimo.
De facto, quando
confiamos em Deus e procuramos a justiça do Reino de Deus, a justiça da
fraternidade da filiação divina, o dinheiro, o poder ou a força são colocados
nos seus devidos lugares de meios, de instrumentos, para a prossecução da
felicidade e realização de todos.
Procuremos pois, como
São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios, ser administradores fiéis de tudo o
que somos e recebemos, confiantes da ajuda e colaboração de Deus, a quem única e
verdadeiramente serão prestadas todas as contas da administração recebida.
1 – “Os contadores de dinheiro”, Museu de Belas Artes de Nancy.
2 – “A jovem mãe”, de Paul Seignac, Dorotheum.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminar…”quando confiamos em Deus e procuramos a justiça do Reino de Deus, a justiça da fraternidade da filiação divina, o dinheiro, o poder ou a força são colocados nos seus devidos lugares de meios, de instrumentos, para a prossecução da felicidade e realização de todos”. …
O penúltimo parágrafo da Homilia do VIII Domingo do Tempo Comum que Frei José Carlos preparou e que tomei a liberdade de transcrever, entendo-a como a síntese do que a Palavra de Jesus quis transmitir-nos no trecho do Evangelho – Mt 6, 24-34.
Conduz-nos à questão da confiança em Deus, como Jesus confiou no Pai, à lógica da Criação, à fraternidade, à partilha, à revisão da hierarquia das nossas preocupações que vão para além do dinheiro, como o poder, a ganância, o prestígio ou a força. Jesus não condenou o dinheiro como meio para a satisfação das necessidades normais de cada um de nós mas como finalidade de vida, quando corrompe o Homem, quando destrói valores e vidas.
O essencial é o interior, a forma como partilhamos o nosso coração com Deus e com os outros e como utilizamos os bens postos à disposição de todos os seres humanos.
Porém, como nos salienta no texto da Homilia que teceu há …” uma outra forma de idolatria, menos óbvia, mas muito mais degradante da condição humana, uma idolatria que possibilita e potencia a idolatria do dinheiro (…) que é a idolatria da ausência de Deus, como se Deus não se interessasse mais pelo homem e pelas suas condições de vida” … e que nos pode levar a privilegiar outros meios para além do dinheiro ou levar a caminhos que nos dão a ilusão de felicidade, realização …
No peregrinar da vida de fé, a confiança em Deus é fundamental porque nos ajuda a saber esperar o auxílio do Senhor que nunca nos abandona.
Um grande obrigada, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia, profunda, intemporal, reconfortante e importante, quando vivemos tempos que nos levantam problemas e situações de vária ordem, quando o olhar se turva tão frequentemente. Que o Senhor o ilumine e o cumule de todas as bençãos.
Continuação de um bom domingo. Bom descanso.
Um abraço mui fraterno e amigo,
Maria José Silva
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAgradeço-lhe esta bela e maravilhosa partilha da Homília do VIII Domingo do Tempo Comum,tão profunda que nos reconforta e muito importante para a nossa caminhada.Como nos diz o Frei José Carlos...Procuremos pois,como São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios,ser administradores fiéis de tudo o que somos e recebemos,confiantes da ajuda e colaboração de Deus,a quem única e verdadeiramente serão prestadas todas as contas da administração recebida.Obrigada,Frei José Carlos,pela excelente partilha do texto do Evangelho que nos ajuda à nossa reflexão com mais profundidade.Bem-haja,Frei José Carlos.Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja.Desejo-lhe uma boa noite e um bom descanso.Votos de uma boa semana com paz e alegria .
Um abraço fraterno e amigo.
AD